22/11/10

Avenida da Liberdade


Já várias coisas foram escritas e afirmadas sobre a manifestação de Sábado e penso que o essencial vem sendo dito. Queria contudo acrescentar alguns apontamentos.
1- É verdade e eu pude ver, que elementos do PCP solicitaram ao Corpo de Intervenção que bloqueasse e vigiasse os movimentos de manifestantes que não estavam enquadrados pelo partido ou por um dos seus apêndices.  Como Vítor Dias já o veio negar em várias caixas de comentários, gostaria de esclarecer que era João Dias Coelho, membro do Comité Central e da Comissão Política do PCP, quem estava a assumir essa tarefa (ei-lo na fotografia aqui em baixo).
Fazia-o tanto com o recurso a palavras («são estes aqui») como a gestos (desenhando com os braços a forma de um cordão e assinalando com um dedo apontado a sua localização privilegiada), demonstrando perceber perfeitamente o fraquinho (se assim lhe podemos chamar) dos agentes da PSP  pela linguagem corporal.


2- A um manifestante - aparentemente galego, a julgar pelo seu sotaque - que discutia com um elemento do serviço de ordem (esse mesmo jovem barbudo e calvo que garantia perante as câmaras que aquele sector da manifestação não estava «credenciado») a conveniência e legitimidade das suas funções, foi afirmado que ele deveria ir «para a sua terra», o que não deixa de ser instrutivo no que respeita à habitual tensão entre internacionalismo e patriotismo que anima a relação do PCP com o conjunto da humanidade.
Internacionalismo, naturalmente, porque todos somos afectados pelos grandes acontecimentos da política mundial. Patriotismo, está bem de ver, porque devemos demonstrar os nossos sentimentos a esse respeito única e exclusivamente na nossa terra.

3- Por último, toda esta triste história de quem se antecipou a convocar a manifestação e ganhou por isso o direito a governar a Av. da Liberdade durante um final de tarde, convoca uma outra, um pouco mais dramática (primeiro em tragédia e depois em farsa, avisava o velho).
Quiseram o acaso e a fortuna que existam, fora do partido comunista português, vários comunistas portugueses, que têm destas coisas uma ligeira reminiscência ou, pelo menos, a informação suficiente para o relembrarem a quem o esquece. Em 1982, a União de Sindicatos do Porto (CGTP) quis comemorar, como o fizera nos anos anteriores, o feriado do Dia do Trabalhador na Praça da Liberdade. Aconteceu então que a UGT comunicou ao Governo Civil do Porto que desejava organizar ali a sua própria comemoração e que este resolveu dar preferência ao seu pedido. O resto, bom, o resto é história
"O Governo, numa atitude de força e provocação, montou na Baixa do Porto um aparato policial que envolveu centenas de polícias e uma companhia completa da Policia de Intervenção vinda directamente de Lisboa, armada de espingardas metralhadoras e que cerca das 23h30 investiram à bastonada e a tiros de rajada sobre os milhares de trabalhadores que pacificamente realizavam a sua festa. [...]
Dois operários, Pedro Vieira e Mário Emílio Gonçalves, foram assassinados a tiro e dezenas de outros foram feridos, muitos em estado grave, pela polícia. Pedro, delegado sindical da CGTP e empregado têxtil foi atingido nas costas. Mário, vendedor ambulante, um mero curioso, foi atingido na cara. Ninguém foi culpabilizado pelas mortes, nem o próprio autor político, o então ministro da Administração Interna Angelo Correia."

