Para a cinefilia marxista dos anos sessenta e setenta, sectária como convinha à luta e sobretudo entrincheirada nos cine-clubes, Chabrol era o “pior” na herética galeria da “nouvelle vague”, agregação esta com o seu quê de forçado pois metia gente tão diversa como Jean-Luc Godard, François Truffaut, Jacques Rivette, Éric Rohmer, Louis Malle, Agnès Varda e Alain Resnais, sendo difícil encontrar uma turma tão eclética reunida à volta de uma revista de cinema (os 'Cahiers du Cinéma') e tão motivada a escrever sobre cinema e praticando um culto fanático pelo cinema americano que levou a maioria dos seus colaboradores a tornarem-se realizadores. Mas porque calhava a Chabrol o papel de "inimigo nº 1"? Pois, pela forma sem pudor como se assumia como burguês dos quatro costados e pela maestria como contava tudo o que sabia, que era tanto que soava a demais, replicando Hitchcock, sobre as intimidades perversas da burguesia francesa. E, no seu gosto autocontemplativo para com as misérias relacionais nos rituais da sociedade que se safava no boom da prosperidade do pós-guerra, numa espécie de sadomasoquismo fílmico, Chabrol mostrava não ser boa peça. Descarado, também. E, para cúmulo, Chabrol disparava em quantidade e qualidade e ainda com folga para puxar o máximo por actrizes de mão cheia. Assim, acabou por ir calando as tentativas de pateada até engordar por causa do abuso da unanimidade e da reverência. Nada de novo, afinal. Balzac havia feito isso com o romance – era suficientemente reaccionário para ser o mais destrutivo da sua classe ao escrever sobre as burguesas (válido com Balzac e com Chabrol, ou seja, nos tempos em que as mulheres ainda se disfarçavam com uso do mistério). O que só era corrosivo até a burguesia, ela mesmo, adquirir a confiança necessária a portar-se com fair play. Filmando em catadupa, sempre refinado e cada vez mais sábio, Chabrol acabou por meter todos no bolso, os burgueses e os malteses. E assim fez obra, inevitável se se quiser conhecer a França escondida debaixo do verniz e dos lençóis que deu no que deu, em Sarkozy.
(publicado também aqui)
12/09/10
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