27/04/11

"Deus não existe e nós somos os seus profetas"

Tinha 57 anos e quatro filhos. Trabalhava há três décadas na France Télécom. Pertencia ao grupo dos sortudos, dos que não foram para a rua durante o reinado de Didier Lombard, o PDG genial e empreendedor responsável pela “moda dos suicídios” e que bem podia, mais coisa menos coisa, ser um dos muitos filhos de puta que enchem os romances de DeLillo.
Ao velho funcionário, haviam-se limitado a transferi-lo de local de trabalho obrigando-o a mudar de residência e constantemente de funções. O homem, um fraco, um mal-agradecido, claro, não aguentou tanta modernidade. Tanta mobilidade. Suicidou-se pelo fogo no parque de estacionamento da empresa. Sozinho. Sem espectáculo e sem espectadores. Não o conseguiram filmar nem com a porra de um telemóvel.

10 comentários:

Zuruspa disse...

Esses todos que se suicidam poderiam ter tido a brilhante ideia de limpar o sebo aos patröes. Ai iam presos?

Assim estäo mortos, e os patröes riem-se a bom rir, a viver à grande... e à francesa!

Ana Cristina Leonardo disse...

Zuruspa, a sua sensibilidade comove-me

mjm disse...

os "colaboradores" das empresas são peças de xadrez!
Mas, são eles que geram a mais valia...dói ver tanta humilhação...hoje foi ele amanhã talvez nós?

Justiniano disse...

Grande texto, cara Ana Leonardo!!
Gostei, f...se! - Sozinho. Sem espectáculo e sem espectadores. Não o conseguiram filmar nem com a porra de um telemóvel.-

Anónimo disse...

Estamos no ponto zero da revolta! O máximo que um trabalhador empurrado pelos capitalistas e gestores para uma situação de desespero faz é suicidar-se. E na France Telecom já foram muitos. Veremos quando o primeiro, em França ou Portugal, pega numa arma e «suicida» um dos seus chefes ou gestores sacanas.
Nem sempre o desespero e a humilhação levam à revolta, podem levar à submissão ou à autodestruição...

Ana Cristina Leonardo disse...

Anónimo, quando perante a morte de um homem que resolve imolar-se pelo fogo - sozinho e sem espectáculo - o que ocorre é vir falar do "ponto zero da revolta", algo vai MUITO mal no reino da Dinamarca.
O ponto zero deste homem, a mim, pelo menos, deixa-me pequenina. E já agora gostava de saber qual o seu grau de "insubmissão" para ser tão rápido a julgá-lo como se de uma mera abstracção se tratasse.

Diogo disse...

Que desperdício! Tinha comprado uma granada e pedido uma reunião com a direcção (durante a qual tirava a cavilha).

P.A. Lerma disse...

chamar a um homi de 57 velho

é chamar ao Magalhães Godinho múmia

ou cadáver...e por acaso....

ou seja um tipo bem pago e habituado à estabilidade suicida-se que desgraça

tanta humilhação adonde?

esta canalha parece que nunca trabalhou

tive 23 empregos diferentes em França durante dois anos
duas semanas, um mês dormi em quartos com ratos com baratas

com percevejos

com franceses que nos desprezavam e marroquinos e argelinos e outros tantos que nos consideravam estranhos

4 a 5 pessoas em quartos exíguos a 50 ou 100 francos/ dia

quantos destes cabrões com vidas sub-humanas se suicidaram

quantos tinham filhos ou casa
quantos tinham algo para continuar a viver

muitos só tinham a refeição do dia seguinte

e suicidavam-se....nem um

portanto a vossa imbecilidade de gente sem calos nas mãos

comove-me

vão apanhar maçãs com 7 positivos das 5 às 19 horas que isso passa-vos

P.A. Lerma disse...

o ponto 0 de vidas muito mais miseráveis

imensamente mais miseráveis

isolados mal alimentados muçulmanos homens numa vida que sobre todos os aspectos é uma prisão

onde se trabalha para comer e com sorte para pagar as deslocações para outro trabalho

onde os flic's et les braves gens nos cospem em cima
emigrantes estabelecidos à muito incluídos

por 50 francos
vão....levar no cachaço da gendermerie quando dormirem ao relento ou em casebres ou em tendas

que isso passa

imbecilóides

os suicidas raramente são pobres
em extremo esses nada têm a perder

Ana Cristina Leonardo disse...

Diogo, quantas ideias geniais! Já pensou pô-las em prática?
P.A.Lerma, não o conheço de lado mas o senhor é um idiota(pobre, rico ou remediado - é-me indiferente)