A campanha que o PCP agora lança, sugestivamente intitulada “Portugal a Produzir”, é uma excelente ocasião para colocar em cima da mesa as virtudes e ou defeitos das propostas e dos discursos económicos que têm marcado a esquerda partidária à esquerda do PS, com particular ênfase neste contexto de crise económica mundial. A campanha do PCP não dista assim tanto das propostas avançadas pelo BE (embora no que diste seja significativo, como por exemplo no que dista entre a tónica industrialista do PCP e a tónica urbanista do BE e suas propostas de robustecimento da economia por via da requalificação das cidades) . Em jeito telegráfico, sem articulação, e de modo encadeado e simultaneamente aleatório (o malandro do leitor que trabalhe...), aqui vai:
a) as propostas procuram articular uma dimensão produtivista (produzir mais riqueza) com uma dimensão distributivista (distribuir melhor a riqueza) e embora, no caso desta campanha do PCP, a tónica seja colocada na componente produtivista, há que registar esta diferença em relação ao discurso do PSD e do CDS; e também, embora em menor grau, em relação ao discurso do governo e, ainda em menor grau, em relação ao discurso de Alegre;
b) as propostas revelam um sentido de comunidade em que os princípios da igualdade estão sempre presentes, mesmo se de modos nem sempre evidentes; agora, é importante atender que este sentido comunitário é restringido a uma dimensão nacional e que o nacionalismo económico (patriotismo, se preferirem) não é exclusivo da esquerda ou de propostas proteccionistas; existe um apelo de índole nacionalista que está presente mesmo nos discursos políticos mais liberais ou até neoliberais.
c) as propostas revelam, por outro lado, ausência de sentido de comunidade a dois níveis: a nível de classe e a nível transnacional; quando o PCP fala de potencialidades nacionais desaproveitadas e equipara os recursos naturais à mão-de-obra, não é completamente claro, por exemplo, o lugar que atribui aos imigrantes; dizer que devemos aproveitar o nosso solo e os nossos trabalhadores, quer dizer o quê sobre os segundos e sobre o “nossos”?; o problema, aliás, estende-se aos emigrantes, que assim passam a ser tidos, de algum modo, como factores de despovoamento. Não seria mais, digamos, proletário e internacionalista considerarmos os trabalhadores como factores transnacionais de produção, incluindo aqui imigrantes e emigrantes de todas as origens?
d) no mesmo sentido, quando se equiparam recursos naturais e seres humanos, convirá perguntar qual o sentido de uma política proteccionista e quais os seus limites. Sobre isto, por exemplo, o PCP tem na sua experiência parlamentar momentos importantes em que ajudou a tornar claro que não confunde mercadorias (ou mesmo bens) com seres humanos (veja-se as posições em torno da lei Bosman). A questão reside justamente na crescente dificuldade em distinguir entre bens e mercadorias e entre produção e consumo. Quando Cavaco apela ao turismo interno, por exemplo, é dos recursos naturais, mas também dos estilos de vida, que está a falar, de tal modo que a separação entre mercantilismo e humanismo sai fragilizada. De igual modo, o apelo do PCP à soberania alimentar não pode deixar de suscitar questões bastante complicadas. Acompanhem-me neste passo arriscado: querer comer uma manga e querer ler um livro de um autor estrangeiro são duas coisas assim tão diferentes? Se não são, se ambos fazem parte da liberdade de circulação mundial de bens culturais (e o PCP não dirá, com toda a certeza, que a agricultura não é cultura), o problema não é simples.
e) daqui chegamos a outra questão. O que se entende por produção? A tónica industrialista do PCP, que não exclui uma outra tónica mais ruralista (e aqui haveria que perguntar se a questão ambiental não perturba um pouco a pertinência de uma proposta de exploração de recursos naturais), não é esclarecedora. Pode, aliás, sugerir que a terciarização ou os serviços não são produção ou, pelo menos, não são tão produção como o resto. A própria relação que o PCP estabelece entre produção e desemprego é, deste ponto de vista, algo perigosa: porque leva a crer que só quem está empregado é que é produtivo. Ora nós sabemos que há uma série de actividades não remuneradas que produzem. O famigerado Estado social, por exemplo, pode ser visto como uma forma de remunerar actividades produtivas a que não correspondem empregos. Um abono de família, por exemplo, pode ser visto como um pagamento (escassíssimo, é certo) pelo trabalho educativo levado a cabo por famílias e pelo trabalho doméstico levado a cabo por mulheres (sobretudo e infelizmente), trabalho na esfera da “reprodução” que não é menos “produção” que o trabalho na esfera da “produção”. Aliás, onde se situa a “produção”? Em que local? É bom recordar que um dos mais relevantes conflitos sociais das últimas décadas, em Portugal, não teve lugar num local de emprego mas numa via de circulação da metrópole: a ponte sobre o Tejo. E se esse foi um conflito social de âmbito económico, revela talvez a noção, da parte de quem protesta, de que as lutas laborais são hoje, também, travadas à escala da cidade, a caminho de um sindicalismo metropolitano (para utilizar um conceito de autonomistas italianos).
f) a relação entre produção e desemprego, na verdade, considera o desempregado como improdutivo. O que, sendo discutível do ponto de vista económico, por razões que me abstenho de explorar agora, é muito discutível politicamente. Basta reconhecer em casos como o dos piqueteros que a separação entre emprego e desemprego não pode ser dada por natural quando falamos de lutas político-sociais.
