De um texto de Luís Januário em A Natureza do Mal, limito-me a sublinhar este parágrafo:
Os relatos de Kolimá são uma obra fantástica da literatura russa, um fresco de personagens multifacetadas procurando sobreviver [parcialmente disponíveis em tradução portuguesa editada pela Relógio d'Água, Lisboa, 2000]. É também uma narrativa difícil de ignorar. Foi possível, sim, delicados amigos humanistas, gentis amigos que conservais as mãos tão puras. Eu sei que virá o claro dia e que toda esta gente já morreu, as vítimas e os algozes, se os houve, pois todos cumpriam ordens, nada sabiam, nem viam ou cheiravam. E sei que uma ideologia não pode ser culpada se alguns a usaram para justificar a velha exploração de uns homens pelos outros. Mas esta ideologia da classe messiânica, da classe contra classe, do partido de classe, da vanguarda iluminada, vinha mesmo a calhar. E Kolimá existiu entre o final dos anos 20 e o início dos anos 60. Nos campos de Kolimá, em temperaturas de Inverno sempre inferiores a -10ºC e muitas vezes a -30ºC, trabalharam na exploração mineira milhares de “inimigos do povo”, enviados sem julgamento ou com processos sumários, para os campos de trabalho, em viagens que podiam durar 3 meses. Eram entregues ao frio e à fome, à violência dos prisioneiros de delito comum, dos guardas e do complexo sistema de regras do Gulag. A sociedade responsável por esta aberração queria construir um homem radicalmente novo. […] Se hoje nos preocupamos com a fatalidade histórica que, em épocas de recessão económica, ressuscita a xenofobia e o racismo e , de Bruxelas a Moscovo reanima a extrema direita, é justo que se lembre também a vida destes homens. E que o mínimo que se deve exigir a alguns que temos ao nosso lado, por um princípio de coerência e para que o dialogo faça sentido, é, não já que furem os olhos como queria Kundera, mas que, ao menos, leiam Varlam Chalamov.
15/11/10
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