27/08/10
O candidato das forças produtivas
por
Zé Neves
Estava - e ainda estou, embora, confesse, sem grande esperança - disponível para votar no candidato designado pelo PCP. Fosse ele qual fosse, até porque a grande vantagem dos candidatos do PCP - e digo-o sem ponta de ironia - é que quanto "piores" forem, "melhores" são. Carvalhas, por exemplo. Sempre foi considerado um líder "fraco" e eu sempre preferi a liderança Carvalhas à liderança "forte" de Cunhal, porque num partido comunista uma liderança "forte" só tem cabimento à custa de um modo democrático de acção e decisão políticas. Estava disponível para votar no candidato do PCP e na rifa saiu Francisco Lopes. Não tenho nada em particular contra a figura, ao contrário de muitos que, justamente, criticam a escolha de Lopes por ser a escolha de alguém que não é conhecido. E, mais ainda, assusta-me a facilidade com que, por vezes, entramos no coro de críticas ao PCP. O sempre opinante Luís Delgado, por exemplo, dizia que era pena o PCP ter optado por um candidato tão velho, sem reparar, por certo, que Lopes é o mais novo dos candidatos que estão no terreno. Já em relação à ortodoxia de Lopes, lamento, mas também não alinho no coro. Não que ele seja ou deixe de ser ortodoxo, mas, sinceramente, o que por regra se entende por ortodoxia é qualquer coisa de demasiado difuso e vago para que a tal crítica se possa aderir sem reservas. Partilho, por exemplo, a crítica da ortodoxia se por ela entendermos a crítica do estalinismo, da ditadura do proletariado, etc. Não partilho se por ela entendermos a crítica do que por vezes se chama jargão ortodoxo e que passa por palavras e conceitos como revolução, luta de classes, comunismo, proletariado. Entretanto, ao ver Francisco Lopes na televisão, em entrevista à TVI, não tive outro remédio que não o de decidir não votar num candidato que, por certo que com a melhor das intençõess, não repara na tristeza que é comparar o valor da vida de homens e de mulheres com o valor do óleo das sardinhas e da força das marés. E foi isso que Francisco Lopes fez quando, perguntado sobre o futuro do país ou outra generalidade do mesmo tipo, respondeu (cito de cor, confesso, mas crendo ser fiel) que o país não é pobre e que tem muitas potencialidades, apontando desde logo a nossa costa cheia de recursos e mais não sei o quê, e, sobretudo, acrescentou ele julgando fazer um grande elogio à espécie humana e aos proletários que o escutavam lá em casa, apontando a grande potencialidade dos homens e mulheres prontos a produzir e cujas energias, diz, estão a ser desperdiçadas com estas políticas de desemprego. Eu sei que não se faz - que parece argumento de autoridade e que isto é feio - mas não resisto a citar o jovem Marx a este respeito: "Para destruir o místico clarão que transfigura a «força produtiva», basta consultar qualquer registo estatístico. Aí se fala de força hidráulica, força do vapor, força humana, cavalo-força. Tratar-se-á de dar ao homem um grande reconhecimento o facto de fazê-lo figurar como «força» ao lado do cavalo, do vapor e da água?".
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9 comentários:
Consigo imaginar o teu espanto: um candidato do PCP a tomar posições produtivistas? O mundo está todo ao contrário.
Percebo perfeitamente que tenhas decidido não votar no FLopes quando descobriste esta traição à tradição operaísta a que o partido tem sido tão fiel. Quando imagino a perplexidade que tiveste ao ver a entrevista faz de facto todo o sentido que tenhas decidido, ali, naquela hora, que não votavas no Xico.
Há sempre um José Hermano Saraiva no historiador que somos, não é?
Abraço,
Bruno
bruno,
o meu espanto não tem nada de retórico, por assim dizer. Há, com certeza, muita continuidade entre o que Francisco Lopes afirmou e o discurso do PCP em geral e antes de Lopes. Mas há também diferenças. E não digo que a "culpa" seja do Lopes, mas do PCP, que, parece-me (mas é verdade que não tenho nenhum estudo científico que o prove), nos últimos três ou quatro anos, nomeadamente no contexto da crise, acentuou grandemente o seu discurso produtivista e o seu nacionalismo. Eu tenho procurado ver o PCP, hoje, mas também ontem, na sua ambivalência, que para mim é a de um partido crítico da desigualdade social e crítico da desigualdade nacional. Há, porém, limites: quando o Francisco Lopes define a sua candidatura, uma e outra e outra vez, como uma candidatura patriótica e de esquerda (foram, creio, os dois adejectivos mais usados por ele na entrevista, na hora de definir o seu projecto), então não há muita margem de manobra para leituras optimistas e é tempo de tentar fazer uma crítica internacionalista proletária. De esquerda e patritóico também se diz (e também o é, por certo, em maior ou menor grau) o Sócrates.
abç
Mas, camarada Zé Neves, quem foi que disse - e pelos vistos o FL não esqueceu, a menos que o tenha redescoberto graças ao meio de cultura peculiar do seu partido - que é "o homem… o capital mais precioso"?
