23/11/10

Contributo para uma discussão teológica que não chegou a haver mas com o tempo lá chegaremos quiçá (I)


À atenção de Miguel Serras Pereira

18 comentários:

Manuel Vilarinho Pires disse...

Por acaso nunca fui à bola com este Bispo Tutu (nem com a Srª Mandela, by the way), e nem a anedota me faz olhar para ele como uma personagem mais simpática. Mas adiante.

Tenho aqui outro contributo para uma discussão teológica que não chegou a haver, muito menos engraçado do que este, e do qual tenho curiosidade em conhecer a opinião do Miguel, no que tem a ver com a nossa discussão anterior sobre a direita e a esquerda. Este texto, que a mim me parece impregnado das mais puras xenofobia e paranóia, é de direita ou de esquerda?

http://www.citizenwarrior.com/2009/01/my-friend-is-muslim-and-hes-really-nice.html

Ana Cristina Leonardo disse...

o bispo tutu andou metido com a senhora mandela?!
:)

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Manuel,
independentemente de se simpatizar mais ou menos com o Bispo Tutu, parece-me injusto compará-lo com Mrs. Mandela.
Quanto ao comentário que me pede, o que posso dizer é que a laicidade democrática deve contentar-se com a "destituição política" da religião - como expliquei em vários post, incluindo o primeiro que aqui publiquei no Vias (http://viasfacto.blogspot.com/2010/03/com-papas-bolos_8424.html).
Sobre as pretensões políticas governantes e expansionistas que recrudescem no islão actual, também tenho escrito bastante e creio que você conhece a minha opinião.
Sobre a direita e a esquerda, por fim, se queremos que a distinção seja utilizável sem equívocos, a minha ideia é que teríamos de tornar a esquerda um termo sinónimo de democracia, luta pela democracia, extensão da democracia. Mas, como você bem sabe, estamos muito longe de qualquer coisa que se pareça com isso. E nem mesmo nós os dois estamos de acordo a esse respeito.
Resumindo e concluindo, a minha posição é que a religião não deve ser fonte nem de direitos nem de obrigações políticos, que deve circunscrever-se à esfera privada e associativa, observar as leis gerais, etc. Evidentemente, considero também inadmissível quaisquer restrições à divulgação e difusão de ideias anti-religiosas (seja a religião qual for), o subsídio público de estabelecimentos de ensino religioso, o ensino religioso no sistema de educação publicamente reconhecido - e assim por diante.
Viva a República!
Cordiais saudações democráticas

msp

Ana Cristina Leonardo disse...

lá estão vocês a conversar como se eu não existisse. graças a deus, a propósito de religião, que não sou dada às questões de genero...
-:)

agora mais a sério. um homem que ri assim não pode ter nada que ver com a srª mandela

Miguel Serras Pereira disse...

Mas, Ana, és tu que te ausentas da meditação em voz escrita que para aqui vai e a que o MVP e eu nos vamos entregando para matar o tempo enquanto te esperamos.
Também a sério: o Manuel que me redesculpe, mas de facto não podemos pôr os dois no mesmo saco.
Dito isto, suspeito que nos estás a preparar uma lição sobre o riso como epifania do espírito divino (que, em italiano, se diz como o do vinho: spirito di vino - talvez te ocorra aqui uma pista para os mistérios da transsubstanciação). O riso como instante de uma condição ou instância a-mortal?
Impaciente de te ler…

Ana Cristina Leonardo disse...

miguel, andas lá perto. conheces algum facínora com sentido de humor?

Miguel Serras Pereira disse...

Sentido de humor, não sei bem - assim de repente. Mas há uma frase do Domenach de que me lembro muitas vezes: dizia ele que Estaline era um tirano, mas de "tipo jovial".
… ia acabar agora mesmo, mas ocorreu-me um contra-exemplo, que não sei se é pertinente em absoluto, mas aqui fica: o Monsieur Verdoux do Chaplin.

Mas talvez tenhamos de distinguir o sentido de humor, o "tipo jovial" (facinoroso ou não) e a alegria ("júbilo", etc.). E, depois, a alegria da felicidade. Queres começar?

msp

Ana Cristina Leonardo disse...

se definirmos "sentido de humor" simplesmente como capacidade para rir, dentro do conceito caberá toda a gente, até gente desprovida de cócegas. Mas se introduzirmos coisas como "distanciamento" apertamos o círculo, apesar de os facínoras continuarem à-vontade, já que o "distanciamento" poderá conduzir a uma capacidade de rir até das coisas mais teríveis - por exemplo, da dor do outro. Teríamos, assim, que juntar a "compaixão" ao "distanciamento", dois conceitos aparentemente díspares...
E agora tenho de interomper o raciocínio para ir tratar de outras lides, mas deixo-te, no entretanto, com um provérbio judaico: O homem pensa, deus ri.