E por hoje chega.
02/09/10
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16 comentários:
Os imigrantes, que cá vivem e trabalham, integram-se no povo português e assim devem ser considerados. Exactamente por essa razão: vivem cá e trabalham cá. O que, obviamente, não exclui a sua especificidade social, que necessita de uma atenção e uma intervenção política específicas.
O conceito de nacionalismo do post está mal definido e, efectivamente, prefiro o conceito de patriotismo. Pátria, com o significado de classe que lhe deu um dia, numa formulação feliz, esse grande patriota que foi Vasco Gonçalves: não o de um entidade abstracta ou mítica, corporificada numa bandeira, mas o de um povo concreto, de carne e osso, que trabalha, que luta e que sofre.
Que os trabalhadores imigrantes e emigrantes possam ser considerados factores transnacionais de produção parece mais que razoável, dado que efectivamente saíram do seu para trabalhar noutros países. Já considerar os trabalhadores em geral como factores transnacionais de produção só por uma completa abastracção da realidade histórica passada e presente, em que a esmagadoríssima maioria dos trabalhadores continua a exercer a sua actividade e a viver nos seus espaços nacionais de origem.
Que eu saiba, ninguém equipara recursos naturais a seres humanos. Esta é uma afirmação despropositada. É evidente que os seres humanos que trabalham incluem-se nas forças produtivas. As forças produtivas são a combinação dos meios de produção (numa linguagem um pouco "filosófica", os factores objectivos) com as forças de trabalho humanas (na mesma linguagem, os factores subjectivos). Ambos os factores são indispensáveis para a produção social, mas não há "equiparação" nenhuma. Aliás, a diferença é mesmo decisiva: os recursos naturais, as matérias primas, as máquinas, os equipamentos, os materiais auxiliares, não criam valor. Enfim, isto é o b-a-ba do marxismo.
Defender a soberania alimentar não é evidentemente defender que tudo o que se come em Portugal tenha que ser cá produzido. Isso não é um "passo arriscado", é uma enorme incompreensão deste conceito, tão defendido pela Via Campesina.
Sinto alguma dificuldade em discutir as noções do que é o trabalho produtivo (na concepção marxista, ou mesmo de outras correntes económicas) com quem decobriu na formulação do PCP uma eqiparação entre recursos naturais e seres humanos. Digo apenas que o texto revela enormes confusões entre as noções de produção, circulação e reprodução social. Alguém explica ao autor que, por exemplo, o transporte de mercadorias (e de trabalhadores) é uma actividade de produção e não de circulação (isto é, em termos marxistas, uma actividade onde se cria valor e mais-valia e não uma actividade onde se muda a forma do valor, como numa actividade comercial pura de compra e venda)?
Seja como for, acusar o PCP da possibilidade de ignorar os trabalhadores produtivos do chamado sector terciário é, isso sim, ignorância do esforço desse partido em estudá-los e contabilizá-los. Não tem nada a ver com o PCP.
Quando se fala em lutas político-sociais dos trabalhadores incluem-se obviamente (mas, ó céus, e diz este rapaz que militou no PCP!) aqueles trabalhadores que, involuntaria e provisoriamente, não trabalham (os desempregados).
valente anónimo que com tão largo comentário me abonou,
pode defender que a expressão "povo português" inclui os imigrantes mas talvez valha a pena tentar explicar isso aos próprios imigrnates e não a mim. como também pode solicitar esses imigrantes que não se sintam excluídos ao ouvirem tocar o hino nacional no fim do Primeiro de Maio da CGTP. boa sorte.
pode preferir o conceito de patriotismo ao de nacionalismo e dizer que o segundo não tem um sentido de classe e que o primeiro tem. mas esse sentido de classe será sempre um sentido limitado à pátria referida. e nesse sentido de pátria há sempre uma dimensão pluri-classista. não só operários e camponeses mas também burgueses. não todos os burgueses, mas também burgueses.
a mobilidade caracteriza grande parte da força de trabalho, da escravatura ao capitalismo actual. a movbilidade do campo para a cidade, por exemplo.
