Um. Todas as eleições presidenciais foram envolventes e consideradas importantes. A próxima não o é menos que as anteriores. Pelo contrário. Porque se trata da oportunidade para haver a reeleição de um político de direita e nas condições especiais de poder verificar-se o pleno da direita no governo, na maioria parlamentar, em Belém. Não vejo, assim, como o rancor pode ser tão importante que constitua o factor determinante para a escolha (ou para a não escolha).
Dois. Obviamente que a figura do candidato conta, particularmente numa eleição unipessoal. Mas sempre que a direita não ganhou - ou seja: fora a última eleição -, o eleito “pela esquerda”, exceptuando o caso único de Jorge Sampaio, nunca foi uma figura superior a Manuel Alegre, seja em termos políticos, culturais ou de trajectória, qualquer que seja o crivo adoptado. Recordo-os: Ramalho Eanes, Mário Soares. E para os eleger, a esquerda, ou as esquerdas, logo na primeira ou então na segunda volta, sempre souberam pôr de parte as exigências sectárias sobre o candidato da resolução bipolar esquerda-direita. Quando falhou neste procedimento, a direita ganhou Belém.
Três. Sendo certo que a figura do candidato conta, não conta tudo. E, no actual quadro constitucional, mais se atenuam as marcas da individualidade que ocupa o cargo presidencial. Assim, além da figura, temos a perspectiva de dinâmicas e contra-dinâmicas, essas sim, a meu ver, o de mais importante nestas eleições. Desde logo, afastar Cavaco de Belém e num quadro potencial político onde a probabilidade acena para a hipótese de, com ele e agora, a direita dominar todos os poderes. Depois os efeitos sobre a governação socialista – os directos (via PS) e os indirectos (via partidos e forças à esquerda do PS). Num quadro de alternativa como esta, em que inevitavelmente se daria um deslocamento da dinâmica política para a esquerda e para as preocupações sociais, e exceptuando o número da teimosia escrupulosa dos membros fanáticos da esquerda diletante e dos amarrados aos ressentimentos e rancores, não vejo como hajam dúvidas em optar. Por Alegre, naturalmente.
Quatro. A candidatura de Alegre suscitou um caso único de convergência efectiva entre os três partidos de esquerda. O PS e o Bloco, por via oficial. O PCP ao apresentar uma candidatura insípida, inodora e de escrúpulo à primeira volta mas prometendo uma campanha que não belisca a entrada na dinâmica de vitória da segunda volta, guardando-se para o mata-mata, num caso nítido de defesa inteligente da virgindade e do pudor. No longo e desunido caminho que a esquerda portuguesa tem percorrido, sempre aos empurrões, calduços e gritarias, com os sectarismos a falarem mais alto que os interesses populares, esta convergência, mesmo que limitadíssima no seu alcance e efeitos imediatos, representaria uma oportunidade de ouro para a esquerda se entender, aprendendo a entender-se, pelo menos na defesa do Estado Social e que implicaria inflexões de todas as forças de esquerda, as partidárias, as sociais e as culturais. Se Alegre está a conseguir, na fase de candidatura, conseguir manter apoios tão diferentes e antes tão conflituantes, isso é uma aprendizagem inestimável para ele e para os partidos de esquerda da arte de aplanar instintos fraticidas, os que preenchem o capítulo maior da história da esquerda portuguesa.
Cinco. Provavelmente, havia, escondido ou metido a recato, um candidato mais convincente e abrangente que Alegre para unir as esquerdas e levá-las ao combate por Belém. Só que ninguém sabe qual o seu nome e onde reside. Sobrou Alegre? Sobrou. Eu, por mim, votarei em Manuel Alegre.
(publicado também aqui)
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13 comentários:
Com as mais puras intenções e a maior serenidade, creio que este «post» justifica quatro sóbrias observações que, a seguir, alinho procurando até situar-me no qwuadro de pensamento do autor (e que, em certos pontos, não é o meu).
A primeira é que não é verdade que (sublinhado meu) «A candidatura de Alegre suscitou UM CASO ÚNICO de convergência efectiva entre os três partidos de esquerda». Com efeito, esta alegada convergência a três é bem menos significativa que a ocorrida, LOGO À PRIMEIRA VOLTA,na eleição presidencial de 1996, com Jerónimo de Sousa e Carlos Marques a desistirem a favor de Jorge Sampaio e contra Cavaco Silva. E não adianta vir dizer que a UDP não pode ser comparada ao BE porque o que importa é que a base eleitoral global e quantitativa seria similar.
A segunda é que a essa convergência nessas presidenciais de 1996 não se seguiu nenhum dinâmica geral para a esquerda, o que devia aconselhar alguma prudência a quem a procura agora desenhar para o pós-presidenciais de 2011.
