É compreensível que o Vítor Dias gostasse que o Rui Tavares tivesse explicitado que a desastrosa intervenção ocidental na Líbia excedeu amplamente o mandato das Nações Unidas, do mesmo modo que configurou uma acção que pouco tem a ver com a posição adoptada em defesa dos insurrectos — em termos diversos, de caso para caso — por gente como o próprio Rui Tavares, Rony Brauman, Miguel Portas e Marisa Matias, Jean-Luc Nancy, etc., etc. Com efeito, reconhecer e declarar em alto e bom som que a intervenção "ocidental" se fez em termos que perverteram e desfiguraram os apelos à solidariedade internacional contra os desígnios de extermínio anunciados por Gadafi só reforça a razão que, na altura, assistiu a quem tomou o tipo de posição a que me refiro (e que eu próprio assumi, como tornaria a assumir perante uma situação comparável).
No entanto, já é menos compreensível que o Vítor Dias não proteste também — embora não seja responsável pelos seus desvarios — contra gente de quem está politicamente próximo e que tem caracterizado, sem proceder a distinções, todo o campo anti-Gadafi como um bando de facínoras, apostado na destruição do país e na perda da sua independência nacional — mas que poupa as forças do (ex-)ditador a qualquer descrição comparável.
O mínimo que se pode dizer a este respeito é que não há desmandos cometidos por elementos do campo "rebelde" que não tenham sido cometidos e prometidos, antes e depois da eclosão da revolta, pelo regime de Gadafi. E assim continua a ser nas vascas da sua agonia. Ou haverá quem desqualifique, considerando-o propaganda de uma agência do capital financeiro, o testemunho que a Amnistia Internacional aqui presta?
Amnistía Internacional (AI) ha denunciado las muertes de numerosos detenidos en dos campamentos militares de Trípoli, los pasados 23 y 24 de agosto, a manos de fuerzas leales al coronel Muamar Al Gadafi, y ha recordó que el asesinato y la tortura de presos es un crimen de guerra.
La organización pro derechos humanos ha pedido a las dos partes enfrentadas en el conflicto de Libia que se aseguren de que "no se causan daños a prisioneros que se encuentran bajo su custodia". En un comunicado, AI relata el testimonio de detenidos que se escaparon del campamento militar Khilit al Ferjan en Trípoli donde, según describien, el pasado martes las tropas de Gadafi lanzaron granadas y dispararon contra grupos de prisioneros.
También contaron, según AI, cómo el pasado miércoles los guardias del campamento Qasr Ben Ghashir mataron a tiros a cinco personas que estaban detenidas en régimen de aislamiento. La organización ha instado a las fuerzas gadafistas a "frenar de forma inmediata esas matanzas de prisioneros" y ha lamentado que sus tropas continúen con "su desprecio flagrante por la vida humana y la ley humanitaria internacional", aunque "el coronel Gadafi esté acorralado y sobre él penda una orden de detención internacional".
Post-scriptum: Vale a pena ler também o post que o Rui Bebiano acaba de publicar sobre a Líbia.
26/08/11
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
12 comentários:
Desde 15 de Abril último que Rony Brauman assumiu publicamente a maior das desconfianças éticas e políticas sobre a intervenção camuflada das potências principais da NATO contra a Líbia, conforme tive a oportunidade de o sublinhar na altura. Depois disso muita água correu debaixo das pontes e os avisos de Brauman revelaram-se mais do que certos: há o espectro de surgir um novo Afeganistão - irredentismo tribal e poder estilhaçado omnipotencializados- a par de áreas ocupadas militarmente por tropas multinacionais para proteger o saque da riqueza de hidrocarbonetos...-. Nessa célebre entrevista, Brauman frisa: " Quando nos insurgimos, quando nos revoltamos, assumimos responsabilidades que é preciso saber assumir. Quando lutamos contra um poder qualquer, com a ideia de o vencer, é preciso construir uma relação de força interna, é preciso frjá-la. Se se trata de se apoiar sobre forças exteriores, aí, mergulhamos nas relações entre a minoria e os impérios que caracterizou a época imperial- e vamos direitos à Catástrofe ". Como se sabe, Sarkozy por inconfessáveis interesses espúrios de sobrevivência política, aliciou, é o termo, Obama e Cameron para esta terrivel aventura de funesto e equivoco etnocídio( mesmo Hilary Clinton estava desconfiada...), a coisa prolongou-se apesar do dlúvio fenomenal de mais de 20 mil raides de intenso bombardeamento em seis meses; e, no pico do Verão, nova escalada de intenso bombardeamento " esmagou " Tripoli e guiou os autodenominados " rebeldes " para a ocupação da capital líbia onde reina o caos e a morte. Niet
Anónimo,
se V. acha escandalosa a indiferença ocidental perante o que se passa na Síria, não compreendo que não a achasse igualmente escandalosa e hipócrita no caso da Líbia. Afinal, em que ficamos?