4- Enquanto descia a Av. da Liberdade, e como estava no ponto mais recuado da cauda da manifestação, tive a oportunidade de ouvir o comandante do corpo de intervenção perguntar a um superior, pela rádio, o que fazer com aquelas centenas de pessoas sequestradas pelos seus agentes. Dizia ele que o melhor e mais fácil era mesmo deixa-los ali mais umas horas, para não correr risco algum. O Estado de Direito democrático está por isso em boas mão e todos podemos dormir descansados. pensando que a nossa liberdade está protegida. A qualidade do jornalismo também está assegurada, como o demonstra Paulo Moura, procurando ultrapassar Valentina Marcelino em zelo policial (não vai ser fácil, Paulo).
A próxima militante da JCP que for obrigada a despir-se numa esquadra poderá encontrar algum consolo na ideia de que a polícia não o faz por mal, mas apenas por estar a ser instrumentalizada pelo governo ao serviço das suas políticas de direita. Ainda vamos ouvir dizer que eles são apenas trabalhadores fardados. O que começa a fazer algum sentido, considerando a predisposição dos serviços de ordem para agir como polícias à civil. Eis uma boa imagem para as duas faces do «partido da ordem»: uns policiam os nossos momentos de resignação, outros administram os nossos momentos de revolta. O círculo fecha-se. Até ao dia.

28 comentários:

Anónimo disse...

Ainda no outro dia não sei quem me falava desse episódio no porto (tu?). Eis como a história ilumina o presente.
renegade

Ana Cristina Leonardo disse...

Bom, deixem-me lá meter a colher. Como já disse num post aí em baixo do Luís, não percebo como vos surpreendeís, embora possa perceber a indignação. Estava-se mesmo a ver, não era?
Aqui há uns bons anitos, o MRPP, partido a que nunca pertenci e que sempre achei que tinha a mão demasiado leve para o meu gosto, chamava a coisas parecidas social-fascismo. A palavra caiu em desuso, o MRPP ficou reduzido ao Garcia Pereira, mas às vezes apetece ressuscitar o vocábulo.
E recuando ainda um pouco mais, “parece” que o avante, em tempos idos, publicou a foto de um dissidente, só faltando dar a morada do traidor à pide.
Eram tempos piores. o pc ficou na mesma. Um bocadinho mais pobre porque agora já não tem o pacto de Varsóvia que era um pacto muito bom…

Ricardo Noronha disse...

Ana, o Avante publicou os nomes de dois militantes da Frente de Acção Popular (João Pulido Valente e Manuel Claro) que tinham entrado clandestinamente no país. Quanto ao MRPP, bons ventos o levem para campa, parece ter ressuscitado nas cabeças de vários membros do comité central...

Ana Cristina Leonardo disse...

Ricardo, posso estar enganada, mas acho que o Chico Martins tb. teve direito a referência. É irrelevante, de qualquer modo. O que não é, é novo.

Jorge Nascimento Fernandes disse...

Bom texto Ricardo Noronha, eu próprio já tinha pensado em comparar esta situação com o que se passou no Porto num 1ºde Maio de há muitos anos. Verifico, como bom historiador, que estás atento e relembras em pormenor esse facto. Não me recordava do ano, nem já me lembrava do ministro, esse sinistro Ângelo Correia, que presentemente parece ser o pai espiritual do Passos Coelho. Na altura ficou também conhecido pelo ministro da revolução dos pregos, pois garantia que numa greve geral que por essa altura foi realizada, havia um clima insurreccional, cuja única prova que apresentava era uns pregos que tinham aparecido numa estrada.
Quanto ao comentário sobre o social-fascismo e o PCP tu já deste a resposta devida.
Um abraço

fuser disse...

Esclarecedor.

Anónimo disse...

Mais um bela técnica de mistificação e manipulação de opinião.

Eu nunca neguei, e insisti e insisto na legitimidade disso, que os promotores da manifestação não permitiram a integração daquele grupo na manifestação.

E, neste sentido, não me choca nada e era mesmo consequência natural que alguém da organização da manif. tenha indicado à polícia onde, para os promotores, terminava a sua manifestação.

Nada disto em nada invalida a afirmação - que repito baseado em fontes que me merecem toda a confiança - de que os organizadores da manif. não tiveram qualquer responsabilidade no tipo de enquadramento que a polícia decidiu dar a esse grupo.