Quanto oa resto, concordo fortemente com algumas coisas que dizes - o candidato não conhecido, a crítica da liderança personalizada, etc. Claro que, como sabes, me continua a espantar que alguém que pensa como tu a autonomia, a potência instituinte, a afirmação revolucionária de democracia contra os representantes e as vanguardas, pondere se deve ou não votar PCP. Mas teremos outras ocasiões de discutir o assunto.
Abraço para ti
miguel sp
Zé,
Digamos que me espanta o teu espanto. E que a tua justificação para não votar no Lopes me parece justamente retórica. Mas gostava de deixar claro que não vejo aí nenhuma problema nem nada que seja censurável. A forma particular de retórica que escolheste para reafirmar uma posição política, com a qual estou bastante de acordo - uma posição antinacionlista e antiprodutivista -, chamemos-lhe uma forma narrativa, essa é que é tanto mais eficaz quanto mais credível for.
Dito isto, diria que o que criticas ao Lopes e ao PCP dos últimos anos não é de facto culpa do candidato, mas também não é também culpa do partido. O problema de andar a procurar culpados é de que tentamos responder de forma certa à pergunta errada. O que é que para ti, no PCP, ultrapassa o limite do aceitável? A afirmação de patriotismo e a auto-inscrição na esquerda. Ou seja, o que decorre do quadro de actuação dos partidos, o Estado-Nação, e do sistema político em que sobrevivem - o parlamentarismo.
Por isso, no fim, nem sequer é muito importante em quem se vota numas eleições, muito menos numas eleições para eleger um « chefe de estado », com mais ou menos poderes que ele tenha. Isto se julgarmos essa importância do ponto de vista do potencial de transformação da sociedade numa via igualitária.
No entanto, o que fica de fora desse juízo, dessa avaliação da capacidade de transformação, ainda é importante o suficiente para que me dê ao trabalho de ir votar numas eleições. Não quero dizer que condene quem não pense assim. Apenas acho que há diversas formas de não pensar assim, e a mais interessante não será de certo o neo-kantianismo hiper-moralista que o MSP mostra na sua resposta, e que se traduz no ajuizamento de cada candidatura de acordo com a conformidade a princípios pré-estabelecidos. Como avaliar esta proposta política do ponto de vista da 1) autonomia; 2) potência instituinte; 3) democracia, etc...
Há uma pragmática do acto eleitoral, que não é despicienda, e que consiste em pensa-lo mais no campo dos efeitos do que no dos princípios. Digamos que é por aí, pelos efeitos do discurso do PCP, ou melhor, pelos possíveis efeitos, que passa, pese embora a fraqueza doutrinal de muitas das suas posições, a utilidade que o partido ainda pode ter para a causa da emancipação.
Um abraço,
bruno.
Caro José Neves:
Devo, de facto, estar a ficar velho.
Leio no seu «post», em tentativa de descrição do que que F. Lopes terá afirmado,«o país não é pobre e que tem muitas potencialidades, apontando desde logo a nossa costa cheia de recursos e mais não sei o quê, e, sobretudo, acrescentou ele julgando fazer um grande elogio à espécie humana e aos proletários que o escutavam lá em casa, apontando a grande potencialidade dos homens e mulheres prontos a produzir e cujas energias, diz, estão a ser desperdiçadas com estas políticas de desemprego».
Acontece que não vejo nestas suas linhas nada em que F. Lopes tenha integrado os homens e mulheres que... nas forças produtivas mas sim que os incluem, e a meu ver muito bem nas «potencialidades» do país. E, ao fazê-lo, fez precisamente o que toda uma ideologia e um discurso dominantes não fazem e fez a devida homenagem ao que eu chamaria «o Portugal que trabalha».
Quanto ao «produtivismo» do PCP, talvez não adiante encetar uma discussão consigo porque toda a gente sabe que o país não precisa de produzir nada embora muita gente tenha aderido recentemente à muito antiga observação do PCP de que, por detrás do problema dos défices, está o problemas estrutural da quebra e não qualificação da produção nacional (tema a que a Festa do Avante dedica este ano uma exposição).