Anónimo e Niet,
creio ter deixado claro que a intervenção em curso na Líbia contrariou sob múltiplos e gravíssimos aspectos as intenções dos que reclamaram a criação de uma zona de exclusão aérea - Rui Tavares, etc. - ou apelaram a outras formas de apoio aos insurrectos (Rony B., por exemplo: este, opondo-se à intervenção, pensava, contudo, que se prestasse apoio em armamento, assessoria militar, etc. aos rebeldes e que se reconhecesse de imediato o seu comando como governo legítimo da Líbia…).
O que nãso tem pés nem cabeça é fazer do carcereiro e algoz, a cujos serviços Berlusconi recorria preferencialmente contra os "condenados de terra" que procuravam chegar a Itália, o representante da autonomia líbia frente aos intertesses da oligarquia europeia.
Finalmente, do mesmo modo que os crimes do regime de Gadafi não inocentam nem justificam as violações dos direitos humanos, etc. cometidas no campo "rebelde", também estes últimos não justificam nem atenuam a monstruosidade do regime que combatem e que continua a manifestar-se perante o silêncio e cumplicidade dos que gostam de encher a boca com a "independência nacional" líbia.
Ver a peça hoje publicada por El País sobre "As execuções [que] tingem de sangue Tripoli" (http://www.elpais.com/articulo/internacional/ejecuciones/tinen/sangre/Tripoli/elpepiint/20110827elpepiint_1/Tes)
Saudações democráticas
msp
Caro MS Pereira: Acho que se perdeu tempo ao não-discutir o caso líbio durante meses. Houve as corajosas posições iniciais de Nuno Ramos de Almeida- a que me associei- e depois um insuportável silêncio. Mas ainda há tempo de recuperar...O mesmo estilo de acompanhamento deve ser aplicado a qualquer tema, sobretudo destacando as divergências e contrariedades analíticas, e isso, MSP, deves procurar, rigorosa e implacávelmente, estimular sem fronteiras nem reverências que, por vezes, tornam menos brilhante o sentido subversivo último das tuas intervenções. Salut! Niet
Oficialmente, de resto, a NATO reconhece apenas estar a dar assistência de serviços secretos e reconhecimento às forças rebeldes na busca por Khadafi – o qual não é visto em público desde Junho e está dado como em fuga, sobretudo desde a queda de Trípoli, na terça-feira passada. O Reino Unido, tal como a França, Itália, Egipto e Estados Unidos, admite tão só ter “conselheiros militares” em território líbio, a prestar assistência ao Conselho Nacional de Transição, órgão político dos rebeldes.
Mas há também informações de que os britânicos têm tropas especiais no terreno, nomeadamente uma unidade do 22.º regimento das SAS (Special Air Force, tropa de elite), envergando roupas civis árabes e empunhando armas similares aos rebeldes, e as quais terão até participado na batalha de Trípoli e agora centram a sua missão em ajudar os rebeldes nos esforços para localizar e capturar o coronel. A AFP revelara ainda ontem que soldados britânicos e também franceses estão em Zuaytina, onde opera o comando central rebelde da frente oriental de batalha, a uns 150 quilómetros para sudoeste de Bengasi.
Jornal O Publico
Sim, Anónimo que cita o Público - tudo isso e muito mais pode ser apontado: não o escondo nem o nego. Mais ainda: cito fontes que referem factos que provam que o campo dos rebeldes não é, em bloco, o campo da revolução democrática. Só que é preciso dizer também o que se passa do outro lado - e deixar claro que a primeira "agressão contra o povo líbio", contra a sua liberdade e direitos, foi a do regime de Gadafi.