a formulação potencialidades nacionais, sendo aplicada tanto a recursos naturais como humanos, equipara-os. e não, não é evidente que os seres humanos que trabalham sejam incluídos nas forças produtivas. Isso é conferir-lhes um poder positivo que corre o risco de eufemizar a exploração de que são objecto ao trabalharem para outrem. isto pode não ser o b-a-b-a do marxismo, porque há muitos marxismos, e o próprio marx escreveu coisas diferentes a esse respeito. aliás, deixe-me que lhe diga que reduzir o marxismo a um b-a-b-a é algo que não me parece muito profícuo. que o henrique raposo o faça, ainda se compreende, agora o meu caro anónimo...
bem sei que a soberania alimentar não implica comer só o que é cá produzido. mas colocava a questão em termos gerais. não vejo que haja mais direito a consumir local do que direito a consumir distante.
por fim, o texto revela confusão entre produção, circulação e reprodução, diz-me você. e tem razão. o consumo produz, a reprodução produz, a circulação também.
quanto ao pendor industrialista do discurso do PCP, enfim, não é tanto como o seu, que no que se refere ao terciário fala do mesmo modo que um tecnocrata ou estatístico qualquer - cito-o, para que se ouça: o "esforço desse partido em estudá-los e contabilizá-los". E depois quer que eu não ache que há uma tendÊncia para equiparar os quilos de batatas com os trabalhadores?
quanto ao desemprego, e a dificuldade em integrar os desempregrados nas lutas do movimento operário, é algo que faz parte da tradição de reflexão do movimento operário e sindical. veja os documentos da cgtp. ou são revisionistas, os camaradas da cgtp?
A expressão “povo português” só inclui os imigrantes na boca das forças progressistas, é disso que estamos a falar. Não acho que tocar o hino nacional no final do Primeiro de Maio da CGTP seja excluidor, mas para quem se sentir assim também tem a Internacional.
Longe de mim afirmar que patriotismo tem um sentido de classe e nacionalismo não. Ambos têm (o conteúdo de classe de uma palavra ou noção, e nomeadamente do seu emprego, não se descarta assim com tanta facilidade). Digo é que a palavra patriótico na boca do PCP não tem o mesmo significado – o mesmo significado de classe – do que na boca do PP de Paulo Portas. Como disse uma vez na televisão um herói há pouco falecido (Dias Lourenço), salvo erro dirigindo-se a uns militares reaccionários: “a minha Pátria não é a dos senhores”.
Certo, certo, a mobilidade caracteriza grande parte da força de trabalho. A mobilidade funcional e mesmo a mobilidade geográfica. É até muito interessante perceber como a baixa tendencial da taxa geral de lucro obriga o capitalismo a aumentar a mobilidade da força de trabalho. Mas não sejamos falaciosos, o que estava em discussão era a mobilidade transnacional, que ainda é, como sempre foi até hoje, muito reduzida, se comparada com a quantidade de trabalhadores que permanece e trabalha nos espaços nacionais em que nasceu. Daí ser abusivo, para não dizer absurdo, referir-se aos trabalhadores em geral, e não apenas aos migrantes, como factores transnacionais de produção.
A mim parece-me que falar em potencialidades nacionais, aplicadas a recursos naturais, materiais (não necessariamente naturais) ou humanos, não é uma equiparação. Quando falo de mamíferos, aplico, nomeadamente, a chimpanzés e a humanos, mas se o fizer, quero apenas dizer que tanto chimpanzés como humanos constituem mamíferos, longe de mim dizer que o Zé Neves (que me desculpe a provocação) se equipara à Cheeta do Tarzan.
Sim, não perceber que os seres humanos no exercício dos seus trabalhos se incluem nas forças produtivas (no sentido de que, combinados, isto é, em relação, utilizando os meios de produção, constituem as forças produtivas) é não perceber mesmo nada do marxismo (e o Marx nunca escreveu nada de diferente a este respeito). Não se trata de reduzir o marxismo a um b-a-ba, trata-se, isso sim, de perceber um mínimo, precisamente o b-a-ba, do marxismo, se se quer falar ou escrever em seu nome, utilizando os seus conceitos e a sua linguagem.
(continua)
(continuação)
Sobre a questão dos “direitos” haveria muito a dizer. Mas se se falava em termos gerais sobre o conceito de soberania alimentar, então reconheça-se que era despropositada a referência a um produto individualizado como a manga, que não se produz em Portugal, que terá que ser importado e que não belisca em nada os apelos justíssimos à soberania alimentar dos povos.
