27/11/14

Obra Completa de João Bernardo na Internet

Graças a Manolo, autor de numerosos e muito recomendáveis textos publicados no Passa Palavra, passa a estar disponível na Internet o conjunto da obra de João Bernardo, acompanhada de uma introdução do organizador. Boa leitura!

16/11/14

A censura na revista Análise Social e a sua "solução"

O acto de censura, por parte do Director do ICS, José Luís Cardoso, que visou um texto da autoria de Ricardo Campos, a publicar na revista Análise Social, é bastante conhecido. Foi amplamente divulgado, comentado e criticado (e, menos amplamente, defendido), e também aqui no Vias de Facto se tocou no assunto (aqui, aqui e aqui). Os mais distraídos podem saber mais através dos textos do José Neves e do António Monteiro Cardoso publicados no Público, do texto do Luís Trindade no iOnline, do texto do Nuno Teles no Ladrões de Bicicleta, ou, simplesmente,  pelas notícias do Público (esta, esta e esta) ou da TVI24. Por outro lado, podem ficar a saber menos ao ler este texto do José Manuel Fernandes no Observador.

Entretanto, retrocedeu-se na decisão de "suspender" o número em causa da revista, como foi ontem decidido e anunciado pelo Conselho Científico do ICS. A notícia é boa, obviamente. Mas a decisão vem bastante armadilhada, como se pode perceber muito bem através do comunicado que o Conselho Científico em causa divulgou a anunciar a decisão (disponível nesta notícia). Infelizmente, a julgar pela forma subtil como o comunicado reescreve a história e tenta resolver o assunto distribuindo o mal pelas aldeias, a decisão não parece derivar do reconhecimento da gravidade daquilo que se passou. E a saída, mesmo sem ter que implicar demissões, podia e devia ser outra. Tendo as coisas chegado a este ponto, e considerando tudo o que aconteceu, parece-me absurdo que se aja como se estivesse tudo igual ao que era antes ou como se tudo não passasse de um fait divers. Tudo se torna ainda mais preocupante se a comunidade académica que protestou firmemente contra o gesto de censura em causa (e que, sem dúvida, fez com que se voltasse atrás nesse gesto) aceitar a forma como se está a tentar encerrar este caso, ignorando tudo o que está subjacente a este episódio grave. E, para já, é o que parece estar a acontecer com muita gente envolvida nesse protesto.

Um acto de censura nunca é "apenas" um acto de censura. Este nunca pode ser entendido como um fenómeno isolado. A censura reflecte certas coisas que sob o manto da impunidade e da arbitrariedade são verdadeiramente perigosas. Logo, combatê-la não tem qualquer significado se não se perceber e combater aquilo que a torna possível. Neste caso particular, o acto não pode ser desligado de uma série de desigualdades de poder que permeiam a universidade e que têm afastado, cada vez mais, os membros da sua “comunidade” da discussão e das decisões que lhes dizem respeito. Isso foi notório, por exemplo, não só na decisão unilateral de tirar a revista de circulação e anunciar a sua destruição, mas também na forma como muitos investigadores e professores se viram obrigados a ficar calados com medo das represálias que podiam eventualmente sofrer, evitando pronunciar-se sobre o que aconteceu ou pronunciando-se no sentido de relativizar a gravidade do sucedido, defendendo até a decisão do Director.

