14/11/10

Limpeza

Fernanda Câncio prefere continuar a discutir a questão legal relativa à possibilidade de pintar ou não murais em paredes e remete para segundo plano a questão do tratamento policial a que foram sujeitos os militantes da JCP detidos na ocasião. É uma preferência como outra qualquer. Embora o polícia que atire a matar sobre sicrano ou beltrano também prefira discutir se o seu alvo passou o semáforo quando este estava vermelho; e, mais ainda, sendo que nestas ocasiões a mesma Fernanda Câncio tem procurado, de um modo que só merece louvor e elogio, reconduzir os debates sobre a acção policial à crítica da violência cometida em nome da ordem pública e não tanto à legalidade ou não da acção de quem é objecto da violência. Presumo que assim aja porque entende que uma coisa não justifica a outra. Não vejo o que neste caso seja diferente, a não ser, é claro, que Fernanda Câncio entenda que o direito à propriedade das paredes seja mais relevante do que o direito de um cidadão a não ser humilhado e violentado numa esquadra. Espero, sinceramente, que não seja esse o caso.

Bom, mas para não dizerem que estou a fugir ao assunto proposto pela jornalista, a propósito do essencial da sua crónica, queria apenas lembrar o seguinte. Câncio afirma, a terminar o seu sermão, que a liberdade de pintar paredes não deve ser maior do que a liberdade de ter as paredes limpas. Ora, assim colocada, a questão não resolve o problema que ela diz existir. É que uma parede pintada de branco não é objectivamente mais limpa do que uma parede em que se encontra um mural ou um grafitti. A limpeza não é um bom argumento de autoridade. O que é o limpo e o que é sujo não é propriamente da ordem do natural e mesmo que fosse está por provar que as paredes nascem brancas. Que tal possa não ocorrer à nossa jornalista será em razão do facto dos ideias de pureza pretenderem sempre resultar da ordem do absoluto. E não é preciso ser militante de um partido totalitário para cair em tal esparrela. Basta, por exemplo, não ter noção dos limites subjectivos do nosso gosto. Em "Sampa", Caetano Veloso disse: "porque narciso acha feio o que não é espelho". E não é uma má frase.

3 comentários:

Ana Cristina Leonardo disse...

Portugal é uma democracia há muito pouco tempo. É por isso que o nível do debate sobre a "legalidade" não passa nunca do seu nível formal. Acresce a isto, a falta de isenção dos intervenientes nos debates. Portugal foi transformado no país dos "presumíveis inocentes" tb. por isso. Só assim se explica que a questão da pintura das paredes se sobreponha ao tratamento aplicados aos pintores das mesmas. Como tb, só assim se explica que as escutas a alguns políticos deste país não tenham tido nenhuma consequência. E não, não é um problema formal de Direito; é um problema moral. Mas talvez só quem é democrata de pequenino possa perceber a diferença (e a relação).

Anónimo disse...

Ridículo. Atreva-se a pintar a minha parede, atreva-sa. Eu sei onde mora, comuna.

Zé Neves disse...

pode pintar a minha parede à vontade mas não pago as tintas.