E também volto a repetir o que alguns parecem não querer ouvir:se aquele grupo ainda assim desfilou foi, com grande probabilidade, porque os organizadores («sectários» e «inflexiveis», como se vê)declararam à polícia não ter nenhuma objecção
a que desfilasse a seguir ao fim da manifestação.

Sem isso, no clima existente que se sabe,temo que o que poderia ter acontecido era a polícia dispersar aquele grupo por falta de cobertura legal
para a sua presença naquele local, o que seria totalmente indesejável.

Fico à espera que o Ricardo Noronha, tal como outros a quem já disse o mesmo, comente um cenário em que, no 1º de Maio, a UGT resolve aparecer organizadamente na manif da CGTP, sem ter o acordo desta, a caminho da Alameda
ou que a CGTP decida, sem o acordo da UGT, aparecer na manif. da UGT na Av. da Liberdade ou em Belém.

É que, nesse caso, estou cá desconfiado que haveria uma data de gente que descobriria o que agora lhe convém negar: ou seja, que os promotores de uma manifestação, sendo por elas legal e politicamente responsáveis, têm algumas prerrogativas.

Jorge Nascimento Fernandes disse...

Oh! Vítor Dias quanto mais escreve mais se enterra. Deixe de andar frenético atrás de todos os heréticos, você já não pertence ao Sector de Agitação e Propaganda. Acalme-se homem.

Anónimo disse...

Os que aos «quesitos» nunca respondem nada, esses claro nunca se enterram.

E esteja descansado, quando o frenesim preconceituoso e falsificador de outros parar, eu também paro o meu.

C. Vidal disse...

Este post é um bocadinho nojento ó Ricardo. Eu espero e continuarei a esperar mais de ti. Não brinco. Temos amigos e interesses comuns e tal.
É tudo mentira o que contas: o tipo do PCP de que falas e postas a foto é o que mostras, sim, de facto, mas o manobreiro e "ordenador" da manif era e sou eu (não tens foto minha, pena).
O diálogo dos polícias era coisa cifrada; como dizer, coisa de engates, falavam de acompanhantes femininas de luxo (e também de encontros gay) e tu não percebeste uma porra de nada da coisa. Tenta de novo.
Abraço amigo.
CV

C. Vidal disse...

(Quer dizer, apesar da foto que postas, continuo na minha: não percebeste nada do que se passou; quanto ao sr. Jorge Nascimento ou lá o que é, penso sempre que hibernou, está em hibernação, mas, de repente, ei-lo que volta, ora bolas, depois já sou eu que não percebo nada.)

Niet disse...

Adaptando telegráficamente o que disse uma vez Derrida de Rorty, que Deus nos proteja de ter leitores e censores do arcaboiço do J.N.Fernandes. Ainda há poucos dias, elaborei um comentário sobre a I.C. Comunista face ao jogo partidário na República de Weimar, e JNF não conseguiu discriminar a estrutura da minha argumentação cerrada e concentrada que se apoiava nos trabalhos de Pierre Broué e de Trotski,principalmente.E depois com uma enorme desfaçatez e sem pudor de espécie alguma toca de atirar aleivosias e notas de crítica pessoalizadas para o ar. Niet

Miguel Serras Pereira disse...

Niet,
eu estou longe de partilhar as posições do Jorge Nascimento Fernandes sobre uma quantidade de coisas. No entanto, este teu comentário é completamente despropositado, irrelevante para a discussão em curso e a única coisa que põe em evidência é a tua megalomania.
Por muito libertário que te queiras e por mais estalinista e sobretudo anti-democrata que o Carlos Vidal se professe, o que vocês têm em comum é uma confrangedora falta de respeito pelas vossas próprias pessoas e responsabilidades pensantes, sofistas que cultivam a verborreia, mas para os quais o exercício da palavra é o prolongamento da porrada - ou, se quiseres, da força bruta - por outros meios - e sabotagem de qualquer diálogo em que participem.
Boa viagem, pá. Mas por este andar, previno-te, só, enquanto lhes fores útil, os vidais te darão boleia.

msp

Niet disse...