Mas ó meu amigo, no PCP estuda-se para passar à acção, para intervir, para lutar com mais acerto. Por exemplo, no PCP estuda-se e acompanha-se muito de perto o grupo profissional dos professores, um dos maiores do dito “sector terciário”. Isso implica certamente uma contabilização dos docentes, nas várias áreas de ensino, dos que estão empregados e dos que estão desempregados, dos que estando empregados estão ou não estão precários, dos que estão ou não deslocados, a sua distribuição geográfica, por idades, etc., etc. Igualmente, no âmbito do estudo da realidade agrícola, e certamente da dependência agro-alimentar do país, se estudam também as batatas, as quantidades produzidas, as quantidades desaproveitadas, as quantidades importadas, etc.
E então? Acha que pelo facto de se efectuarem estes dois tipos de estudos se equiparam os respectivos objectos, professores e batatas. Sim, já percebi, enquanto “objectos de estudo” os motivos de todos os estudos “equiparam-se” todos. Mas o que é que essa filosofia barata (e mal digerida) permite avançar sobre as reivindicações, os apelos e a luta do PCP? Que equipara professores (ou trabalhadores do terciário) a batatas ou outra coisa qualquer? Ou, ao contrário, que obviamente se estudam as batatas para saber como alimentar o nosso povo (incluindo os imigrantes, não se esqueça) e se estuda o ensino e os professores para saber como ensinar e melhorar as qualificações do nosso povo (incluindo os imigrantes e os seus filhos, não se esqueça) e como defender e lutar melhor pelos direitos, os interesses e as aspirações dos trabalhadores que são os agentes desse ensino e dessa formação.
Quanto ao desemprego e à dificuldade de integrar os desempregados nas lutas dos trabalhadores estamos de acordo. Apenas me insurgi quanto a uma observação que parecia sugerir que quando o PCP fala em trabalhadores não inclui (sempre) aqueles que provisoriamente não estão empregados.
ANÓNIMO: “A expressão “povo português” só inclui os imigrantes na boca das forças progressistas, é disso que estamos a falar”.
EU: Pois, admitindo que sim, o problema estará que entre a boca das forças progressistas e os ouvidos da população mundial é capaz de haver algum ruído.
ANóNIMO: “Digo é que a palavra patriótico na boca do PCP não tem o mesmo significado – o mesmo significado de classe – do que na boca do PP de Paulo Portas”.
EU: Pois, eu também digo que não tem o mesmo significado. Mas repare que precisou de ir ao extremo para se demarcar…
ANÓNIMO: “É até muito interessante perceber como a baixa tendencial da taxa geral de lucro obriga o capitalismo a aumentar a mobilidade da força de trabalho”.
EU: É um erro reduzir a mobilidade da força de trabalho a um efeito das políticas capitalistas. Há uma vontade subjectiva de mobilidade além da necessidade objectiva da mesma.
ANONIMO: “a mobilidade transnacional, que ainda é, como sempre foi até hoje, muito reduzida, se comparada com a quantidade de trabalhadores que permanece e trabalha nos espaços nacionais em que nasceu”.
EU: Meu caro anónimo, muitos trabalhadores nasceram numa nação e morreram noutra nação. Mas a questão não é esta. Você próprio, em parte, quando diz que o capitalismo gera a moblidade da força de trabalho está a reconhecer (mesmo se pelo avesso) a transnacionalidade do problema.
(cont.)
ANONIMO: “não perceber que os seres humanos no exercício dos seus trabalhos se incluem nas forças produtivas (no sentido de que, combinados, isto é, em relação, utilizando os meios de produção, constituem as forças produtivas) é não perceber mesmo nada do marxismo (e o Marx nunca escreveu nada de diferente a este respeito). Não se trata de reduzir o marxismo a um b-a-ba, trata-se, isso sim, de perceber um mínimo, precisamente o b-a-ba, do marxismo, se se quer falar ou escrever em seu nome, utilizando os seus conceitos e a sua linguagem."
EU: Há uma crítica marxiana, de um Marx anti-industrialista, mas também mundialista (no sentido em que prefere o livre comércio ao proteccionismo), que justamente denuncia conceitos como “forças produtivas”. Cito: “O burguês alemão é uma criatura religiosa, mesmo quando é industrial. Tem vergonha de falar nos iníquos valores de troca que persegue, e fala em forças produtivas, tem vergonha de falar em concorrência e fala em confederação nacional de forças produtivas nacionais, tem vergonha de falar nos seus interesses privados e fala em interesse nacional”.
ANONIMO: “Sobre a questão dos “direitos” haveria muito a dizer. Mas se se falava em termos gerais sobre o conceito de soberania alimentar, então reconheça-se que era despropositada a referência a um produto individualizado como a manga, que não se produz em Portugal, que terá que ser importado e que não belisca em nada os apelos justíssimos à soberania alimentar dos povos”.
EU: Ou seja, só não podemos ter laranjas espanholas porque há laranjas portuguesas. Mangas, como não há portuguesas, podemos ter à vontade. Isto pressupõe que um gajo compre cinco mangas e cinco laranjas e não que, comprando quatro mangas, se calhar só comprará uma laranja.
