09/07/10

Todas as possibilidades


À boleia do futebol chegámos, parece-me, a um ponto fundamental do debate. Qual a relação entre política e subjectividade numa perspectiva emancipatória? 
Descreve-nos o Bruno um comunismo exclusivamente feito de pessoas iguais e «a subtracção total da política a qualquer forma de jogo, de disputa entre juízos ou propostas». Mais do que ingénua, semelhante formulação parece-me perigosa, uma vez que a a «criação de espaços de igualdade», mesmo que precária,  resultará  da disputa entre juízos e propostas diferentes, ou não resultará.
O equívoco não é pequeno e parece-me que labora contra a hipótese comunista  que há já algum tempo se procura resgatar das garras do dragão. Direi mesmo que este cavaleiro em armadura reluzente se arrisca a cortar a cabeça da donzela a pretexto de retirar trunfos ao inimigo. Já nos tem sido apresentada a obtusa caracterização do capitalismo pós-moderno como um império dos sentidos, como se a acumulação de capital assentasse menos nas sweatshops de Cidad Juaréz ou nas fábricas-prisão de Xangai do que nas páginas da Vice. A superação (que só por distracção evidente se pode considerar uma outra palavra para competição, - então e esse Hegel,  meu caro Brüno? Uma palavra para ti, em Alemão: Aufhebung) do deboche exigiria por isso uma reeducação feita de austera igualdade, em que os humanos se libertariam da subjectividade capitalista renunciando a toda e qualquer aspiração à diferença. 
O sentido da frase «uma nova subjectividade radicalmente heterogénea aos desejos, apetites e interesses de que se faz a subjectividade capitalista» merece ser desvendado à luz de tudo o resto: radicalmente heterogénea assume aqui a forma de uma inversão proporcional e integral. A subjectividade que se deseja libertar dos contrangimentos do capitalismo deveria assim seguir ponto por ponto cada um dos seus desejos, apetites e interesses, para lhes contrapor o seu oposto. É uma ideia singular de liberdade esta, em que o modo de produção que se deseja superar ditaria integralmente os aspectos dessa superação (sem disputas de juízos ou propostas, relembre-se).
Tenho um pouco menos pretensões do que o Bruno a estabelecer doutrina relativamente à subjectividade que vem. A minha resposta é marxista e das mais ortodoxas. Assume a forma de uma citação: “Na sociedade burguesa, onde as diferenças entre os homens não são mais do que diferenças que não dizem respeito ao próprio homem, são justamente as verdadeiras diferenças, as diferenças de qualidade que não são consideradas. O comunista não pretende construir uma alma colectiva, deseja realizar uma sociedade onde as falsas diferenças sejam liquidadas. E, liquidadas essas falsas diferenças, abrir todas as possibilidades às diferenças verdadeiras.”


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