Se, para conservar algum sentido, a oposição entre esquerda e direita deverá ter por critério o grau de democratização ou das perspectivas de democratização alcançadas, a igualdade no acesso aos bens disponíveis e na oportunidade de intervenção política efectiva por parte dos cidadãos comuns, que são a maioria dos homens e das mulheres de uma população, e se esta liberdade e igualdade de participação no governo efectivo e nas decisões que todos afectam, bem como na disposição e governo da riqueza e produção dos bens que a constituem, parece bem ser o único critério inteligível de validação da dicotomia entre esquerda e direita — se assim é, e ser de esquerda só pode significar esta vontade de democracia, então, a ideia demasiado corrente, e demasiado repetida por alguns bizarros ultra-anti-imperialsitas de que, quando vemos duas potências em conflito e pé de guerra, a única alternativa que temos é tomar partido por um deles e apoiar a sua causa, nada tem a ver com a esquerda ou com a democracia.
Quando, como nos últimos dias e na perspectiva das acções de protesto durante a cimeira da NATO, ouvimos uma e outra vez a pergunta: "Sim, o regime iraniano é uma ditadura tirânica e confessional, mas de que lado estarão vocês quando as bombas começarem a cair em Teerão? Tomarão partido pelos que querem reeditar a Guerra do Iraque no Irão ou pelo regime adversário dessas potências imperialistas que o governa?", ou esta outra: "É inevitável escolher entre o apoio ao governo israelita e o apoio à resistência islâmica do Hamas. Quem apoiam vocês?" - a única resposta é que não está escrito que tenhamos de apoiar uns ou outros, abdicando, tanto numa hipótese como na outra, da vontade e da acção democráticas que são os traços distintivos mais profundos e inegociáveis da nossa "esquerda". Podemos e devemos bater-nos, de modos variáveis segundo as circunstâncias, lutando por que as bombas não comecem a cair e contrariando as orientações belicistas de um ou de outro campo. Depois, caso haja um remake da Guerra do Iraque, lutar e apoiar os que lutarem contra a guerra e os regimes responsáveis – sob as mais variadas formas e do modo que for mais adequado na situação concreta: do “derrotismo revolucionário” à deserção e à denúncia da barbárie e da peste nacionalista — um pouco como a esquerda minoritária da II Internacional perante a Primeira Grande Guerra e tentando obter melhores resultados do que ela. Em melhores ou piores condições, a resposta democrática da esquerda não pode, no essencial, ser outra - o ponto de partida de uma longa caminhada.
O mesmo vale quando um qualquer anti-imperialista sumário e de espírito militarizado nos assinala, como, numa caixa de comentários do 5dias, faz o Renato Teixeira — cujo discurso condensa exemplarmente todos os impasses das políticas de capitulação perante o "mal menor" — que a "pergunta central neste debate" é "quem pode vencer a NATO?". Aqui a resposta terá de ser que a hipótese de vencer a NATO não pode deixar de passar pela transformação democrática do mundo ocidental, ou seja: pela acção política dos seus trabalhadores e cidadãos, solidária das acções e iniciativas semelhantes noutras regiões – ou, por outras palavras, pela resistência democrática às oligarquias do "bloco ocidental", a começar pelas da casa, sem menosprezar todas as outras, nem os seus efeitos a distância.
21/11/10
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