ANONIMO: “Mas ó meu amigo, no PCP estuda-se para passar à acção, para intervir, para lutar com mais acerto. Por exemplo, no PCP estuda-se e acompanha-se muito de perto o grupo profissional dos professores, um dos maiores do dito “sector terciário”. Isso implica certamente uma contabilização dos docentes, nas várias áreas de ensino, dos que estão empregados e dos que estão desempregados, dos que estando empregados estão ou não estão precários, dos que estão ou não deslocados, a sua distribuição geográfica, por idades, etc., etc.“
EU: NO PCP estuda-se para passar à acção, por certo, mas olhe que não deixa de estar aí implicada uma concepção neutral do conhecimento científico. Porque a questão está também no tipo de estudo que se faz. Basta pensar na hisdtória do movimento operário, para concluir que não é o mesmo aquilo que é estudo por um tipo como o E.P.Thompson e aquilo que é estudado por outro tipo de historiadores do movimento operário. Há um texto do Panzieri (creio) sobre o inquérito operário que é engraçado a esse respeito. Tenho-o para aqui mas não encontro. Se encontrar, envio-lhe.
(cont.)
ANONIMO: “não perceber que os seres humanos no exercício dos seus trabalhos se incluem nas forças produtivas (no sentido de que, combinados, isto é, em relação, utilizando os meios de produção, constituem as forças produtivas) é não perceber mesmo nada do marxismo (e o Marx nunca escreveu nada de diferente a este respeito). Não se trata de reduzir o marxismo a um b-a-ba, trata-se, isso sim, de perceber um mínimo, precisamente o b-a-ba, do marxismo, se se quer falar ou escrever em seu nome, utilizando os seus conceitos e a sua linguagem."
EU: Há uma crítica marxiana, de um Marx anti-industrialista, mas também mundialista (no sentido em que prefere o livre comércio ao proteccionismo), que justamente denuncia conceitos como “forças produtivas”. Cito: “O burguês alemão é uma criatura religiosa, mesmo quando é industrial. Tem vergonha de falar nos iníquos valores de troca que persegue, e fala em forças produtivas, tem vergonha de falar em concorrência e fala em confederação nacional de forças produtivas nacionais, tem vergonha de falar nos seus interesses privados e fala em interesse nacional”.
ANONIMO: “Sobre a questão dos “direitos” haveria muito a dizer. Mas se se falava em termos gerais sobre o conceito de soberania alimentar, então reconheça-se que era despropositada a referência a um produto individualizado como a manga, que não se produz em Portugal, que terá que ser importado e que não belisca em nada os apelos justíssimos à soberania alimentar dos povos”.
EU: Ou seja, só não podemos ter laranjas espanholas porque há laranjas portuguesas. Mangas, como não há portuguesas, podemos ter à vontade. Isto pressupõe que um gajo compre cinco mangas e cinco laranjas e não que, comprando quatro mangas, se calhar só comprará uma laranja.
ANONIMO: “Mas ó meu amigo, no PCP estuda-se para passar à acção, para intervir, para lutar com mais acerto. Por exemplo, no PCP estuda-se e acompanha-se muito de perto o grupo profissional dos professores, um dos maiores do dito “sector terciário”. Isso implica certamente uma contabilização dos docentes, nas várias áreas de ensino, dos que estão empregados e dos que estão desempregados, dos que estando empregados estão ou não estão precários, dos que estão ou não deslocados, a sua distribuição geográfica, por idades, etc., etc.“
EU: NO PCP estuda-se para passar à acção, por certo, mas olhe que não deixa de estar aí implicada uma concepção neutral do conhecimento científico. Porque a questão está também no tipo de estudo que se faz. Basta pensar na hisdtória do movimento operário, para concluir que não é o mesmo aquilo que é estudo por um tipo como o E.P.Thompson e aquilo que é estudado por outro tipo de historiadores do movimento operário. Há um texto do Panzieri (creio) sobre o inquérito operário que é engraçado a esse respeito. Tenho-o para aqui mas não encontro. Se encontrar, envio-lhe.
(cont.)
ANONIMO: “não perceber que os seres humanos no exercício dos seus trabalhos se incluem nas forças produtivas (no sentido de que, combinados, isto é, em relação, utilizando os meios de produção, constituem as forças produtivas) é não perceber mesmo nada do marxismo (e o Marx nunca escreveu nada de diferente a este respeito). Não se trata de reduzir o marxismo a um b-a-ba, trata-se, isso sim, de perceber um mínimo, precisamente o b-a-ba, do marxismo, se se quer falar ou escrever em seu nome, utilizando os seus conceitos e a sua linguagem."
