Aqui há dias, o Renato Teixeira convidava-me amavelmente, na caixa de comentários de um post da Diana Dionísio, a ir com ele ao futebol. Hoje convida-nos a todos a apoiar, no quadro das manifestações contra a cimeira da NATO, a "resistência islâmica", justificando o seu apelo, que cita um comunicado da revista Rubra, intitulado "Pela derrota da NATO. Pela vitória militar da Resistência Islâmica!", nos seguintes termos: “Quando há uma luta entre David e Golias, o nosso lado só pode ser um: David. Estamos do lado da vitória militar da ditadura ocupada contra a ‘democracia’ ocupante; estamos do lado da vitória militar da ditadura resistente contra o império ‘democrático’”.
Para já, e enquanto o nosso sempre sagaz camarada Luis Rainha não adianta mais algumas pistas aos seus considerandos sobre o assunto, o rubro apelo que o Renato Teixeira entende fazer, sem que por uma candura propriamente insondável, se lhe ruborize o brioso rosto, justifica os seguintes comentários:
1. É absolutamente inadmissível querer introduzir numa manifestação contra as ambições imperiais do "bloco ocidental" alargado da NATO palavras de ordem de apoio a uma entidade dita "resistência islâmica", que amalgama regimes, ou forças que se candidatam a sê-lo, caracterizados por ambições imperiais e expansionistas de dominação global, proclamadas de resto em alto e bom som pelos seus agentes. Tão inadmissível como seria, por exemplo, a pretexto de que a República Popular da China é uma potência que disputa a supremacia global e a liderança imperial aos EUA, pretender introduzir nos protestos de hoje palavras de ordem aclamando como Grande Timoneiro o presidente Hu Jintao.
2. Acresce que a "resistência islâmica" nos territórios que governa ou controla, a par da oposição baseadas em interesses de potência "nacional" que possa protagonizar contra outras potências, resiste sobretudo a qualquer perspectiva de ver as populações governadas acederem ao direito de se exprimirem, pensarem ou organizarem livremente na base da iniciativa dos seus potenciais cidadãos, reduzidos entretanto à miséria e menoridade da condição de súbditos.
3. Além disso, há no apelo do Renato Teixeira a ideia particularmente deprimente e comprovadamente portadora das consequências mais sinistras, segundo a qual é possível avançar no sentido da igualdade e da liberdade começando por agravar e legitimar confessionalmente sua repressão por via governamental ou para-governamental. Entre muitos outros, cite-se aqui o estudo de caso exemplar de Paul Hampton sobre o Irão há tempos publicado pelo Passa Palavra. Há poucos meses, o Nuno Ramos de Almeida publicou um post em que denunciava como "falsos amigos dos israelitas" os apoiantes internacionais da escalada anti-democrática e fundamentalista dos governos de Tel Aviv. O mesmo, e essencialmente pelas mesmas razões, se poderia dizer dos "falsos amigos" dos povos governados ou controlados por aquilo a que o Renato Teixeira e a Rubra chamam a "resistência islâmica".
4. Concluindo, qualquer vislumbre que permita apresentar a jornada de protesto de hoje como manifestação de apoio à "resistência islâmica" só poderá ser entendido como sabotagem das acções de rua convocadas para Lisboa e constituirá um trunfo nas mãos daqueles contra os quais justamente é necessário combater pela democratização global — esse espectro que, para além e através das suas rivalidades e conflitos de toda a espécie, tanto as oligarquias do "bloco ocidental" como os dirigentes e camadas dominantes dos regimes da "resistência islâmica" estão solidariamente apostados em exorcizar.
20/11/10
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10 comentários:
Está a ver Miguel Serras Pereira ?
Eu apoio o que acaba de escrever.
Mas, por favor, meta a mão na consciência e veja se consegue conjugar o que hoje escreveu com o apoio que ontem deu à frase (certamente bem intencionada) da Diana Dionisio de que «O facto de eu organizar uma manifestação não me dá direito de controlar os cartazes, as roupas ou a agenda política de quem (pacificamente, repito) a ela se juntar.»
Totalmente de acordo com o post.
é pá! gostei imenso de toda a informação que o vosso blog apresentou sobre a cimeira da NATO e, sobretudo, toda a denúncia que realizaram sobre as suas acções criminosas. Fiquei, ainda, particularmente sensibilizado pelos sucessivos apelos à participação massiva da população nas acções de protesto. Todavia, não posso deixar de vos confessar como me impressionou bastante este vosso último post por toda a sua acutilância: relamente - e logo no dia de hoje! - o que importa é desmascarar esses devaneios islamitas. Bem hajam por todo este serviço público.
Vítor Dias,
obrigado pelo apoio que me dá na denúncia que me senti no dever de fazer em defesa das acções de rua marcadas para esta tarde.