Saudações democráticas
msp
Informações cruzadas expostas na grande Imprensa mundial revelam antecipação na intervenção de tropas especiais( SAS e CIA)no teatro de operações líbio, quase três semanas antes do desencadear dos bombardeamentos preventivos da NATO contra as forças leais a Khadaphi, segundo assinalou ontem o diário italiano La Stampa. A peça do grande jornal milanês aprofunda informações anteriores impressas no Sunday Mirror e no International Herald Tribune, que sinalizaram o envolvimento dos comandos ingleses e yankees no território líbio algumas semanas antes do início da intervenção de bombardeamento das forças da NATO. A tese do socorro humanitário evocadas para a missão da NATO ficam substancialmente reduzidas, portanto. As rivalidades de rapina e cobiça entre a França e a Itália são também mencionadas com profundidade e inquietação. Niet
De acordo, meu caro. E sublinho a importância de denunciar todas as acções e manobras do tipo que descreves. Mas sublinho também que o meu ponto é que nada disso absolve o regime de Gadafi, nada disso deslegitima a revolta popular contra ele, nada disso nos desobriga de solidariedade com os que reclamam as liberdades e direitos fundamentais contra os mercenários, torcionários e hierarcas líbios.
Salut et liberté
msp
Tens razão sobre o carácter totalitário- pirâmide burocrático-militar e ultra-familialismo na concentração despótica do poder pessoal do " Guia " líbio- caríssimo MS.Pereira. No entanto, o que vai por certo surgir,mais cedo ou mais tarde, por todo o Médio Oriente é uma adicional tensão política e social que pode agravar sensivel e demoradamente os benefícios do processo de libertação da Líbia em toda a ultra estratégica zona. E existem sinais profundos de uma insofismável e crescente animosidade russa- que apoiou o " sistema " Khadafi de forma muito profunda até ao fim...- contra os interesses dos USA e aliados em toda a vasta zona. Essas " ondas " de perturbação e rivalidade- a que a China se associa camufladamente-podem desenvolver-se e originar, de forma abrupta e sangrenta, alterações políticas e geoestratégicas na Síria e no Irão,e não poupando mesmo o regime de liberdade condicionada do reino celestial dos Saud,desencadeando um processo politico e militar que implica um colossal "investimento" da parte dos USA e seus aliados. Hoje, sabe-se pela frieza dos números realizados, que os miríficos superavits( produto da riqueza em hidrocarbonetos...) acenados pelo Ocidente para justificar a " conquista " do Iraque estão longe de satisfazer os cartéis petrolíferos que se sucederam na exploração dos recursos petroliferos da antiga Mesopotâmia. Salut! Niet
Desde a década de 80 que os Estados Unidos pretendiam derrubar Kadhafi e isso por duas razões
* Apoio da Libia a grupos armados radicais (Eles nunca esquecem...)
* Petróleo
Direitos humanos é o argumento oportuno do momento. De tal forma oportuno que até serve para convencer pessoas como o Miguel Serras Pereira, libertário e anticapitalista...
Anónimo Dos Direitos Humanos,
há um velho adágio, talvez aplicável a certos aspectos do caso, que diz: "Roma não paga a traidores". Do ponto de vista de muitos dos que um dia foram seus aliados ou cúmplices, Gadafi só pode ser considerado um traidor - fiel apenas ao seu próprio delírio de poder ilimitado e regado pelo petróleo. Do PCUS ao império de Berlusconi, da aposta na destruição de Israel à proposta de fusão das populações de Israel e da Palestina num só Estado criado sob os seus próprios auspícios e por ele baptizado, dos porjectos de aneação mais variados à demagogia da "revolução verde", a chave do seu comportamento não varia.
É estranho que V. não o veja - que não o veja seja quem for.
É por isso que, sendo justo que denunciemos a hipocrisia das oligarquias governantes no Ocidente, a duplicidade dos seus critérios, pesos e medidas, o modo como tentam agora recuperar em seu benefício a revolta popular contra Gadafi e o seu regime, essa denúncia só será convincente se não se esquecer de visar também o coronel e os seus métodos e não for formulada em termos que, directa ou indirectamente, justifiquem o seu regime.
Saudações democráticas
msp
Na lista de espera dos "direitos humanos" está o Irão...Só que é um osso duro de roer.
Já a Arábia Saudita e o Paquistão ficam de fora!
Se essa cruzada dos "direitos humanos" tivesse começado nos anos 60/70 outros deveriam ter invadido os Sates.
Coisa que nenhum americano iria compreender. Ainda hoje não sabem porque tanta gente no estrangeiro não gosta deles.
seria um verdadeiro prazer bombardear o paquistão e a arábia saudita.
ao mesmo tempo, se possível.
porque raio não fui eu para a Força Aerea???
Enviar um comentário