15/11/10

Contra a economia e os seu padres, levante-se o véu !



Paul Mattick pode ser considerado, nos anos do pós-guerra – mesmo na opinião daqueles que se lhe opuseram – como um dos maiores conhecedores do pensamento de Marx. Com efeito, ele deixou algumas obras heterodoxas que se tornaram incontornáveis para quem pretenda ter uma perspectiva crítica do capitalismo contemporâneo.
Conhecido sobretudo como teórico das crises económicas e partidário dos conselhos operários, P. Mattick foi também um participante empenhado nos acontecimentos revolucionários que abalaram a Europa e as organizações do movimento operário durante a primeira metade do século XX.
Marx et Keynes, os limites da economia mixta, publicado hoje pela Editora Antigona, é leitura aconselhada para quém procure desvendar o conteúdo contraditorio e os limites do programa keynesiano.
Em exclusivo para @s leitores de Vias de Facto aqui fica uma citaçao da conclusao e uma outra do postfácio que apresenta o autor.

“(...) Marx estava convencido de que a contradição entre o crescimento das forças produtivas e as relações de produção capitalistas, demasiado estreitas para as conter, seria superada por uma revolução que, pondo fim à estrutura classista da sociedade – o seu antagonismo básico – abriria o caminho para um mundo socialista. Uma tal revolução social não aconteceu, nem tão-pouco foi resolvida a contradição da produção social enquanto produção de capital. Em toda a parte, a produção continua a ser a produção de capital, e o mundo capitalista continua a ser um mundo de crises.
Neste contexto, o keynesianismo reflecte meramente a transição do capitalismo entre a fase do mercado livre e a fase de estatismo, fornecendo uma ideologia aos beneficiários provisórios desta transição. Não toca nos problemas que Marx estudou. Enquanto existir o modo de produção capitalista, o marxismo continuará a ser importante, uma vez que não se ocupa desta ou daquela técnica de produção de capital nem das alterações no quadro da formação de capital, mas apenas da sua eliminação definitiva. (...)
Não se pode esperar que os beneficiários do status quo, cuja existência e futuro dependem da perpetuação deste, abdiquem da sua posição de classe dominante. Até agora, tem sido a «economia mista» que lhes tem permitido evitar o advento de condições sociais susceptíveis de conduzir ao aparecimento de movimentos sociais anticapitalistas. Neste sentido, o keynesianismo tem sido o «salvador» do capitalismo, embora, pela sua própria natureza, e pela natureza do sistema, a sua utilidade só possa ser temporária. Com ou sem pleno emprego, a economia mista é um facto social em todos os países capitalistas, e nalguns deles mostrou-se capaz não só de evitar crises profundas mas também de criar condições de «prosperidade» como nunca havia existido anteriormente, fazendo que os privilegiados pudessem descrever o capitalismo como uma sociedade de abundância.
A Segunda Guerra Mundial e o período do pós-guerra conduziram, nos planos prático e ideológico, a um eclipse quase total do socialismo operário. Mas para continuar a verificar-se esta ausência de qualquer oposição efectiva ao capitalismo, o sistema terá de ter a capacidade de manter o nível de vida actual da população trabalhadora. Se isto se revelar impossível, a presente coesão social do sistema capitalista pode ser de novo quebrada, como aconteceu em crises prolongadas anteriores. Só pressupondo que todos os problemas sociais podem ser resolvidos no quadro das instituições existentes será possível negar à classe operária – a grande maioria da população nos países industrialmente avançados – o seu papel na História, que terá de ser necessariamente um papel de oposição e que terá expressão na restauração ou no reaparecimento de uma consciência revolucionária.
O sucesso temporário das políticas keynesianas fez nascer a convicção de que se tinha finalmente encontrado uma maneira de enfrentar com eficácia as dificuldades do capitalismo e anular as potencialidades revolucionárias do sistema. Mas esta ideia é uma ilusão que se baseia no véu monetário que cobre todas as actividades capitalistas. Se o véu for levantado, torna-se evidente que a aplicação contínua do keynesianismo implica a autodestruição da produção de capital. O optimismo da «nova economia» limita-se a confundir o adiamento de um problema com o seu desaparecimento. (...)”
[Paul Mattick]

***

“(...) É no decurso da sua experiência em Chicago, nos debates no seio das comissões de desempregados e dos grupos radicais, que P. Mattick começa a interessar-se pelas teorias da crise. (...) a teoria do valor-trabalho de Marx, a relação capital-trabalho, são repostas no centro da análise do processo de acumulação capitalista. E P. Mattick e os seus companheiros das comissões de desempregados retiram implicações práticas desta abordagem inovadora. As consequências sociais do abrandamento da acumulação impõem-se no quotidiano, tornando possível a tomada de consciência da natureza desequilibrada do sistema e dos seus limites, e a subversão do capitalismo por um movimento independente dos trabalhadores.
Segundo esta concepção, de que P. Mattick se torna o defensor, o problema da crise aparece como inseparável da questão da subversão da organização social capitalista. A construção de uma oposição ideológica, vanguardista, deixa de se colocar como condição prévia para o despertar da acção. A actividade auto-emancipadora baseia-se na consciência das condições reais de existência, demarcando-se assim do reformismo social-democrata e do vanguardismo bolchevique, correntes onde a consciência elaborada pela organização revolucionária pretende desempenhar um papel determinante. P. Mattick voltará a este assunto, alguns anos depois: «Sem crise, não há revolução. Esta é uma velha convicção que vem de Rosa Luxemburg, que foi apelidada de teórica da catástrofe. Eu também sou um político da catástrofe, na medida em que não concebo que a classe operária combata o capitalismo se viver numa sociedade sem crise a longo prazo, sem uma decadência permanente. Pelo contrário, numa tal situação, ela instalar-se-á no capitalismo, e não o atacará. Se não houver catástrofe, não haverá socialismo. E a catástrofe virá do capitalismo. Com efeito, se a classe dirigente pode dominar conscientemente a política, ela está incapacitada de dominar a economia.»
[Jorge Valadas, Postfacio]

6 comentários:

Diogo disse...