É verdade que, na questão da duplicação das manifestações ou da legitimidade de convocar um segundo ou terceiro protesto contra a política do "bloco ocidental" alargado e da sua organização militar, continuo a pensar o que escrevi.
Digamos que o fiz em termos muito próximos da Mariana Canotilho cujos post e comentários sobre o assunto tivemos ocasião de discutir. E, POLITICAMENTE, mantenho a mesma posição: poderiam e seria vantajoso que fossem convocadas para protestar diferentes organizações permanentes ou ad hoc, deixando em aberto a questão de saber se seria possível a integração condigna e negociada de todas no mesmo desfile ou se se realizariam duas, três ou mais concentrações simultâneas.
Mas o que o Renato Teixeira e a Rubra fazem é muito diferente: o comunicado que lhes serve de convocatória visa transformar a denúncia da política da NATO no Médio Oriente e à escala global em apoio a determinadas potências ou organizações políticas particulares - a "resistência islâmica" - desvirtuando claramente os propósitos e o teor da acção ou acções de rua que temos vindo a discutir. Você concordará que o caso com a PAGAN é completamente diferente e que foi em relação a ele que exprimi e reitero o meu acordo com a Mariana (creio que não me referi ontem à frase da Diana que você refere, talvez na sequência de um lapsus calami: mas, se as palavras dela correspondem ao quebrar de uma lança pela legitimidade política de uma segunda convocatória, apoio o seu propósito). Já agora, acrescento - um tanto redundantemente - que não nego, antes sublinho a sua ideia de que o aspecto jurídico não é tudo (a Mariana também o faz) e que, politicamente, tomei a atitude que tomei tendo em conta razões próximas daquelas que o Nuno Ramos de Almeida invoca na caixa de comentários sempre do mesmo post.
Continuaremos esta discussão, se for caso disso, quando quiser. Com todo o gosto.
msp
Caro Ricardo Alves,
o que eu nunca esperei foi que o Renato Teixeira, a quem dei sempre o desconto da irreflexão, se prestasse a uma manobra política destas - fazendo propaganda da sua acção de sabotagem num post de última hora e com os comentários fechados.
Mas estamos sempre a aprender… é bem verdade.
Cordial abraço republicano
msp
Olhe, caro Anónimo, só desde o dia 16 até hoje, o Vias publicou pelo menos uma dúzia de posts sobre a NATO & Cia. Não deu por isso?
Quanto ao comunicado da Rubra e ao post do Renato, remeto-o para o que acima escrevi e também para os posts que Nuno Ramos de Almeida hoje publicou sobre os "queridos fundamentalistas" e "as duas faces da mesma moeda" no 5dias.
Já tem pano para mangas.
Saudações democráticas
msp
Já que estamos em maré de surpresas, também me custava imaginar que um dia o ia ler a brindar ao centralismo burocrático.
"desvirtuando claramente os propósitos e o teor da acção ou acções de rua que temos vindo a discutir"
Lindo. Sem mais palavras.
Renato T.
Renato Teixeira,
não se faça de analfabeto. Porque se não é revolucionariamente tão super-dotado como se julga e apresenta, deve saber ler.
Na troca de comentários que você cita entre mim e o Vítor Dias, bem como nos comentários que escrevi aqui e no 5dias sobre a intervenção da Mariana Canotilho, está bem clara a minha posição sobre as convocatórias múltiplas, etc.
OK?
msp
Claro. Muito claro. E lindo.
Nada de identidade ou de consignas próprias.
Estou finalmente esclarecido e espero que finalmente deixe de relevar a minha inteligência, ou falta dela. Percebo que isso dará cabo de pelo menos dois terços das suas postagens, mas não há nada a fazer. Sugiro que conte a partir de agora apenas com a sua.
Conseguiu ser mais polícia do que qualquer das duas polícias presentes na manifestação.
Merece muito mais do que um prémio. Merece ser promovido a um dos dois serviços de ordem.
Renato T.
Renato T,
ainda não percebi se você não percebeu a minha posição ou se está a distorcê-la de propósito.
O que eu escrevi, uns comentários acima, foi: "POLITICAMENTE, mantenho a mesma posição: poderiam e seria vantajoso que fossem convocadas para protestar diferentes organizações permanentes ou ad hoc, deixando em aberto a questão de saber se seria possível a integração condigna e negociada de todas no mesmo desfile ou se se realizariam duas, três ou mais concentrações simultâneas".
Entendido?
msp
Não.
"É absolutamente inadmissível querer introduzir numa manifestação contra as ambições imperiais do "bloco ocidental" alargado da NATO palavras de ordem de apoio a uma entidade dita "resistência islâmica", que amalgama regimes, ou forças que se candidatam a sê-lo, caracterizados por ambições imperiais e expansionistas de dominação global, proclamadas de resto em alto e bom som pelos seus agentes"
Renato T.
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