30/04/11

No se puede vivir sin amar?

Apesar do casamento real, o romantismo já conheceu dias melhores. E não será preciso recorrer ao Romeu e Julieta ou ao desgraçado do Werther para perceber que já (quase) ninguém morre de amores. No facebook, esse barómetro contemporâneo do comportamento das massas (como antigamente se dizia), as pessoas deixaram de estar apaixonadas por (apesar da quantidade de casamentos desfeitos pelas facadinhas online) para passarem a estar… numa relação com.
Sem ter a certeza se Burroughs estava certo quando definiu a linguagem como “a vírus from outer space”, o facto é que as palavras são sintoma. Assim, não será por acaso que os jovens deixaram de empregar o verbo namorar no presente do indicativo — eu namoro, tu namoras, ele namora, nós namoramos, vós namorais, eles namoram — preferindo transformá-lo numa forma composta com recurso ao verbo estar como auxiliar temporal: A está a namorar com B; C e D estão a namorar; E (eu) estou a namorar com F (ele, ela ou mesmo @, este último surgido “from outer space” quando o “género” se sobrepôs ao “sexo”, na minha modesta opinião sem qualquer vantagem e antes pelo contrário).
Esta negação de futuro, ou, pelo menos, a adesão a um futuro incerto (sei lá eu se amanhã ainda estou a namorar) — o que nas relações laborais ganha o nome de “precariedade” (sim, isto anda tudo ligado) — é mortal para a invenção do amor (um poema muito em voga quando eu era jovem e se namorava para a vida mesmo que tudo terminasse logo no fim-de-semana).
Se isto é verdade, ou seja, se a banalidade da incerteza amorosa substituiu a inocência juvenil e o amor romântico, prevê-se que a literatura sofra um rude golpe. Como ler essa coisa absolutamente excessiva que é O Monte dos Vendavais? Como ler o dilacerante Debaixo do Vulcão? Anna Karenina? (deixo de lado a Joaninha e o Carlos do Viagens da Minha Terra que já na minha altura eram um pouco secantes…).
“Vamo-nos dar um tempo. Estou sem disponibilidade. Preciso de me dedicar mais ao blogue…”, eis um diálogo real dos tempos actuais. Será possível escrever um romance com pérolas destas?

10 comentários:

Miguel Serras Pereira disse...

Poder, pode - mas, Ana, não e a mesma coisa, pois não?
Às tuas pistas de leitura, acrescento para já, além da recomendação da sua reletura/recordação permanente, o exercício de reflexão de Octavio Paz em A Chama Dupla. Pode-se pensar sem poesia? Poder, pode, mas também não é a mesma coisa.
.
miguel (sp)

António Geraldo Dias disse...

Um blog muito cor de rosa.
Não se pode viver sem amar?
Não sei.
Mas pode-se sempre falar de amor.
Mesmo que o pretexto não seja o melhor.

Miguel Serras Pereira disse...

Caro AGD,
cor-de-rosa? eu diria que é mais para OVermelho e o Negro que o post da Ana nos remete - interrogando-se sobre as condições, por um lado, de um certo tipo de experiência, historicamente singular (cf. Octavio Paz), e, por outro, sobre o seu alcance ou incrição na dimensão cultural (usos e costumes - cf., por exemplo, Z. Bauman). (Curioso seria também ver como o individualismo económico (rentabiizar a própria ida, maximizar os ganhos calculáveis) acaba por ser solidário, no seu desenvolvimento, do risco de extinção do investimento, por parte de um ser único, da singularidade, para além de todos os equivalentes, de outro ser e do seu "indicível brilho" não-idêntico…)

Saudações cordiais

msp

Ana Cristina Leonardo disse...

António Geraldo Dias, apetecia-me responder-lhe "cor de rosa era a tua tia, pá" mas contenho-me

António Geraldo Dias disse...

Modos vários em que se encontra,ao despertar,o sujeito apaixonado, reinvestido no desejo da sua paixão:
"Imediatamente os seus males lhe vieram ao pensamento;não se morre de dor,ou ele morreria nesse mesmo instante".Miguel a propósito de Stendhal,lembrei-me de Barthes.

Alexandre carvalho da Silveira disse...

Eu sou da geração do amor livre. Mas depois o pessoal foi " ssentando". Uns casaram, outros juntaram os trapinhos, e as coisas foram entrando na "normalidade". Até que começaram os divorcios e as separações, mas isso já é outra historia.
O pessoal agora quer é curtir. Sem grandes compromissos. Nem sabem o que isso é. E o amor, está arredado das relações em que as pessoas encalham. São os tempos que vivemos.
Mas já não há pachorra é para tanta masturbação intelectual; a intelectualidade de trazer por casa com citações de autores " às duzias", não tem nada a ver com o assunto.

Miguel Serras Pereira disse...

Alexandre C da S,

"masturbação intelectual"? Conhece outra? Diga, homem, não se acanhe: a pólvora das suas ideias faz-nos falta.
Antecipadamente grato

msp

Miguel Serras Pereira disse...

Outra questão, Ana, na esteira do teu post: E se o amor fosse uma longa conversa, como dizia o Augusto Abelaira, e morresse como uma conversa quando já não passa, quando já não corre? E se, do mesmo modo, os usos e costumes do conversar, não sendo sua condição suficiente do acontecimento singular a que chamas "amor", fosse, todavia, condição necessária, atmosfera comburente, da da sua "chama dupla" ?

miguel (sp)

scriabin disse...

"O amor é eterno enquanto dura". Pôças, estava a ver que ninguém dizia esta.

Ana Cristina Leonardo disse...

miguel, ao citares abelaira arriscas-te...
-:)
mas sim, uma conversa. e onde introduzir aí a "conversa de surdos"? ou os silêncios, indispensáveis à conversa? (eu ouço cada conversa entre putos - miúdos e miúdas - que por vezes me sinto de Marte...)

scriabin, salvo erro, isso é daquele tipo brasileiro que mesmo em velho dava para engatar miúdas... é fraco, muito fraco