OH. MS. Pereira: Só a simpatia humana - invocada na dimensão post-ontológica de um Hemingway e de um Malraux e aprofundada por Derrida - me faz dialogar com o C. Vidal. Politicamente estamos nos antípodas um do outro, como se vê. Só temos de comum o facto de gostarmos de uns filetes de polvo e um bom Verde da Qta. da Pedra no "Rio Grande " do Cais do Sodré a poucas dezenas de metros do" L´Irlandais".E de eu, com o meu exagerado proselitismo " sonhar " que o posso afastar dos cânticos de sereia de Zizek, principalmente. Claro que fiquei muito " sentido " com a facilidade crítica de JN Fernandes, o seu falso paternalismo e exagerada petulância autista.Por favor, não vejas coisas onde elas não existem. Por outro lado, inquieta-me saber e sentir a tua exagerada e deslocada atenção para com fenómenos infra-políticos criados pela parafernália lusa do marxismo revisionista mais antiquado e inepto da Europa. Niet

Miguel Serras Pereira disse...

Vítor Dias,
aqui estou eu, por sua causa (não digo que por seu propósito) numa situação embaraçosa.
Como já lhe disse - e aproveito para fazer notar a esta roda de interlocutores, deixando de fora os sabotadores da discussão do costume -, você, em vez de insultar o resto da malta, de exprimir a sua nostalgia pelo "querido Estaline" que a metesse na ordem, de papaguear comunicados ou catecismos, de fulminar os que pensam de outro modo com excomunhões doutrinais e ameaças temporais pouco veladas ou francamente exuberantes, tenta discutir e procura argumentos, esforça-se por dar conta e razão do que diz. Isso é o principal e permite, com efeito, que a conversa continue. Eu diria até mais: se uma atitude semelhante fosse, contra todas as expectativas que considero mais prováveis, adoptada pelo PCP, isso equivaleria a uma verdadeira revolução nesse partido, que me obrigaria, e a outros, a repensar o juízo político que fazemos a seu respeito, considerando-o (ao Partido e não aos cidadãos que o integram e que podem a todo o momento, em nome até da vontade de igualdade e liberdade que terá motivado o seu ingresso nas fileiras da organização, operar a sua revolução democrática pessoal ou de tendência) um obstáculo à transformação democrática mais urgente do que nunca na região portuguesa e no mundo.
Ora, acontece - e daí o embaraço referido - que o Vítor Dias, embora adoptando uma atitude racional no debate, e procurando reiterar nas suas intervenções as condições que o tornam possível, insiste em defender posições e acções que representam a negação viva e prática dessa "ética da discussão" ou "política dialógica" pelas quais acabo de o saudar.
O que lhe pergunto é se não vê que o sectarismo, o boicote sistemático da organização democraticamente concertada das iniciativas e da discussão das propostas políticas e outras atitudes ou modos regulares de comportamento dominantes na área do PCP acabam ou começam por anular os efeitos salutares, "democratizantes", que o seu esforço visa. Tudo se passa como se o Vítor Dias se proibisse de alargar o espírito crítico e o questionamento quando o objecto é o seu partido, conferindo-lhe um estatuto superior ao que é legítimo discutir e dotando-o de uma infabilidade que a busca da verdade e da justiça democráticas excluem.
Será possível que você não veja a incompatibilidade abissal que separa a sua maneira de discutir - embora com posições que não são as minhas - as intervenções como as recentes da Mariana Canotilho, ou, por vezes, mais agressivas (mas argumentadas), como as do Ricardo Noronha, do Zé Neves, do Luís Rainha, etc., e as atitudes como as que este post descreve ou as que deram origem à polémica que precedeu a jornada de luta por ocasião da cimeira da NATO?
Confiando, apesar de tudo, na sua receptividade - não forçosamente acordo - às minhas dúvidas, muito gostaria de o ouvir sobre elas.