Estas desigualdades são em grande parte internas, mas não podem ser desligadas do contexto mais amplo em que se inserem. Desde logo, no caso em questão também ficou particularmente clara a dependência crescente e a vulnerabilidade da universidade, e da sua produção crítica e científica, em relação a interesses que lhe são alheios e mesmo antagónicos (como o poder político ou o “mercado”). Com a enorme vaga de contestação que surgiu, a decisão de censurar a revista foi abandonada e a revista vai ser posta em circulação. O que é óptimo. Mas tudo aquilo que permitiu que tal coisa fosse sequer uma possibilidade, não mudou nem um milímetro. E diria até que corre o risco de ficar pior se se aceitar a “solução” que se arranjou e que ficou expressa no comunicado que foi publicado. É que uma outra forma de censura particularmente subtil, ou pelo menos dela algo próxima, é a reescrita da história. E o que o comunicado diz - parece que também com o propósito de não desagradar a certas pessoas - desafia uma data de factos importantíssimos. Pior: permite, além disso, notícias como esta, que não fazem mais do que levar até às últimas consequências aquilo que o mesmo comunicado expressa. É que a interpretação que esta notícia faz - tirando, talvez, um ou outro exagero entusiástico - parece-me ser bastante legítima face ao teor do comunicado. Espero, por isso, que ninguém se conforme com a “solução” inventada. E, infelizmente, estou a ver demasiada gente satisfeita…

12/11/14

Até aonde é que Podemos?

No lado da “barricada” em que me coloco, a ascensão surpreendente do Podemos, e aquilo que promete, tem suscitado tantas reservas quanto entusiasmo. E, embora possa parecer o contrário, isto não é de somenos, já que nos últimos anos quase todas as possibilidades que se abriram – mesmo que com menos estrondo do que neste caso – alimentaram sempre mais reservas do que entusiasmo. Temos, portanto, um equilíbrio nas expectativas e, dadas as circunstâncias, esse até parece um bom ponto de partida. Para já, parece prematuro apresentar um diagnóstico definitivo deste fenómeno, ora propondo entendê-lo como uma espécie de estertor final de um sistema ultrapassado, na medida em que mobiliza com sucesso uma série de meios e recursos altamente desacreditados nos últimos anos, ora como o início da ruptura definitiva com esse sistema em direcção a uma transformação radical e emancipatória. Passe a dicotomia básica, que serve para atalhar caminho, não ponho nenhuma destas duas hipóteses de lado.

É certo que me entusiasmaria muito mais com um fenómeno como o Podemos em Portugal. Não só pelas razões óbvias (a urgência em ver surgir qualquer coisa minimamente consequente capaz de desafiar esta modorra), mas porque neste país a solução partidária parece, de facto, a mais plausível no imediato. Não necessariamente a mais desejável, atenção, mas sim a mais provável. Por outras palavras, o meu nível de tolerância e entusiasmo com um partido cresce proporcionalmente ao grau de impossibilidade de outras “saídas”. Em Espanha, a saída partidária desilude-me mais precisamente por me parecer que a força e o enraizamento de alguns dos seus movimentos sociais, ou de outras estruturas sociabilitárias independentes dos partidos e das instituições estatais, permitiria dar (ou pelo menos esboçar) um passo noutra direcção que não a da previsível e convencional criação de um partido em disputa pelo poder dentro das instituições vigentes. Agora, este factor que contribui para a minha (ligeira) desilusão – ou este motivo para a minha apreensão – pode ser, também, um factor a contribuir para o meu relativo entusiasmo.

Vejamos: se cingirmos a nossa leitura do Podemos ao fenómeno partidário e à luta pelo poder estatal, não há qualquer razão para esperar algo de muito positivo ou, na melhor das hipóteses, algo que seja mais do que um travão ao violento ataque anti-democrático em curso. É evidente que em si isso já é muito desejável, mas, convenhamos, não passa de uma solução temporária e, portanto, de uma forma de legitimação do capital e do Estado obrigando-os, “apenas”, a redefinirem-se noutros termos. Para quem acredita que outro mundo é possível, isso, por muito bom que seja, para além de não chegar, pode ter efeitos perversos. Os sinais que nos chegam relativos ao processo da consolidação e institucionalização partidária do Podemos não contribuem para nenhum tipo de optimismo, quer no que concerne à formalização da sua estrutura (um centralismo e hierarquização crescentes, com a adopção de funções comuns nos partidos, como a do secretário-geral), quer no que concerne ao seu programa (grande parte das propostas do seu “programa económico”, por exemplo, remetem mais para respostas à lógica hegemónica, com o intuito de atenuar os seus efeitos mais brutais, sem necessariamente colocar em causa a sua “essência” ou sem remeter para uma transformação mais ampla e profunda – antes pelo contrário, diria).