O futuro e, de forma crescente, o presente, será determinado pela tecnologia:

1 - A tecnologia está em evolução exponencial.
2 - A tecnologia está a acabar com os empregos.
3 - Sem empregos não há salários.
4 - Sem salários não há vendas.
5 - Sem vendas não há lucros.
6 - Sem lucros não há capitalismo.

O futuro será um regresso ao faça-você-mesmo (em novas bases tecnológicas.

Junto ao gabinete onde trabalho está uma máquina que serve mais de duas dezenas de bebidas: café, descafeinado, chá, etc.

Basta-me meter uma moeda, escolher a bebida e a quantidade de açúcar, e a máquina produz a bebida nesse instante.

Tudo o resto será assim.

Niet disse...

Paul Mattick- a sua imensa obra - só comparável à de Pannekoek e Castoriadis -pode ser um surplus de combate pelo fim do pecaminoso marxismo-leninismo que, ele sublinhou,atreveu-se a confirmar e estabelecer que " aparentemente oportunismo e realismo são mesma coisa ". Mattick foi um grande comentador de Rosa Luxemburg, de Trotsky e de Pannekoek. O marxismo revolucionário de Korch, Fromm e Marcuse constitui outra das suas desassombradas e luminosas análises críticas. Niet

xatoo disse...

ele há com cada um!!
o "camarada" Diogo devia era meter uma moeda nas fundações dum prédio destinado a hotelaria e construi-lo sózinho sem intervenção de mão de obra - só com uma máquina tecnológica que de preferâcia venha já equipada com uma imigrante Filipina para mudar as roupas de cama

Fora de brincadeiras, o principal de Marx&Keynes vem na badana da obra: livro trata de questões essenciais como a acumulação de capital, a moeda, a automatização para facilitar a produção de bens para os quais não existem consumidores, o subdesenvolvimento, o capitalismo de Estado, etc.
mas
a linha sequencial linear desenhada pelo Niet distorce também a realidade dos factos. O comunismo dos Conselhos advogado por Mattick acontece durante o periodo de Weimar e termina com a destruição do Exército Vermelho do Ruhr. Estes são os factos essenciais. A partir daí Mattick refugia-se no Ocidente onde desenvolve teorias de crítica radical ao capitalismo, mais de cariz anarquista. Como ele aliás se autocritica a determinado trecho: "o Marxismo, é o último refúgio da burguesia" - uma vez que esta classe não está interessada em estudar a lei de Marx da queda progressiva da taxa de lucro no sistema capitalista. Esta malta quer é notas frescas emitidas pela Reserva Federal norte americana

Diogo disse...

Xatoo,

Não falo da queda progressiva da taxa de lucro no sistema capitalista?

1 - A tecnologia está em evolução exponencial.
2 - A tecnologia está a acabar com os empregos.
3 - Sem empregos não há salários.
4 - Sem salários não há vendas.
5 - Sem vendas não há lucros.
6 - Sem lucros não há capitalismo.

NIet disse...

OH. mr Xatoo: Lá está V. a desconversar...Mais uma vez. Eu não abordei a génese dos Conselhos Operários na teoria de Paul Mattick, que V. apelida de anarquista. Nós sabemos que o xatoo gosta muito pouco de "sovietes ", e muito menos ainda de Conselhos Operários. É mais um homem de vanguardas e de partidos entristas ultra-hierarquizados...A obra de Mattick é enorme e estende-se- com adendas e requalificações - ao longo de perto de 40 anos. Eu conheço melhor dele os reparos técnicos que induz da teoria política de Rosa Luxemburg: a crítica da noção de ditadura do proletariado.Os textos que escreveu sobre K.Korsch e Marcuse têm também uma imensa modernidade, pois,articulam-se com a imperativa crítica da lógica da Dominação, cara à Teoria Crítica de Horkheimer e Adorno. Niet

Niet disse...

Mattick e os Grupos de Comunistas de Conselhos- O mr. xatoo ateia os fogos e desaparece. Fomos tentar discernir nos textos de Mattick essa noção nebulosa sugerida pelo sr. xatoo que, como se sabe, está ligada aos três primeiros anos da Revolução Russa de 1917. Para já chamavam-se Grupos de Comunistas de Conselhos e estavam representados na I Internacional. Criticavam os partidos leninistas e o próprio Spartakus da R. Luxemburg. Propunham-se desencadear acções- individuais ou colectivas- contra a lógica da sociedade de classes e a exploração capitalista no seu conjunto. Eram contra o Assalariato, o Capital e qualquer tipo de Hierarquia social ou política: Partidos e Sindicatos. Contra Lénine, defendiam o ideal da pureza dos escritos revolucionários históricos de K. Marx. Lénine dedicou-lhes um panfleto, em 1920," O Esquerdismo, doença infantil..." E expulsou-os da Internacional...Niet