10/05/20

O "isolamento vertical" e "horizontal"

Uma coisa que me parece não ser bem explicitada nas polémicas sobre "isolamento vertical" (pôr só os elementos de grupos de risco em quarentena) vs. "horizontal" (toda a gente de quarentena) é que se se puser só os grupos de risco (p.ex., hipertensos, diabéticos e/ou pessoas com mais de 60 ano) de quarentena, vai ter que ser, para esses, uma quarentena mais rigorosa do que se se puser toda a gente de quarentena.

Explicando melhor: compare-se uma situação em que toda a gente reduz os seus contactos sociais em 90% com uma em que os grupos de risco reduzem os seus contactos em 90% e as outras pessoas continuam a ter uma vida social normal; no segundo cenário, haverá indubitavelmente mais pessoas-não-de-risco a ficar doentes (na realidade, nalgumas estratégias, como a da "imunidade comunitária", a ideia é mesmo essa) - mas como, dos poucos contactos que as pessoas-de-risco continuam a ter, alguns são de pessoa-não-de-risco, assim aumenta também a possibilidade das pessoas-de-risco serem contaminadas. Ou seja, se queremos libertar as pessoas-não-de-risco da quarentena mas não aumentar o perigo para as pessoas-de-risco, estas últimas têm de reduzir ainda mais os seus contactos interpessoais (estilo, em vez de serem 10% do que era antes, passar a ser 1% ou coisa assim).

Na verdade, muita dessa conversa parece feita como se a quarentena/lockdown/o que lhe queiramos chamar consistisse numa redução de 100% dos contactos sociais (e, aí, efetivamente, não faria diferença para os grupos de risco o que os não-de-risco fariam); um exemplo disse é quando, face à objeção "não é possivel isolar completamente os membros dos grupos de risco", os defensores dos "isolamento vertical" respondem "então como é que querem isolar toda a gente?", como se só fosse possível, ou reduzir os contactos sociais a zero ou então mantê-los no seu nível normal.

Mas, provavelmente algures na transição entre uns animais parecidos com as atuais tupaias para uns animais parecidos com os atuais lémures, alguns nossos antepassados desenvolverem um grau de interdependência social dentro de grupos relativamente grandes que torna praticamente impossível agora voltarmos atrás a reduzirmos os nossos contactos sociais (ou pelo menos contactos sociais fora da família nuclear) a zero (e a divisão do trabalho que se desenvolveu ainda mais com a Revolução Industrial ainda torna mais impossível essa quarentena a 100%).

Ainda este respeito,What does 'isolate the vulnerable' even mean?, por Philip Klein, no Washington Examiner.

1 comentários:

Fernanda Mattos disse...

Estou adorando visitar e ler seus conteúdos, são sempre os melhores!


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