11/09/10

Salazar, democrata-cristão?

O historiador Ribeiro de Menezes defende que "Salazer era um democrata-cristão convicto" (via O Insurgente), ao que Fernanda Cancio responde com o seu artigo "obviamente infame".

A minha opinião sobre o assunto: isso é como dizer que Lenine era um social-democrata - falso no sentido moderno da palavra, mas largamente verdadeiro no sentido (ou, pelo menos, num dos sentidos) que a palavra tinha na época.

Em tempos distantes, um amigo meu que era do CDS (à altura eu era simpatizante do PSR) emprestou-me um livro com a encíclicas papais referentes à doutrina social da Igreja, à democracia-cristã, etc. E, do que me lembro dessa leitura, dá-me a ideia que, no principio do século, "democracia-cristã" era pouco mais que um novo nome para "catolicismo social", ou uma tentativa de criar um catolicismo politico desligado do legitimismo monárquico; essa "democracia-cristã" não tinha muito a ver com o que hoje em dia se chama democracia-cristã, e ainda menos com o que usualmente se chama "democracia" (aliás, num desses textos até dizia qualquer coisa como "podem usar o nome «democracia-cristã», mas cuidado para evitar confusões com a outra «democracia»"; ou seja, a democracia-cristã do principio do século XX era um bocado como as "democracia populares" e as "Republicas Democráticas" da segunda metade desse século); arrisco-me a dizer que só após a II Guerra Mundial é que passa a existir com importância uma "democracia-cristã" claramente alinhada com o que usualmente se chama "democracia" (aliás, o tal historiador lista o "parlamentarismo" entre os inimigos da "democracia-cristã")

Diga-se que se formos escavar as fundações de alguns partidos democratas-cristãos modernos, não é difícil encontrar alicerces anti-democráticos (e anti-liberais, anti-socialistas, etc). Um exemplo - em tempos falou-se muito da entrada da extrema-direita no governo austríaco; mas o próprio partido austríaco da direita "moderada" e "boazinha", o democrata-cristão Partido Popular, mais não é que a "reactivação" do Partido Social-Cristão de Karl Lueger e Dolfuss (seguir os links para quem não saiba do que estou a falar).

De qualquer forma, penso que é melhor chamar Salazar, p.ex., de "católico social", ou talvez de "social-cristão", do que de "democrata-cristão", para evitar as confusões em volta do "democrata".

13 comentários:

Ana Cristina Leonardo disse...

pois, o hitler tb. era nacional-socialista

Niet disse...

Oh. Miguel Madeira: Chamar social cristão a Salazar, com franqueza... Como antigo militante do PSR, não teria sido mais apropriado explorar aquela via do Fernando Rosas espalhada em vários dos seus textos e livros: " (...) o pensamento salazarista vem sobretudo na linha da tradição contra-revolucionária da direita conservadora, ainda que moldado pelos ensinamentos do ´catolicismo social `". E há também- para lá dos trabalhos de César Oliveira- os livros, já em poche na Folio, do Eric Hobsbawm e do E. Gellner sobre O Nacionalismo, meu caro. E sabe o que é que Mandel- um dos pilares do PSR luso e francês dos anos 80- dizia do fascismo? " A função histórica da tomada de poder pelos fascistas consiste em modificar pela força e violência as condições de reprodução do capital em favor dos grupos decisivos do capitalismo monopolista ". Bom Vento ! Niet

Anónimo disse...

Como já fiz na caixa de comentários do «jugular», relembro que em Novembro de ano passado em entrevista ao «Público», este historiador já tinha desencantado a extraordinária tese de que ««Salazar nunca se preocupou com a doutrinação ideológica (...)».Na altura, respondi que « penso mesmo que, no século XX português, ninguém mais fez tanta doutrinação ideológica como o ditador (fascista, sim) António de Oliveira Salazar. E com a imensa vantagem de a fazer a partir do poder.»

Miguel Madeira disse...

"(...) o pensamento salazarista vem sobretudo na linha da tradição contra-revolucionária da direita conservadora, ainda que moldado pelos ensinamentos do ´catolicismo social `"

Não é mais prático dizer:

«é melhor chamar Salazar, p.ex., de "católico social", ou talvez de "social-cristão",»?

Anderson disse...

Bom dia estou passando para elogia o seu trabalho nesse garboso portal, que é muito bom o conteúdo, matérias exclusiva. E convido a participar do meu blog e também das enquetes. Podemos fazer parceria de anúncio do nosso meio de comunicação. Espero que entre contato. http://estudobiblicoemfoco.blogspot.com
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Miguel Madeira disse...

Mandel citado por Niet:" A função histórica da tomada de poder pelos fascistas consiste em modificar pela força e violência as condições de reprodução do capital em favor dos grupos decisivos do capitalismo monopolista "

Mandel citado por Miguel Madeira:

" A função histórica da tomada de poder pelos fascistas consiste em modificar pela força e violência as condições de reprodução do capital em favor dos grupos decisivos do capitalismo monopolista "

(...)