EU: Há uma crítica marxiana, de um Marx anti-industrialista, mas também mundialista (no sentido em que prefere o livre comércio ao proteccionismo), que justamente denuncia conceitos como “forças produtivas”. Cito: “O burguês alemão é uma criatura religiosa, mesmo quando é industrial. Tem vergonha de falar nos iníquos valores de troca que persegue, e fala em forças produtivas, tem vergonha de falar em concorrência e fala em confederação nacional de forças produtivas nacionais, tem vergonha de falar nos seus interesses privados e fala em interesse nacional”.
ANONIMO: “Sobre a questão dos “direitos” haveria muito a dizer. Mas se se falava em termos gerais sobre o conceito de soberania alimentar, então reconheça-se que era despropositada a referência a um produto individualizado como a manga, que não se produz em Portugal, que terá que ser importado e que não belisca em nada os apelos justíssimos à soberania alimentar dos povos”.
EU: Ou seja, só não podemos ter laranjas espanholas porque há laranjas portuguesas. Mangas, como não há portuguesas, podemos ter à vontade. Isto pressupõe que um gajo compre cinco mangas e cinco laranjas e não que, comprando quatro mangas, se calhar só comprará uma laranja.
ANONIMO: “Mas ó meu amigo, no PCP estuda-se para passar à acção, para intervir, para lutar com mais acerto. Por exemplo, no PCP estuda-se e acompanha-se muito de perto o grupo profissional dos professores, um dos maiores do dito “sector terciário”. Isso implica certamente uma contabilização dos docentes, nas várias áreas de ensino, dos que estão empregados e dos que estão desempregados, dos que estando empregados estão ou não estão precários, dos que estão ou não deslocados, a sua distribuição geográfica, por idades, etc., etc.“
EU: NO PCP estuda-se para passar à acção, por certo, mas olhe que não deixa de estar aí implicada uma concepção neutral do conhecimento científico. Porque a questão está também no tipo de estudo que se faz. Basta pensar na hisdtória do movimento operário, para concluir que não é o mesmo aquilo que é estudo por um tipo como o E.P.Thompson e aquilo que é estudado por outro tipo de historiadores do movimento operário. Há um texto do Panzieri (creio) sobre o inquérito operário que é engraçado a esse respeito. Tenho-o para aqui mas não encontro. Se encontrar, envio-lhe.
Não precisei nada de recorrer ao PP de Paulo Portas para evidenciar os conteúdos diferentes do emprego da palavra patriota, até pensei no PSD de Passos Coelho e no PS de Sócrates. Se, apesar de tudo, utilizei de propósito o PP de Paulo Portas foi simplesmente porque, com conteúdo muito diferente, a palavra é também frequentemente utilizada para aquelas bandas.
Errado é atribuir-me a afirmação que de que reduzo a mobilidade da força de trabalho a “um efeito das políticas capitalistas” (!?). Primeiro, eu falei numa lei estrutural do capitalismo, não dos efeitos das políticas capitalistas. Segundo, não reduzi a mobilidade social do trabalho (funcional, geográfica) aos efeitos dessa lei, apenas referi que era até muito interessante perceber como essa lei obriga o capitalismo a aumentar a mobilidade da força de trabalho (explico-me melhor: para contrariar a tendência para a baixa da taxa geral de lucro, o capitalismo é obrigado a aumentar a exploração do trabalho e a acelerar a velocidade de rotação do capital, que implicam, em conjunto, um incremento da mobilidade social e, em particular, da mobilidade social dos trabalhadores). Mas aproveito para lhe dizer que a questão não está em contrapor vontades subjectivas a necessidades objectivas, a questão está em perceber como as necessidades objectivas geram as vontades subjectivas, ou, se quiser, numa formulação mais fraca, mas mais rigorosa, mais verdadeira, como as necessidades subjectivas são geradas ou são condicionadas pelas necessidades objectivas. Porque não se emigra para onde se quer, emigra-se para onde se pode (onde há trabalho, onde as acumulações objectivas de capital exigem a oferta de mais trabalho).
Reconhecer a mobilidade da força de trabalho, ainda muito reduzida à escala mundial, dada a imobilidade (se quiser, a fixidez) do esmagadoríssimo grosso das forças de trabalho em espaços nacionais, não é reconhecer ou deixar de reconhecer a “transnacionalidade do problema”, é reconhecer o disparate da consideração genérica (e sublinho o genérica) dos trabalhadores como “factores transnacionais de produção”.
O Marx, tal como depois dele o Lénine, apenas “prefere o livre comércio ao proteccionismo” na medida em que a eliminação das medidas proteccionistas acelera o desenvolvimento do capitalismo, em relação a estádios sociais mais atrasados (de resto, do ponto de vista social, a polémica proteccionismo / livre-cambismo sempre foi entendida pelos dois como uma disputa entre facções da burguesia ou, num sentido mais geral, para abarcar os grandes proprietários da terra, que se apropriam de fracções da mais-valia social por via da renda da terra, como uma disputa entre facções da classe dominante).