Seu interlocutor atento

msp

Anónimo disse...

Então elementos do PC impediram ou tentaram impedir a participação de outras forças políticas na manif.

Todos estes senhores e senhoras, comunistas, mrpapistas, ex-psr's, ex-udp's, enfim, toda a famélia da esquerda radical, comunga de uma mesma propensão para as verdades absolutas. e é esta propensão comum para o absolutismo que os leva a devoarem-se mutuamente quais hienas famintas.

Anónimo disse...

Vitor Dias

os cursitos agitprop no leste não surtiram grande efeito. nem depois de dezenas de anos o sr percebe isso.

Jorge Nascimento Fernandes disse...

Obrigado ao Miguel Serras Pereira pelas suas palavras amáveis, mas se tiver tempo e paciência irei fazer um post sobre as três partes, ainda não li a quarta, que você nos mandou ler, do seu amigo João Bernardo sobre nacionalismo e comunismo. Acho que são extremamente redutoras e simplistas, apesar do aparato bibliográfico apresentado. Já agora, porque o José Neves escreveu sobre isto em relação ao PCP, gostava de lhe ouvir a opinião.
Quanto ao Niet. Já não ouvia alguém chamar-me marxista revisionista há muito tempo, desde a altura em que o MRRP me chamou social-fascista. Mas falando um pouco mais a sério. Há desde logo uma coisa que me irrita é de alguém que não se identifica. Mas o mais espantoso é que na pequena troca de opiniões que travei com o João Bernardo via Miguel Serras Pereira, você tenha vindo embirrar comigo. E isto porquê? Apesar de não ter lido o livro Pierre Broué sobre a revolução Alemã, é um autor pelo qual tenho estima. Posso-lhe dizer que a coisa mais comovente que li sobre a repressão estalinista foi escrita por ele – que por sinal divulguei já não sei a onde –, quando, já depois da URSS ter acabado, ele foi reencontrar numa viagem que fez à Rússia, as viúvas, os filhos e as filhas e os netos de todos aqueles que tinham participado na Revolução Bolchevique e que depois foram eliminados por Estaline ou desaparecido da história oficial. Se já alguma vez leu os meus textos sabe que um autor por mim bastante apreciado é o trotskista Isaac Deutscher e tenho por Trotsky aquela simpatia que se tem sempre pelos vencidos e neste caso com a perda da própria vida. Por isso, percebo mal sua embirração para comigo, quando o João Bernardo no seu segundo texto é tão crítico das posições daquele revolucionário. Quanto à sua prosa, você próprio reconhece que era um condensado. Por isso, lhe recomendo que tenha um blog, se é que já não tem, onde exponha com mais vagar e clareza as suas ideias, provavelmente seria melhor percebido.
Quanto ao C. Vidal. Para mim continua a ser um pedante. Quando a propósito de um manifesto de economistas sobre a realidade portuguesa começa a glorificar o manifesto futurista de Marinetti, está tudo dito. E mais não digo porque sobre esse senhor tenho pouco a dizer.
Quanto ao Vítor Dias somos como aquelas velhas caturras que andamos sempre a embirrar um com o outro, pois que continuemos.

Miguel Serras Pereira disse...