Mas a verdade é que, independentemente da sua forma e do seu programa, os limites de um partido, pelas regras a que está sujeito, nunca poderia permitir algo de muito diferente nas suas consequências do que o que nos é oferecido pelo Podemos. Se assim fosse, seria outra coisa e estaria excluído do “jogo” nos em termos que se propôs a jogá-lo. O que é que o Podemos tem, então, de potencialmente diferente que nos permita manter alguma expectativa positiva? Para começar, o facto de ser, em certa medida, o resultado de uma enorme movimentação social de contestação e emancipação com alguns traços de radicalidade. Movimentação essa bastante disseminada e com um certo grau de enraizamento e, logo, com uma força própria. Se é verdade que um partido pode ter o efeito de atenuar a dimensão da enorme ruptura desses movimentos e indivíduos com o “sistema” – anulando assim a sua radicalidade e domesticando as suas possibilidades emancipatórias –, não é menos verdade que estando, por enquanto, o partido, muito mais dependente desses movimentos sociais e indivíduos do que o contrário, esse efeito perverso parece-me, para já, relativamente distante. Até porque a ascensão do Podemos foi meteórica e, para além do mediatismo, ainda não teve, creio eu, qualquer efeito significativo nesses sectores sociais. Portanto, meteórica pode ser igualmente a sua queda se incorrer numa sucessão de passos em falso característicos de outros partidos semelhantes. Por outras palavras, o sucesso e a capacidade do Podemos em ir para lá daquilo que propõe por agora – e que, como disse, pode parecer muito nas condições actuais, mas é efectivamente pouco a médio/longo-prazo – depende muito da capacidade de os referidos movimentos sociais manterem a sua autonomia e de se expandirem. Mais do que qualquer programa de governo do Podemos, o que é determinante para o seu sucesso é que este propicie as condições para que essa autonomia se mantenha e para que a força desses movimentos saia reforçada. Nem que seja ficando quietinho, isto é, evitando as tentações para controlá-los ou subjugá-los aos seus fins eleitorais e a um programa político "forte". Para isso é necessário contornar qualquer entendimento vanguardista do seu papel, assumindo-se como apenas mais um elemento de um longo processo, e, igualmente difícil, assegurar uma abertura programática e ideológica permanente. Nada disto é fácil. Sem essa pressão vinda de baixo, não só o Podemos corre o risco de não passar de um simples fogacho ou de se tornar mais um partido sensaborão como todos os outros, como esses movimentos sociais que se estabeleceram nos últimos anos podem sair fragilizados (quando mais não seja pelo tombo que o fracasso das promessas do Podemos pode provocar). Em suma: Podemos, sim, mas fazendo tudo para que esse poder e essa capacidade não fiquem, mais uma vez, entregues a um partido.

Um país que talvez devesse receber mais atenção nas notícias

Burkina Faso.

10/11/14

Dossier sobre a extrema-direita no Passa Palavra

O Passa Palavra acaba de publicar um importante dossier sobre a extream-direita, retomando vários textos anteriormente aparecidos nas suas páginas sobre o tema. À laia de recomendação de leitura, aqui fica o excerto de um dos artigos — "Entre a luta de classes e o ressentimento. A propósito do artigo «Cadilhe, o “coveiro rico”»" —, escrito pelo João Bernardo em 2009.

(…)


Mais tarde, já no século XX, quando a tecnocracia e os grandes administradores passaram a dominar os governos e sobretudo os bastidores da política, começou a difundir-se a ideia não de que os governos seriam imunes às pressões económicas mas exactamente do contrário, de que eles seriam imunes às pressões políticas. Se a burguesia legitima os seus lucros mediante os títulos jurídicos da propriedade privada, os tecnocratas e, em geral, os gestores legitimam-nos mediante o mito da sua competência técnica. A partir de então os governos passaram a ser encarados na mesma óptica gestorial em que se encara a economia. Um bom governo deveria ser gerido como uma boa empresa, e a palavra «político» passou a carregar o sentido pejorativo que ainda hoje conserva.