Mas a questão não é, obviamente, essa. Parece-me incompreensível que, na citação que reproduz, o Zé Neves não se aperceba que o Marx não denuncia o “conceito de forças produtivas”, mas sim a utilização que dele faz o burguês para disfarçar o seu afã do lucro. Seja como for, da mesma forma que atrás se distinguiu o conceito de pátria na boca de um comunista e na boca de um fascista (ou, menos extremadamente, de um neo-liberal), há que distinguir o conceito de forças produtivas na boca de um capitalista e na boca do Marx (ou do PCP, que se reclama da sua tradição de pensamento), que, repito pela última vez, significa a combinação dos meios de produção (que podem ser recursos naturais, como a terra) e as forças de trabalho humanas. Não há é marxismo sem a consideração dos homens nas forças produtivas da sociedade.
Não precisei nada de recorrer ao PP de Paulo Portas para evidenciar os conteúdos diferentes do emprego da palavra patriota, até pensei no PSD de Passos Coelho e no PS de Sócrates. Se, apesar de tudo, utilizei de propósito o PP de Paulo Portas foi simplesmente porque, com conteúdo muito diferente, a palavra é também frequentemente utilizada para aquelas bandas.
Errado é atribuir-me a afirmação que de que reduzo a mobilidade da força de trabalho a “um efeito das políticas capitalistas” (!?). Primeiro, eu falei numa lei estrutural do capitalismo, não dos efeitos das políticas capitalistas. Segundo, não reduzi a mobilidade social do trabalho (funcional, geográfica) aos efeitos dessa lei, apenas referi que era até muito interessante perceber como essa lei obriga o capitalismo a aumentar a mobilidade da força de trabalho (explico-me melhor: para contrariar a tendência para a baixa da taxa geral de lucro, o capitalismo é obrigado a aumentar a exploração do trabalho e a acelerar a velocidade de rotação do capital, que implicam, em conjunto, um incremento da mobilidade social e, em particular, da mobilidade social dos trabalhadores). Mas aproveito para lhe dizer que a questão não está em contrapor vontades subjectivas a necessidades objectivas, a questão está em perceber como as necessidades objectivas geram as vontades subjectivas, ou, se quiser, numa formulação mais fraca, mas mais rigorosa, mais verdadeira, como as necessidades subjectivas são geradas ou são condicionadas pelas necessidades objectivas. Porque não se emigra para onde se quer, emigra-se para onde se pode (onde há trabalho, onde as acumulações objectivas de capital exigem a oferta de mais trabalho).
Reconhecer a mobilidade da força de trabalho, ainda muito reduzida à escala mundial, dada a imobilidade (se quiser, a fixidez) do esmagadoríssimo grosso das forças de trabalho em espaços nacionais, não é reconhecer ou deixar de reconhecer a “transnacionalidade do problema”, é reconhecer o disparate da consideração genérica (e sublinho o genérica) dos trabalhadores como “factores transnacionais de produção”.
O Marx, tal como depois dele o Lénine, apenas “prefere o livre comércio ao proteccionismo” na medida em que a eliminação das medidas proteccionistas acelera o desenvolvimento do capitalismo, em relação a estádios sociais mais atrasados (de resto, do ponto de vista social, a polémica proteccionismo / livre-cambismo sempre foi entendida pelos dois como uma disputa entre facções da burguesia ou, num sentido mais geral, para abarcar os grandes proprietários da terra, que se apropriam de fracções da mais-valia social por via da renda da terra, como uma disputa entre facções da classe dominante).
(continua)
Não precisei nada de recorrer ao PP de Paulo Portas para evidenciar os conteúdos diferentes do emprego da palavra patriota, até pensei no PSD de Passos Coelho e no PS de Sócrates. Se, apesar de tudo, utilizei de propósito o PP de Paulo Portas foi simplesmente porque, com conteúdo muito diferente, a palavra é também frequentemente utilizada para aquelas bandas.
Errado é atribuir-me a afirmação que de que reduzo a mobilidade da força de trabalho a “um efeito das políticas capitalistas” (!?). Primeiro, eu falei numa lei estrutural do capitalismo, não dos efeitos das políticas capitalistas. Segundo, não reduzi a mobilidade social do trabalho (funcional, geográfica) aos efeitos dessa lei, apenas referi que era até muito interessante perceber como essa lei obriga o capitalismo a aumentar a mobilidade da força de trabalho (explico-me melhor: para contrariar a tendência para a baixa da taxa geral de lucro, o capitalismo é obrigado a aumentar a exploração do trabalho e a acelerar a velocidade de rotação do capital, que implicam, em conjunto, um incremento da mobilidade social e, em particular, da mobilidade social dos trabalhadores). Mas aproveito para lhe dizer que a questão não está em contrapor vontades subjectivas a necessidades objectivas, a questão está em perceber como as necessidades objectivas geram as vontades subjectivas, ou, se quiser, numa formulação mais fraca, mas mais rigorosa, mais verdadeira, como as necessidades subjectivas são geradas ou são condicionadas pelas necessidades objectivas. Porque não se emigra para onde se quer, emigra-se para onde se pode (onde há trabalho, onde as acumulações objectivas de capital exigem a oferta de mais trabalho).