A terceira é que, distanciando-me obviamente dos qualificativos usados com a candidatura de Francisco Lopes, por mais que me esforce não consigo perceber em que é que uma suposta outra candidatura mais supostamente destinada a um suposto melhor resultado eleitoral modificaria certos dados estruturais do «problema» das presidenciais que existem desde que há presidenciais, em democracia (não é preciso fazer o boneco, pois não ?).
A quarta é que só a quadra presidencial (não é gralha, é mesmo «quadra», à moda de «quadra natalícia»)me parece poder explicar que o autor do «post» venha fazer o gasto choradinho das culpas irmamente repartidas por todos os sectores ou forças de «esquerda». Na verdade, embora não me tenha dado a esse ciclópico trabalho de conculta, estava convencido que, ao longo destes anos todos de consulado socrático, o autor do «post» teria secundado para aí 70 ou 80% das críticas concretas que o PCP e o BE aplicaram aos governos do PS.
Acho que o teu ponto dois labora num equívoco: a esquerda perdeu porque a maioria dos votantes estavam do lado de Cavaco. Havia na altura sondagens a garantir que havia mais votos à esquerda com mais candidatos neste campo.
Vitor Dias, sobre o seu ponto 2,
apesar do que aponta, as condições objectivas agora são diversas das de 1996. Não só a precariedade social como as ameaças que pairam no sentido de ainda agravar mais as condições de milhões de pessoas, podem dramatizar o quadro para 2011.
Era por isso bom também que quando nos reportamos a comparações com eleições passadas, tenhamos presente as condições sociais objectivas em que elas ocorreram, senão dá mera estatística.
Para L.A.M::
Sinceramente, não vejo em que é o que seu comentário interfere ou contraria o meu juízo ou advertência contida na segunda observação.
E se o que diz é verdade, então para compor com mais exactidão o quadro deveria ter incluido que a situação objectiva a que se refere
envolve as responsabilidades de um dos partidos que apoia Alegre, ou seja do PS.
Imparável e caro camarada João Tunes, vamos lá ver se me explico melhor sobre este assunto, sem ter de republicar tudo o que foi escrevendo sobre o assunto.
1. Parece-me que a tua posição de apoio a Alegre não pode ser confundida com o baixar os braços, o tom ou a intensidade da oposição à versão - digamos assim - "sócrates" do PS e seus governos. O que põe um problema curioso que é o de saber se é possível apoiar Alegre contra Alegre - uma vez que este, ou uma parte dele, mas que vale pelo todo quando se manifesta, não leva a sua independência suficientemente longe para se demarcar daquilo que pessoas como tu mais têm criticado na governação socratista: veja-se o caso do PEC, etc.
2. Questão mais geral, constante já do meu último post sobre o assunto: o que é que se ganha, do ponto de vista daquilo a que já tens chamado a "radicalidade democrática" (igualitarismo, extensão da cidadnia plena, auto-organização responsável, devolução do poder ao espaço público comum, democratização da economia, etc.), quando essa entidade equívoca a que se chama a esquerda ganha umas eleições presidenciais? Ou, de outro modo: o apoio a uma candidatura como a de Alegre não comprometerá e deteriorará, mais do que contribuirá para expandir e desenvolver, uma acção política democraticamente radical (e não pela personalidade individual do candidato em causa, mas pela lógica de salvação nacional e unitarismo mistificadora do modo de lutar que se adopta)?
3. A leitura que fazes do "contributo" do PCP para a unidade surpreende-me pelo que deixa na sombra. Sem dúvida que o PCP se prepara, no caso de haver segunda volta, para engolir o sapo e votar Alegre, do mesmo modo que a candidatura de Alegre já saudou o aparecimento do candidato Francisco Lopes e que Alegre já se apressou a exprimir a sua confiança, escorada na invocação dos antecedentes históricos que conhecemos, na sensatez eleitoral do PCP perante as presidenciais vindouras. Sem uma palavra de demarcação relativamente ao que a escolha de Francisco Lopes como claro sinal de endurecimento neo-estalinista do PCP - ao mesmo tempo que Alegre não tem sido avaro nas críticas às outras candidaturas (a consumada e a anunciada).
Com o abraço amigo que sabes
miguel sp
Caro Miguel (SP),
1. Claro que o apoio à candidatura de Alegre não tem, nem deve ter, o preço de poupar o governo da crítica às suas malfeitorias. O que não anula a noção clara de que qualquer governo (seja do PS, seja do PSD) governa e governará pior, mais à direita, com Cavaco em Belém comparativamente com a hipótese Alegre.
2. Acho absolutamente insólita, mas suicidária, a ideia do “quanto pior, melhor” que expuseste no teu segundo ponto. Não, não vou por aí.