Jorge Nascimento Fernandes,

com a devida consideração, não me parece que a tensão "nacionalismo/"comunismo" que o Zé Neves analisa seja subestimada nos quatro artigos do JB sobre "Marxismo e Nacionalismo". E estranho que, depois de reconhecer, que aquilo que o JB escreeu - não na primeira intervenção, mas na parte 3 do ensaio já referido que publiquei aqui no Vias - não se afastava muito de um estudo seu sobre o assunto, venha agora crispar a expressão da sua animosidade. Tanto recordando as obras - de entre as que conheço - referidas pelo JB e como outras leituras sobre o mesmo tema, o "aparato" que você refere parece-me ser tudo menos passível de ser acusado de ostentação simplista. Mas talvez você queira substanciar um pouco mais a sua obervação…
Quanto ao Pierre Broué, o livro de que fala não será "Communistes contre Staline"? Se é, deve estar na Campo da Comunicação uma tradução do texto, que o Edgar, já doente, me confiou e que os que lhe sucederam à frente da casa, nunca publicaram (nem pagaram). Mas talvez seja no volume de memórias que você está a pensar.
Finalmente e, en passant, Trotsky. A posição do JB e de muitos de quem me sinto próximo é, apesar de tudo, bastante indulgente. Não que ele não veja os limites da crítica do regime burocrático ( e do "excepcionalismo sociológico" que a inspira) a que Lev Davidovitch procede depois de ter pesadas responsabilidades activas (Makhno, Cronstadt, justificação da ditadura do partido como essência da classe superior aos trabalhadores e militantes empíricos, defesa da militarização dos sindicatos entre louvores ao carácter eventualmente progressista do trabalho forçado, et j'en laisse) no seu estabelecimento - a "indulgência" sem capitulação que muitos partilhamos vem, sobretudo, justamente da insistência nas tensões entre traços opostos que desenham a sua figura (como a de Lenine), da consideração pela sua inegável coragem e pela impressionante lucidez de algumas análises (infelizmente contrabalançadas por cegueiras entranhadas e persistentes). Mas a famigerada teoria do "Estado operário degenerado", a distinção entrre uma "infra-estrutura socialista" (dada a estatização dos meios de produção) e uma "casta parasitária" da planta socialista real, etc., ainda hoje causa estragos e é retomada pelo argumentário dos nostálgicos do "socialismo real".
Enfim, talvez possamos voltar a discutir todos estes assuntos - sobretudo se você aceitar fazê-lo sem desqualificar previamente e à margem das razões de cada um os seuss interlocutores.

Saudações democráticas

msp

C. Vidal disse...

Jorge Nascimento, rei da petulância/ignorância execrando Marinetti. Muito bem. Isso tem um nome: ainti-intelectualismo fascistóide. Gostava de ver o Ricardo a meter-se nisto. Marinetti, rapaz, que lhe fazias??
Conta coisas, o post é teu. Não deixes isto por mãos alheias. És capaz??
CV

Jorge Nascimento Fernandes disse...

Este Sr. Vital não percebe as coisas, só um pedante como ele, a propósito de um manifesto de economistas portugueses iria falar do Manifesto Futurista de Marinetti, pura e simplesmente para se dar ares de pessoa conhecedora destas coisas. Mas por aqui me fico, pois tão ruim defunto não merece tanta cera.

Jorge Nascimento Fernandes disse...

Quanto ao Miguel Serras Pereira. A minha referência ao José Neves é unicamente por este tratar, em relação ao PCP, dum tema semelhante ao que aborda o seu amigo João Bernardo. Mas daquilo que conheço do José Neves tenho quase a certeza que ele não resumiria o marxismo à oposição entre nacionalismos revolucionários e reaccionários, como, de certo modo, faz o seu amigo João Bernardo no seu primeiro artigo. Mas que fique claro, isto foi só uma chamada de atenção para que José Neves, que também escreve para este blog, passe uma vista de olhos pelo tema, que depois pessoalmente lhe perguntarei, já que de modo algum o quero envolver nesta polémica. Quanto à apreciação que faço da totalidade do texto de João Bernardo, gostaria de deixar para um escrito de fundo a minha opinião, apesar de por força da polémica, já ter dado algumas dicas. Quanto ao aparato bibliográfico, não o desmereço, até provavelmente me poderá servir para consulta. Mas, como eu já tenho escrito algumas vezes, em Marx e Lenine, principalmente neste último, quase sempre se pode retirar uma ideia e o seu oposto. Mas gostaria, porque ainda não escrevi a crítica, que guardássemos a sua discussão para mais tarde.
Quanto o texto de Pierre Brué, foi um texto traduzido para brasileiro que encontrei na net numa pesquisa no Google. Se o reencontrar porei aqui uma referência.
Quanto aos acontecimentos que descreve ligados à revolução Bolchevique temos de certeza opiniões muito diferentes. Mas como estas coisas não podem ser tratadas de uma penada deixemos o tempo ir poisando pois elas, mais dia, menos dia, virão ao de cima.