Reconhecer a mobilidade da força de trabalho, ainda muito reduzida à escala mundial, dada a imobilidade (se quiser, a fixidez) do esmagadoríssimo grosso das forças de trabalho em espaços nacionais, não é reconhecer ou deixar de reconhecer a “transnacionalidade do problema”, é reconhecer o disparate da consideração genérica (e sublinho o genérica) dos trabalhadores como “factores transnacionais de produção”.
(continua)
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O Marx, tal como depois dele o Lénine, apenas “prefere o livre comércio ao proteccionismo” na medida em que a eliminação das medidas proteccionistas acelera o desenvolvimento do capitalismo, em relação a estádios sociais mais atrasados (de resto, do ponto de vista social, a polémica proteccionismo / livre-cambismo sempre foi entendida pelos dois como uma disputa entre facções da burguesia ou, num sentido mais geral, para abarcar os grandes proprietários da terra, que se apropriam de fracções da mais-valia social por via da renda da terra, como uma disputa entre facções da classe dominante).
Mas a questão não é, obviamente, essa. Parece-me incompreensível que, na citação que reproduz, o Zé Neves não se aperceba que o Marx não denuncia o “conceito de forças produtivas”, mas sim a utilização que dele faz o burguês para disfarçar o seu afã do lucro. Seja como for, da mesma forma que atrás se distinguiu o conceito de pátria na boca de um comunista e na boca de um fascista (ou, menos extremadamente, de um neo-liberal), há que distinguir o conceito de forças produtivas na boca de um capitalista e na boca do Marx (ou do PCP, que se reclama da sua tradição de pensamento), que, repito pela última vez, significa a combinação dos meios de produção (que podem ser recursos naturais, como a terra) e as forças de trabalho humanas. Não há é marxismo sem a consideração dos homens nas forças produtivas da sociedade.
E não, amigo, o conceito de soberania alimentar, e a luta do PCP por ele, não significa que não se possam comer laranjas que não as portuguesas, significa fundamentalmente o direito do povo português, sem ingerências e imposições externas, nomeadamente das PACs comunitárias, a decidir da sua própria política agro-alimentar, nos seus aspectos produtivos e comerciais, do que se pode e deve cá produzir e do que se pode e deve importar, de ter acesso aos seus recursos naturais, nomeadamente a esse que é o meio de produção (desculpe-me lá a “linguagem de marxista”) mais importante da agricultura, a terra, e de pô-la a produzir, de forma sustentável, de modo a assegurar uma nutrição saudável do nosso povo, que não esteja dependente, como em medida significativa acontece actualmente, de produções exteriores ao país e, ainda mais grave, das cadeias de distribuição dos grandes monopólios do agro-negócio. É por isso bastante disparatado contrapor as suas laranjas, portuguesas ou espanholas, e as suas mangas, com mais ou menos direitos a “consumir local” ou a “consumir distante”, a esta, repito, muito justa reivindicação e luta do PCP.
(continua)
(final)
Sim, no PCP estuda-se para passar à acção. E no PCP sabe-se bem que a ciência, ou os estudos que pretendem ser científicos, não são “neutros” (o que não significa, obviamente, a negação da realidade objectiva que se procura compreender, mas isso, como diria o Saramago, são outras navegações). A que propósito é que vem aqui a conversa da implicada neutralidade do conhecimento científico? Mas neutral como, se o conhecimento científico nasce da prática, confronta-se com a prática (em última instância, o único critério de verdade para um marxista) e serve a prática, neste caso a prática política do PCP, com objectivos sociais de classe explicitamente assumidos?
O Zé Neves, até pela sua própria experiência, e o leitor desculparão esta salganhada de (troços de) comentários repetidos, que se devem a ter excedido o número permitido de caracteres e, certamente, à minha dificuldade em contornar esse constrangimento.
O melhor é ler os três anteriores de seguida.
eu sei!!! é voltar à industrialização ( talvez aos latifundiários ): ao proletariado e aos patrões. sem isso o pcp morre. e os países também. que economias terciárias só no tempo do imperialismo.
e se largassem marx e a exploração ? daaaa , rapazes ? quando crescerem , avisem.
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