Quem não gostou nada desta mudança foram os pequenos patrões, os donos das fabriquetas, das oficinas, os merceeiros [donos de sacolões] da esquina, os agricultores suficientemente abastados para assalariar alguma mão-de-obra e produzir para o mercado, mas sem terras bastantes nem capacidade suficiente para aplicarem no cultivo os métodos mais modernos e produtivos. Foi esta gente que começou a denunciar o favoritismo económico dos governantes, não porque se opusessem em princípio à relação da política com a economia, mas porque pretendiam ser eles a beneficiar dessa relação. Nas décadas de 1920 e de 1930, na Europa, em alguns países da Ásia e nas duas Américas, esta insatisfação dos pequenos patrões foi uma das principais componentes do fascismo. Não constituiu o único factor, houve outros igualmente importantes, mas o fascismo nunca se afirmou sem aquela componente. E desde então, onde o rancor dos pequenos patrões existe, o fascismo não anda longe.

Em termos sociológicos, o que estes pequenos patrões pretendiam e pretendem é atacar os governos não numa perspectiva de luta de classes mas numa perspectiva de mobilidade de elites. Trata-se, para eles, de manter a estrutura económica existente, desde que ascendam dentro dessa estrutura e passem a incluir-se entre o escol dominante. Ora, esta situação agravou-se nas últimas décadas.

Um dos aspectos mais marcantes do capitalismo contemporâneo é o facto de a concentração do capital, que se acelerou no plano económico, onde atingiu níveis nunca antes alcançados, ter apresentado no plano jurídico uma fisionomia inversa, levando à fragmentação das antigas grandes companhias da era do fordismo. Vivemos numa época em que a generalização das relações de subcontratação e de terceirização atrelou às grandes empresas uma miríade de pequenos patrões. Por um lado, na medida em que estão inteiramente dependentes do mercado de produtos e de serviços constituído pelas grandes empresas que os subcontratam, os pequenos patrões têm de lhes obedecer e de seguir os seus ditames. Mas, por outro lado, este agravamento da subserviência estimula os rancores. É nestes meios sociais que proliferam as denúncias sobre as benesses que grandes capitalistas e altos gestores obtêm dos governos, e a indignação vem-lhes não do facto de o capitalismo existir, mas do facto de não conseguirem aproveitar-se dele, pelo menos tanto como desejariam.

Não devemos desprezar a capacidade mobilizadora que estes pequenos patrões exercem relativamente à classe trabalhadora. Muitos deles estão unidos por elos familiares tanto aos velhos meios operários como aos novos proletários saídos de cursos superiores e que, apesar disso, não encontram senão empregos precários. Outros desses pequenos patrões são antigos operários que conseguiram juntar um pecúlio e instalar-se como pequenos empresários, e mantêm relações familiares e sociais com o seu meio de origem.

Numa época em que, perante a concentração transnacional do grande capital, os trabalhadores se encontram fragmentados, quando foram em boa medida dissolvidas as suas antigas relações de solidariedade e atenuado ou extinto o seu sentimento de classe, mais fácil se torna que eles encontrem nos pequenos patrões os leaders ou os modelos. No plano ideológico e psicológico, trata-se de substituir o espírito de classe pelo ressentimento, ou seja, o desejo de acabar com o capitalismo pela aspiração de subir dentro do capitalismo. O fascismo, na face que apresentou às massas populares, foi exactamente isto.

(…)

Exercício matemático sobre a votação catalã

O "Sim-Sim" teve uma vitória esmagadora, cerca de 80%. No entanto é um facto que, sendo uma consulta cujo lado "espanholista" recusava a legitimidade, é natural que quase só os "soberanistas" tenham ido votar.