Manuel Vilarinho Pires disse...

Caro Miguel,
Por uma vez estamos completamente de acordo! Limitamo-nos a ficar aqui a conversar para fazer tempo, à espera de um comentário da Ana Cristina, sempre muito mais interessante, inteligente e (como dizem os judeus) risonho que os nossos. Digo mesmo mais, esperar pelos comentários dela até me fez regressar a comentador deste blogue, de onde tinha saído quando um dos seus co-bloggers me chamou parvo e provocador incontinente (pelo simples motivo de que, como diria Marx, eu seria incapaz de ser comentador de um bloque que tem comentadores parvos).
E como pensei que a Ana hoje estaria de greve, lancei-lhe a pergunta directamente a si (só parcialmente verdade, porque tenho a impressão que consigo prever a resposta da Ana).
O Miguel respondeu com eloquência, mas acabou por não responder à pergunta simples e directa, sobre se o texto lhe parecia de esquerda ou de direita.
Mantendo a esperança de vir a obter a sua resposta, eu avanço a minha: este texto, a mim, parece-me de extrema direita, aqueles 5 minutos de reflexão com um simulacro de análise racional que encoraja os skinheads a pegar nos paus e ir abrir cabeças à mourama, seja a potência nuclear muçulmana, se tiverem grandes tomates, seja o vizinho muçulmano que até parece simpático, se os tiverem mais pequeninos, "com razão".
Porque o texto não incide sobre a potência nuclear, mas sobre o vizinho que parece simpático, e que o texto nos ensina a perceber que faz parte da conspiração...
O Miguel quer dar a sua opinião?

Ana,
Apesar das piadas do Tutu, continuo a acreditar que, se o Nelson Mandela não tivesse sido libertado vivo, a África do Sul teria vivido um banho de sangue, com o ANC da Srª Mandela e do seu bispo inspirador de um lado e os Botha do outro...
A pergunta sobre o texto também é aberta a si, e só espero que responda de acordo com a minha previsão, para poder desenvolver uma certa aura de Professor Karamba, que consegue adivinhar até o que pensam as mulheres...
E este "post" é sobre religião...

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Manuel,

de acordo consigo sobre a Ana, eis que, desta vez, também concordo com o seu juízo sobre os incitamentos à violência que o texto que cita veicula. Julguei que era óbvio. O resto que escrevi eram considserações à margem e resultam do meu propósito de insistir em que seria vantajoso para saber do que falamos precisar critérios mais precisos de "esquerda" e de "direita".
Matinais saudações democráticas

msp

Miguel Serras Pereira disse...

Pois é, Ana, de acordo quanto à nota "divina" do riso. O problema é que o riso não responde nem reduz à insignificância ou ao acessório todo o resto do tempo que sobra do seu instante.
Ou, comentário judaizante por comentário judaizante, teremos de confrontar a ideia de que, perante Auschwitz e outras coisas demasiado humanas, Deus virou o rosto e esteve a olhar para outro lado enquanto ria?

miguel (sp)

Manuel Vilarinho Pires disse...

Bom dia, caro Miguel
Sendo óbvio também para mim, se bem que o conceito de óbvio não seja ele mesmo óbvio, explico porque voltei a levantar a questão esquerda / direita a propósito deste incitamento ao ódio religioso.
É que o texto anda a circular no Facebook pela mão de internautas de esquerda, talvez levados pelo entusiasmo dos seus bem intencionados protestos contra os atentados aos direitos humanos, particularmente no Irão.
E como me parece que podia bem ter sido escrito por um assessor qualquer do gabinete de Bush junior, considero-o até mais interessante como contributo para a discussão esquerda / direita do que para a discussão teológica.
Um abraço

Niet disse...

Talvez tenha algum interesse aquilo que vou exprimir: 1) A sociedade em que vivemos é moral?2) Conseguimos rir da beleza?;3) " O riso é mais divino e mais incontrolável que as lágrimas", escreveu G. Bataille no romance , " A minha mãe ". Bataille é, justamente,considerado o filósofo do Riso do séc.XX;4)Flannery O´Connor questiona a Biblia nos seus romances pelo riso ou pela ironia? E Ph.Roth não cessa de jogar às escondidas nos seus romances com o Mal, a rir ou com angústia,porquê? Niet

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Manuel,
é por isso mesmo que eu digo atrás que ou precisamos as (in)definições correntes de esquerda e direita, ou elas são muito pouco informativas.
Ora bem, mas, se você considera de extrema-direita posições como as que descreve, apesar de as ouvir ou ler expendidas por gente que se diz de esquerda, porque é que considera que são de esquerda, apesar de se afirmarem "socialistas" ou o que quiserem, os dirigentes do regime da RPC e o seu regime?