"Nas condições do capitalismo industrial monopolista contemporâneo e dada a imensa desproporção numérica entre os trabalhadores assalariados e os grandes capitalistas, uma tão grande centralização poder do Estado (...) é praticamente irrealizável por meios puramente técnicos. Nem um ditadura militar nem um Estado policial puro - para não falar de uma monarquia absoluta - têm capacidade suficiente para atomizar e desmoralizar, por um longo período de tempo, uma classe social consciente, com milhões de membros (...). Para atingir esse objectivo a grande burguesia tem necessidade de um movimento de massas que mobilize um grande número de indivíduos, pois só um tal movimento pode desgastar e desmoralizar os sectores mais conscientes do proletariado (...)"

"Um tal movimento de massa apenas pode ser construído na base na pequena-burguesia (...). Se esta pequena-burguesia é atingida duramente pela crise estrutural do capitalismo decadente (...) de modo a cair no desespero, surgirá, pelo menos numa parte dessa classe, um movimento (...) feito de reminiscências ideológicas e rancor psicológico, que alia a um nacionalismo extremo e a uma demagogia anticapitalista* virulenta (...) um profundo ódio em relação ao movimento operário organizado (...). O fascismo nasce no momento em que este movimento começa a atacar fisicamente os operários, as suas organizações e as suas manifestações."

"*Em todo o caso trata-se sempre de uma forma particular de demagogia que se limita a atacar formas particulares de capitalismo («a sujeição aos usurários», os grandes armazéns, o capital «monopolizador» em relação ao «criador», etc.). A propriedade privada enquanto tal e o domínio do patrão na fábrica nunca são postos em causa"


Qual é o interesse de esta enorme citação? É que o salazarismo parece-me ter sido um caso em que essa modificação "pela força e violência [d]as condições de reprodução do capital em favor dos grupos decisivos do capitalismo monopolista" foi feita pelos "meios puramente técnicos" de "um Estado policial puro", sem "necessidade de um movimento de massas [mobilizando] um grande número de indivíduos".

Provavelmente no Portugal dos anos 20/30 - largamente por industrializar - ainda não seria muita a "desproporção numérica entre os trabalhadores assalariados e os grandes capitalistas".

Claro que para as vitimas do regime penso que terem sido presos, espancados e mortos pela GNR seja pouco diferente do que seria terem sido presos, espancados e mortos por uma milícia de camisas-coloridas.

Niet disse...

M. Madeira: Desculpe lá, mas até dá a impressão que não quer dialogar...Nós já nos conhecemos destas andanças: é-me grata a recordação sobre os encontros de Paris entre Proudhon e Bakounine, que o M.M. imaginava não terem existido...Ou que eu me tinha enganado!Tudo bem, a galope!
O texto , que eu citei, do Mandel é de 1973. Não sei de quando data a sua citação. E no corpo desse texto de Ernest Mandel - muito bom e exaustivo- existe uma secção que coloca em questão a sua, M.M.,argumentação colocada neste seu último comentário: (...) "Históricamente, o fascismo é portanto, tanto a realização como a negação das tendências inerentes ao capital monopolista - e que Hilferding, o pioneiro, discriminou- para ´organizar ` de forma totalitária a vida de toda a sociedade no seu exclusivo interesse ". Fernando Rosas não se cansa de repetir nos seus textos e livros sobre o Salazarismo, quer sobre " a apetência totalitária do regime nos anos 30 e 40 ", quer do chamar de atenção para " as influênciais radicais e fascizantes recebidas da Guerra Civil de Espanha e do triunfal acesso dos fascismos e do hitlerismo ". Mas o postador é o M. M. e eu um despretensioso, mas atento, comentador. Salut! Niet

Niet disse...

Oh, M. Madeira: É capaz de me explicar - parece que é expert em Informática - por que é que os comentários mais longos saem repetidos três vezes? Por haver, in limine, um espaço de tempo para nos conseguirmos exprimir? Niet

Miguel Madeira disse...

Não sou capaz de explicar.

O meu comentário também apareceu com uma porção de repetições - mais exactamente, dava uma mensagem dizendo que o comentários era muito longo, eu tentava reformular e voltar a postar, voltava a dar a mensagem, e no final fiquei com a ideia que todos comentários afinal haviam sido postados,

Aécio disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Miguel Madeira disse...

[O comentário anterior foi removido porque parte dele ia contra o espírito que queremos que prevaleça nas nossas caixas de comentários]

Aécio disse...

?
O blogue é vosso e fazeis o que bem entendeis.
Realmente acredito que não dê jeito nenhum, um contraditório por alguém que não pragueja, contradiz com argumentos e até cita um ou outro pensador menos mainstream do seu lado(ou suposto ex-lado).

Por várias questões,entre elas a Ética e o respeito pelo Adversário e pela Verdade, não escrevo sobre algumas figuras fora da minha àrea. Por exemplo Trotsky.

É pena que outros não o façam e queiram impor uma Verdade capciosa e truncada sobre figuras que até não há muitos anos tinham por inimigos figadais.

Peço desculpa de fugir ao estéreotipo, do papão tatuado e musculado incapaz de articular duas ideias e apenas capaz de grunhir, brandir armas e fazer ameaças.
Saudações

PS: Parabéns à Escola de PSR. Ao contrário do que diz ela está ainda aí toda;)

Miguel Madeira disse...

Caro Escarpão,

se o seu anterior comentário tivesse terminado apenas com "Saudações" (como este), ainda estaria no lugar.