3. Não vejo que Alegre devesse criticar a escolha do candidato do PCP para a primeira volta. Se o Lopes, para efeitos internos, representa uma posição de força do aparelhismo cavernícola e serôdio na luta interna pelo poder, para fora, para as eleições presidenciais, é um “compromisso” com a candidatura de Alegre (o que o discurso de Lopes confirma) e com a autonomia propagandística do PCP mas salvaguardando a “unidade” na segunda volta, com a vantagem para o PCP de este partido não ficar isolado à esquerda numa eleição em que PS e Bloco podem estar ligados à vitória de um mesmo candidato. Seria de uma estupidez sectária se Alegre recebesse com coices uma manobra táctica do PCP que só o favorece (é mais fácil transferir votos do PCP para Alegre numa segunda volta em mata-mata e que antes estagiaram em pipa de madeira de carvalho na fidelização militante, via Lopes). A candidatura de Francisco Lopes vai acrescentar votos comunistas em Alegre, as outras candidaturas ou são em oposição ou por ressentimento (por exemplo, dificilmente quem vota em Nobre motivado por rancor cristalizado contra Alegre, resvalará para Alegre na segunda volta).
Grande abraço.
Caro João,
as divergências precisam-se - o que já não é mau. Mas ainda não com suficiente clareza. Nomeadamente, creio que interpretaste mal, talvez por deficiência minha ao nível da exposição, o meu segundo ponto. O "quanto pior, melhor" nunca foi o meu prato favorito. A minha ideia era que o reforço do (contra-)poder ou da capacidade de inflectir o curso dos acontecimentos talvez passasse por uma intervenção diferente nas presidenciais e, sob certos aspectos, pela desmistificação da importância (mítica) que o imaginário dominante lhes atribui.
Também quanto ao PCP, a questão é esta: seria bem mais interessante do ponto de vista democrático e da cidadania activa que surgissem na sua área de influência vozes e iniciativas que contestassem a re-estalinização em curso e fizessem com que alguma coisa mexesse nessa área, abrindo perspectivas novas, do que vermos os cálculos eleitorais relativos às oportunidades de Alegre sobreporem-se, não sem laivos de utilitarismo, à denúncia e crítica das novas voltas de parafuso. Fazer avançar a ideia de que o "comunismo" do PCP não é a única alternativa possível à dominação oligárquica capitalista, ou de que a recusa desta não equivale à adesão a um tipo de regime como o que a organização e métodos do PCP prefiguram, seria bem mais proveitoso e prioritário do ponto de vista democrático do que garantir a vitória, na bandeja das presidenciais, do gosto a cereja sobre o gosto a limão (se ainda te lembras da cantiga do Sérgio Godinho).
Como vês, a discussão promete. E se pudermos contar com a animação e oportunidades de esclarecimento que trariam as vozes de outros tripulantes deste e de outros barcos blogosféricos, tanto melhor.
Caloroso abraço
miguel sp
Ponto 2: comparar o trajecto político de Alegre com Soares é a mesma coisa que comparar a automotora da Lousã com o TGV. Qualquer que seja o crivo adoptado.
Banalidades de Base para combater miragens neo-burocráticas e reformistas - Fazer circular as ideias para destruir as hierarquias, criar pólos autónomos de leitura colectiva, quebrar as distâncias e os sindromas de privilégio entre os que monopolizam o " saber " ou a "Informação" e os subjugados, constituem pontos essenciais de um processo de aceleração democrática indispensável de combate à " impotência e mistificação da velha política ", que dezenas de anos de parlamentarismo e capitalismo serôdio cristalizaram em Portugal. As hipótese de vitória de M. Alegre residem na capacidade de transmutação e desenvolvimento de um novo projecto político democrático de ampla e multímoda amplitude cultural e social.Tal combate tem na Internet um espaço público político de grande projecção como a campanha de Obama o demonstrou , como todos sabemos.E tudo isso para quê?; questionam os que com entusiasmo e determinação lutam para que C.Silva não seja reeleito.Porque vivemos numa época em que o proletariado- operários,funcionários,contra-mestres,precários e reformados- descobriu que a sua " própria força exteriorizada concorre para o reforço permanente da sociedade capitalista,já não só sob a forma de trabalho seu, mas também sob a forma dos sindicatos, dos partidos ou do poder estatal que ele tinha constituído para se emancipar, descobre também pela experiência histórica concreta que ele é a classe totalmente inimiga de toda a exteriorização petrificada e de toda a especialização do poder".Tudo questões sobre as quais o Movimento de Intervenção Cívica(MIC), fundado por Alegre e o seu estado-maior, não souberam ou desejaram desenvolver nestes últimos quatro anos da sua existência. Niet
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