Cordiais saudações interrogativas

msp

joão viegas disse...

Metendo-me onde não sou chamado e, ao mesmo tempo, tentando comentar de maneira ao meu nome aparecer como o do niet, oferece-me dizer o seguinte :

Maginica lembrança, caro Miguel Serras Pereira, essa do Monsieur VERDOUX. Não sei se era isso que tinha em mente mas, quanto a mim, o V. tem uma rabula que é a resposta definitiva a toda e qualquer ingerêncioa religiosa, na altura em que o padre vai visita-lo à cela mesmo antes da execução :

"What can I do for you ?"

Abraços e todos e vamos ver se consigo fazer o que faz o niet. Senão, fica como comentario deste "anonimo" que se subscreve.

joão viegas

joao viegas disse...

Bom, meus amigos, desculpem la mas isto é mesmo caso para dizer Aleluia, ou sera antes Eureka ?

Abraços

Miguel Serras Pereira disse...

Caro João Viegas,
não tinha pensado nessa cena. Mas agora, que ma recorda, diria que a pergunta de M. Verdoux é a resposta cabal à hipocrisia eclesiástica que abençoa a guilhotina a pretexto de salvar a alma do condenado.
Dito isto, tenho a impressão de que o argumento anticlerical, não merecendo reparos de maior por parte da Ana, não dá conta do núcleo da questão que ela levanta.
Vamos lá ver, se a Ana condescende em dizerr-nos um pouco mais da sua justiça.

Abraço cordial

msp

Manuel Vilarinho Pires disse...

Boa tarde, Miguel,
Estas contradições têm muitas respostas possíveis, e não há, a não ser na preferência de cada um, nenhuma solução mais certa do que as outras, desde que sejam formuladas com honestidade mental e alguma lógica.
O que eu considero de "esquerda" é a desconfiança relativamente ao funcionamento da economia em roda livre (como em Salazar), a inspiração na solidariedade (como no catolicismo), o respeito pelos direitos humanos (como na democracia cristã) e a desconfiança relativamente à autoridade. Ah! e o apoio à causa Palestiniana e a condenação de Israel.
E de direita, a preferência pela autoridade (como na RPC) e o respeito pela pátria (como no PCP), pela religião e pela organização familiar e social tradicional. AH! E o apoio à legitimidade de Israel se defender pela força das ameaças dos vizinhos.
As (algumas das) contradições fui-as sublinhando para confirmar que considero esta minha definição tão (in)válida como outra qualquer.
Com esta definição, arrumo na esquerda todos os regimes de inspiração original comunista, socialista (outro nome cuja definição seria interminável discutir e proponho que não o façamos) ou social democrata, que tenham socialista ou comunista no nome ou usem os símbolos da foice e martelo ou afins, quer sejam democráticos, quer ditaduras, quer tenham economia planificada, quer tolerem o capitalismo mais selvagem. Arrumo na esquerda, portanto, Cuba, a RPC e a RPA (mas não a Rússia, p.ex).
E arrumo na direita o entrincheiramento na defesa dos valores tradicionais que tem reflexo em posições racistas, xenófobas e intolerantes, assim como na desconfiança relativamente à cooperação internacional. Consequentemente, arrumo na direita o texto deincitamento ao ódio religioso que anda a ser promovido pelos internautas (que arrumo na esquerda).
Mas, como disse, se me defender que a RPC e a RPA são de direita, e os activistas que andam a divulgar o texto também o são, considero a sua definição tão boa como a minha.
Se bem que lhe aponte uma coisa que gostava que não visse como uma provocação (ou uma parvoíce): parece que a formula usando um "truque", que consiste em definir-se a si próprio como de esquerda, e depois definir a esquerda a partir dos seus próprios valores, de onde decorre automaticamente que, para si, a esquerda é "o bem", e o resto "o mal".
Repare que não o acuso de desonestidade mental, o que digo é que assim vê a esquerda como algo virtuoso e inatacável, porque a define com base no seu modelo de virtude.
Como se fosse uma divindade...

(E, dada esta última crítica ou análise,) Cordiais saudações tolerantes (espero...)