Miguel Serras Pereira disse...

Ó Jorge Nascimento Fernandes, escrever que "daquilo que conheço do José Neves tenho quase a certeza que ele não resumiria o marxismo à oposição entre nacionalismos revolucionários e reaccionários, como, de certo modo, faz o seu amigo João Bernardo no seu primeiro artigo" nem parece seu. Ao contrário de mim, o JB declara-se marxista, e tem vários volumes dedicados à análise do pensamento de Marx. No entanto, não é crente, e, por isso, não se coíbe de identificar no marxismo, desde os pais fundadores, uma série de contradições relativamente à "questão nacional". Os quatro capítulos do ensaio aqui referido analisam precisamente a tensão que fornece o título ao brilhante estudo do Zé Neves e as diferentes respostas que recebeu por parte dos partidos e movimentos que se reivindicavam do socialismo e do comunismo.
Acresce que a ideia de "nacionalismo revolucionário" lhe é completamente estranha: se a usar é entre aspas ou para designar movimentos que assim se definiram, porque basta ler em diagonal qualquer texto dele sobre o nacionalismo para compreender que, no seu pensamento - e peso bem o que digo - "nacionalismo" e "revolução" se excluem, são termos antitéticos. Posição que você achará talvez contestável, mas que é a dele, JB.
Quanto às nossas divergências, deixando de lado a análise histórica da Revolução de 1917, posso dizer-lhe que, apesar de não ser marxista, há um ponto - ou mai do que um - em que sou, por assim dizer, "luxemburguista". Entendo como Rosa que o socialismo, desde o início, terá de ser mais democrático do que o capitalismo, e que o movimento de emancipação social terá de ser mais democrático do que os regimes a que se opõe. Assim, do meu ponto de vista, o socialismo e a luta contra a hierarquia classista só tem uma via: a democratização efectiva do exercício do poder nas esferas política em sentido estrito e corrente e na da economia (política). A superação das "relações de produção capitalistas" só pode significar a democratização das relações de poder que elas e as suas extensões concretizam. Quanto à democracia, esta é o regime em que todos são cidadãos governantes. Não é um regime sem governo, mas o regime em que são os governados que governam. O regime do auto-governo igualitário e da autonomia. Daí que a democratização das instituições exija a repolitização explícita e republicização das esferas económica e laboral. Enfim, não vou retomar aqui o que tem constituído o tema de boa parte dos meus posts neste bolgue e de tudo o que venho escrevendo há anos.
A discussão, por certo, continuará com proveito, se você estiver disposto a confrontar as suas posições com o que efectivamente são as posições do JB, ou as minhas (não são as mesmas) ou as daqueles que intervenham no debate.

Saudações democráticas

msp

Jorge Nascimento Fernandes disse...