Assim, o que vou tentar fazer é comparar esses resultados com o que poderiam ter sido se a votação tivesse tido níveis "normais".

Cenário A:

Vamos supor que a votação teria sido a mesma que nas últimas eleições regionais catalãs (em 2012) - 3.668.310 votos

Assim, teríamos:
OpçãoVotos em 2014%
Sim-Sim1.861.75350,75%
[Em falta]1.363.02037,16%
Sim-Não232.1826,33%
Sim-Branco22.4660,61%
Não104.7722,86%
Branco12.9860,35%
Outros (?)71.1311,94%
Total3.668.310100%

As percentagens foram calculadas dividindo a votação que cada opção teve no escrutínio de ontem pelo total de votantes expectáveis no cenário (os [Em falta] correspondem à diferença entre a votação real e a votação hipotética; claro que, se tivessem ido votar, os [Em falta] se distribuiriam pelas várias opções, que teriam todas percentagens maiores que o apresentado). Seja como for, mesmo se todos os votantes "Em falta" votassem pelo "Não", o "Sim-Sim" (independência) ganharia.

Cenário B:

É natural que num referendo independentista haja maior adesão de que numas eleições regionais; assim, agora vamos assumir 5.257.960 eleitores inscritos (os que estavam inscritos em 2012) e uma afluência às urnas de 85% (como no referendo escocês):

OpçãoVotos em 2014%
[Em falta]2.296.49849,90%
Sim-Sim1.861.75340,46%
Sim-Não232.1825,05%
Sim-Branco22.4660,49%
Não104.7722,28%
Branco12.9860,28%
Outros (?)71.1311,55%
Total4.601.788100%

Ao contrário do cenário anterior, está já não é conclusivo - é de esperar que, de qualquer maneira, todos os votantes no "Sim-Sim" tenham ido votar ontem, mas como é que os "Em falta" se distribuiriam entre o "Sim-Não" e o "Não" (para não falar nos brancos e nulos)?

Por outro lado, se (como na Escócia] fosse uma escolha apenas entre "Sim" e "Não" (sem opção intermédia), ainda maís dificil seria extrapolar a partir da consulta de ontem, já que alguns (talvez até a maioria) dos votantes do "Sim-Não" iriam votar "Sim".

09/11/14

O que faria se fosse catalão

- Ia votar
- À questão "Quer que a  Catalunha seja um Estado?", respondia "sim"
- À questão "Quer que esse Estado seja independente?", respondia "não"

Explicando:

- Eu acho que se o povo da Catalunha (ou o povo de Santo António dos Cavaleiros, já agora) tem todo o direito a decidir ser independente, logo em primeiro lugar iria votar, apoiando o processo referendário contra a tentativa das autoridades de Madrid de o impedirem  (e levando à sua transformação em "consulta")
- Achando que uma federação (ou melhor, uma confederação) voluntária é preferível à independência pura, seria a favor de um Estado catalão não-independente.

04/11/14

Alguns referendos hoje nos EUA

Além de umas eleições com resultados cuja importância é largamente simbólica, hoje também irão ocorrer dezenas de referendos nos EUA, uns convocados por iniciativas de grupos de cidadãos, outros pelos parlamentos locais.

Alguns desses referendos, todos eles convocados por iniciativa popular:

*Alaska Marijuana Legalization, Ballot Measure 2
*Alaska Minimum Wage Increase, Ballot Measure 3, para subir o salário mínimo
*Florida Right to Medical Marijuana Initiative, Amendment 2
*Massachusetts Paid Sick Days Initiative, Question 4, para os trabalhadores puderem faltar por doença sem perderem o ordenado
*Nebraska Minimum Wage Increase, Initiative 425
*Oregon Legalized Marijuana Initiative, Measure 91
*South Dakota Increased Minimum Wage, Initiated Measure 18
*Washington D.C. Marijuana Legalization, Initiative 71, legalizando a posse e cultivo de pequenas quantidades de marijuana (a legalidade desta proposta é bastante polémica, já que a cidade de Washington está sobre a autoridade direta do governo federal, e a ser aprovada entrará em choque com as leis federais sobre drogas)