Já quanto ao «nacionalismo» do PCP, os leitores não sabem mas o José Neves sabe que sobre essa qualificação (por mim rejeitada)já disse o que tinha a dizer num colóquio sobre a sua tese de doutoramento. E só posso voltar a dizer mais no dia em que o José Neves explicar o que não está na sua (em muitos aspectos valiosa) tese de doutoramento: a saber, quando qualifica o PCP de «nacionalista» que conceito de nacionalismo está a adoptar.
estou com o Vitor Dias - devo estar a ficar velho...
O Zé Neves queixa-se que o candidato reitera um paradigma "nacionalista" numas eleições nacionais? Deve ser crime de lesa intelectualidade. Porém, continua a fazer todo o sentido no interior de um plebiscito nacional. Não vejo como dentro dessa "pragmática" invocada pelo Bruno Peixe se possa tecer um discurso fundamentalmente contrário ao espaço nacional que enquadram as eleições em questão.
Um mistério permanece no entanto: é que se a capacidade de transformação não existe na postura política e retórica do PCP então por que votar nele? Diz o Bruno Peixe que o que importa é o que fica à margem de um projecto de emancipação social, ou seja, é preciso "pragmaticamente" jogar no campo dos efeitos e não no dos princípios (cit). Se assim é, por que razão é o voto no PCP particularmente eficaz para produzir esses mesmos efeitos? Que efeitos são esses que podem ser desvinculados caprichosamente dos conteúdos que lhes servem de matriz?
quanto ao molde produtivista do discurso de F. Lopes que é criticado por ambos, apetece dizer como o falecido Bourdieu, quem não sente a necessidade do corpo pode dar-se ao luxo do juízo contemplativo.
Caro Vítor Dias,
Vou tentar ser esquemático, para ver se nos entendemos no nosso desentendimento.
Do ponto de vista do Francisco Lopes e do PCP, parece-me, o país deve seguir uma via de desenvolvimento de modo a que as potencialidades se transformem em efectividades. A energia dessa transformação é o vento dos ares, a água dos mares e, também, o músculo de quem trabalha. São, neste sentido, forças produtivas.
O Vítor entenderá que não há nenhum problema com isto porque se trata do bem comum, que para si equivale à nação. Ora, para mim, o bem comum não se resume à nação, mas é o mundo, sem intermediação nacional. E é aqui justamente que a nossa concepção de nação difere. Deixo de lado a questão da minha tese de doutoramento (que, é certo, não apresenta uma definição de nacionalismo no sentido em que a reclama, mas sendo a tese, toda ela, sobre nacionalismo, talvez se possa ver a tese no seu todo como uma tentativa de definição do nacionalismo na sua relação com o comunismo). Mas vamos ao que interessa: para o Vítor é possível ser patriota e internacionalista, porque é possível ter uma ligação à terra no sentido restrito de localidade e uma ligação à terra no sentido amplo de universalidade. Eu não digo que não seja. Mas isto é um internacionalismo a que poderíamos chamar de internacionalismo popular e nacional. Não um internacionalismo proletário. Este não admite a partilha de um sentimento de ligação à terra no sentido de localidade (de universalidade também não, mas aí é e não é outra discussão). E não admite, digo eu, é claro, porque isso implicaria partilhar a afinidade com aqueles com quem se vive e que são também aqueles contra os quais se luta, os patrões nacionais. E não admite, também, porque isso implicaria destrinçar nacionalmente a mundialidade de uma classe que se pretende transnacional. Eu sei que o Vítor e o PCP entendem que um operário francês é diferente de um operário português (e não se trata aqui de verificar se isso é ou não verdade) e que um operário português é diferente de um patrão português. E que a política do PCP é por isso uma política de combate à desigualdade social no país e uma política de combate à desigualdade nacional no mundo. Eu simplesmente entendo que há um proletariado no mundo que luta contra uma burguesia mundial e que não nos devemos preocupar (a ñão ser para combater) com as diferenças culturais entre uma classe operária francesa e uma classe operária portuguesa (enfim, nada disto é assim tão simples, por certo, mas ajuda-nos, talvez, a separar águas).
nuno castro, é perfeitamente possível desenvolver uma acção política no quadro nacional e que não obedeça a uma mundividência nacionalista. basta que os partidos que o fazem não desenvolvam a sua acção política apenas no quadro nacional. do parlamento europeu ao movimento sindical mundial, há bons espaços para que essa limitação não aconteça.
quanto à questão do produtivismo, o meu amigo, lamento, nada disse que não seja idiota, de modo que aguardo que reformule.
"nada disse que não FOSSE idiota" a concordância, porra!
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