Como já percebeu sou pouco adepto de discussões com alguma substância na caixa de comentários. Primeiro, porque têm um limite de espaço. Segundo, ao contrário do que eu faço regularmente, impossibilitam a modificação posterior do texto, ou seja, as correcções do português e do sentido das frases. Por isso, não estaria interessado em continuar a discussão destas matérias aqui. Mas já que aborda o assunto, dir-lhe-ei que, relendo o primeiro texto de João Bernardo, ficamos com uma sensação redutora, que ele limita a obra de Marx, já Engels disse muita asneira, àquela dicotomia que apresenta. Mas gostaria como lhe disse de desenvolver este assunto num post no meu blog. Quanto à sua opção Rosa Luxemburguista, nada tenho a opor e provavelmente até concordarei. Simplesmente haviam os bolcheviques de adiar a Revolução em nome de todo um conjunto de belos princípios, inaplicáveis naquele momento na Rússia. Ter atenção ao que foi a Revolução Bolchevique e as implicações que ela teve no mundo e na classe operária, não significa que nos oponhamos ao que defendeu a Rosa. Há tempos, num colóquio que eu assinalei no meu blog, alguém perguntava se eu era leninista ou não e eu limitei-me a responder que as coisas na política, na vida e na história não são simples dicotomias entre o bem e o mal. Mas por aqui me fico, noutra altura falaremos.

Troll disse...

Mais um pequeno contributo para a história recente.
http://blogue-do-ogre.blogspot.com/2010/11/que-luta-e-esta-pa.html

Ricardo Noronha disse...

Caro Vítor, vocês desconversa para evitar uma conversa que tem tudo para lhe desagradar. A plataforma paz sim nato não divulgou e apelou à participação numa manifestação. Depois disso, colaborou com a estratégia de criminalização de uma parte do movimento contra a guerra, ajudando a polícia para esse efeito. Afinal era para ir à manifestação «unitária» ou não era para ir à manifestação «unitária»? E quais os limites desse «unitarismo»? Dar-se-à o caso, doravante, que qualquer pessoa que queira integrar um desfile promovido pela CGTP se veja na contingência de se ver denunciado à polícia como «perigoso violento infiltrado»? Quem promove manifestações torna-se proprietário delas?
E se as AE's do ensino superior decidirem - «democraticamente» - que militantes de partidos políticos não podem entrar em manifestações estudantis? Têm legitimidade para o fazer? Você dá-se conta do plano inclinado em que procura sustentar os seus argumentos?

Carlos, com Marinetti tomaria um café e depois cuspia-lhe na cara.
Vocês ultimamente andam muito enjoados lá pelo 5 Dias.

Um abraço a tutti quanti.

PS- Que grande manifestação, a de ontem, hum?

Anónimo disse...

Apenas para assinalar que o jornal Público voltou ao assunto, bem como Paulo Moura consegue acenar ao "anedótico". Parece que ainda não descobriu a versão da polícia... mas diz que vai saber. jorNalista persistente...

http://provedordoleitor10.blogspot.com/2010/12/quando-ausencia-de-incidentes-e-noticia.html

Anónimo disse...

Engraçado ver alguns dos meus ex-camaradas numa discussão política deste tipo. Infelizmente a minha luta política e cívica nem tem passado pelo PCP (apesar de continuar militante) nem em esferas de discussão intelectual de cariz mais político, como este.
No entanto, já sabemos que quem está no terreno da luta acaba por encontrar a descriminação e o jogo sujo. Assim sendo (daí a razão deste post) gostaria de perguntar aos presentes, que se têm dedicado mais ao estudo da questão entre a Rev. Russa o a IIª Guerra, sobre uma teoria de que o Estaline estaria intimamente ligado ao rearmamento da Alemanha Nazi, ao ponto de alguns "historiadores" considerarem a IIªGuerra como uma arquitectura de Estaline.....
Isto resultante de um rótulo que me tentam meter de nazi-comunista, pagão e sei lá mais o quê...

A argumentação usada foi a deste documentário:
The Soviet Story: http://www.endireitar.org/site/artigos/the-soviet-story/252-the-soviet-story-a-historia-sovietica-pt-br

e este artigo (não pelo conteúdo, mas pelas referências):
http://www.olavodecarvalho.org/semana/031218fsp.htm


Ricardo Simões