Editado às 10:15 de 5/11/2014: Destas propostas, a única que foi rejeitada foi Florida Right to Medical Marijuana Initiative (teve a maioria dos votos, mas precisava de uma maioria qualificada); as outras foram todas aprovadas

03/11/14

Venerandas instituições que são a base da sociedade


Têm alguns espíritos ávidos de inovação, ainda que no fundo sinceramente afeiçoados aos princípios conservadores, sustentado que o sistema da Sebenta (como na sua jovial linguagem lhe chama a mocidade estudiosa) é antiquado. Eu considero, porém, a Sebenta como a mais admirável disciplina para os espíritos moços. O estudante, habituando-se, durante cinco anos, a decorar todas as noites, palavra por palavra, parágrafos que há quarenta anos permanecem imutáveis, sem os criticar, sem os comentar, ganha o hábito salutar de aceitar sem discussão e com obediência as ideias preconcebidas, os princípios adoptados, os dogmas provados, as instituições reconhecidas. Perde a funesta tendência – que tanto mal produz – de querer indagar a razão das coisas, examinar a verdade dos factos; perde, enfim, o hábito deplorável de exercer o livre-exame, que não serve senão para ir fazer um processo científico a venerandas instituições, que são a base da sociedade. O livre-exame é o princípio da revolução. A ordem o que é? – A aceitação das ideias adoptadas. Se se acostuma a mocidade a não receber nenhuma ideia dos seus mestres sem verificar se é exacta, corre-se o perigo de a ver, mais tarde, não aceitar nenhuma instituição do seu país sem se certificar se é justa. Teríamos então o espírito da revolução, que termina pelas catástrofes sociais!
Hoje, destruído o regime absoluto, temos a feliz certeza de que a Carta liberal é justa, é sábia, é útil, é sã. Que necessidade há de a examinar, discutir, verificar, criticar, comparar, pôr em dúvida? O hábito de decorar a Sebenta produz mais tarde o hábito de aceitar a Carta. A Sebenta é a pedra angular da Carta! O Bacharel é o gérmen do.Constitucional.
Eça de Queiroz, O Conde de Abralho

02/11/14

Sobre Sedas Nunes e «grosseria»

Num artigo editado no Público, Jorge Almeida Fernandes considera que Sedas Nunes foi um sociólogo que se pautou não só pelo cuidado e rigor, mas também pela «separação de águas entre o trabalho científico e os textos de intervenção política a coberto da “ciência”». O seguinte excerto, uma reflexão sobre a natureza do proletariado publicada no artigo «Crise Social e Reforma da Empresa» (Revista do Gabinete de Estudos Corporativos, Ano III, 9, 1952), parece indicar o contrário:  

homem sem família, sem pátria, sem profissão, sem propriedade; agitado pelo espírito de negação, seja da presente estrutura social, seja dos valores tradicionais; […]; convencido, aliás, de que um mundo novo (dos proletários, embora não proletário) está para chegar – o proletário é verdadeiramente o bárbaro dos nossos dias, ser desorientado e infeliz, tão incapaz de, por si só, construir uma sociedade estável e afortunada, como pronto a deixar-se seduzir por qualquer utopia falaz, que lhe diga o que ele quer ouvir e lhe prometa o que deseja. Ameaça terrível, gerada no ventre mesmo da civilização, aborto vergonhoso por ela dada à luz” (p. 23).

Se Sedas Nunes foi um grande sociólogo, tal deve-se a nunca ter escondido o que era, de onde vinha e o que pensava. A falta de pudor e a polémica não são, nem nunca foram, inimigas da ciência, pois é do contraditório que nascem a reflexão e a vontade de ultrapassar (ou confirmar) os argumentos contrários. Contudo, todo e qualquer debate requer condições mínimas, em particular a garantia do direito à existência (e não à destruição) daquilo com que não concordamos.