A sociedade do Capital está-se assim transformando sob os nossos olhos, numa enorme fábrica em que as próprias relações sociais tendem a tornar-se momentos da acumulação. O movimento próprio do Capital produz certo tipo de relações entre os homens de que depois se apodera para as transformar em relações reprodutivas: dos insignificantes «apertos» no metropolitano à busca da «boa disposição», da necessidade de evasão (divertimento, fim-de-semana, férias) até às próprias relações sexuais, todo o tecido individual da vida quotidiana é, sempre que possível e é-o cada vez mais, transformado em mercadoria e vendido ao melhor preço. A crescente penetração da mercadoria na vida dita privada corresponde à progressiva perda de real carácter privado dessa mesma vida.
A vida quotidiana não é mais do que um momento da reconstituição da força-de-trabalho. A saúde consiste na capacidade de trabalhar e a medicina tem por função remendar a máquina humana de maneira a pô-la de novo em estado de funcionar. O urbanismo e o planeamento regional (aménagement du territoire) surgem como a cúpula deste processo, ao tenderem a planificar num sistema global: a casa, a unidade de produção, os transportes, os lugares de consumo e de não-trabalho, unificando assim o controle do Estado-Capital sobre o tempo e o espaço sociais.
Mas tal processo não se faz sem contradições cada vez maiores. Sem abrir o discurso ambíguo sobre a existência de «qualquer coisa» nos homens que não é redutível à mercadoria, a verdadeira cítica das teses da alienação e da reificação totais (que não podem, de resto, senão desembocar numa visão estática da vida social, de que não é possível sair sem apelo à pirueta ideológica da «tomada de consciência...desalienante»), consiste em mostrar como a mais forte contradição que emerge deste processo é justamente a possibilidade material, imediata, de aperceber ao nível da própria vida quotidiana a presença da exploração capitalista, de constatar quotidianamente a crescente subordinação de espaço e do tempo de vida às exigência do trabalho. Esta situação reforça e adensa as condições para uma socialização cada vez mais imediata e radical das lutas desencadeadas nos locais de produção; criam o terreno para a irrupção da violência e o enfrentamento com o aparelho repressivo do Estado.
«A revolução está na ordem do dia» (Cadernos de Circunstância, nº6, Março de 1970) in Cadernos de Circunstância (67-70), Lisboa, 1975, p.239
1 comentários:
e se pensassemos mais nas mentalidades das pseudo-élites e dos restantes
trabalho mal pago e maquinal fora do estado
trabalho burocrático e em geral melhor pago no público
1/3 recebe salários acima dos 1500 euros
logo aspirar a uma carreira nas forças repressivas e chegar dos 900
aos 1300 +gratificados é algo que interessa
arranjar um esquemazito e ganhar fazendo o menos possível
se não temos valores nem expectativas
se um programa de televisão ou um concurso são uma alternativa
a classe média é do funcionalismo
ultrapassa os operários industriais
o restante ganha a vida nos serviços
queriam o quê?
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