O Nuno Ramos de Almeida tem razão quando escreve: O seu discurso de colocar todas as políticas e todos os partidos no mesmo saco, tem uma consequência: o estabelecimento de uma política anti-partidos. Historicamente isso tem um nome: fascismo. Não acredito na democracia sem participação, mas tb não acredito numa democracia contra a existência de partidos. Mas esquece-se de acrescentar que isso não nos deve levar a ignorar a natureza política e social dos partidos que protagonizam as peripécias da cena política dominante e funcionam como elementos fundamentais do modo de governo e exercício do poder que correspondem àquela.
Com efeito, se a "democracia participativa" da qual se reclama não proíbe, antes reclama e tem como condiçãõ de possibilidade, a existência de movimentos e organizações de cidadãos que apresentem propostas e formulem objectivos alternativos, a verdade é que os partidos que hoje se apresentam como concorrentes na cena política oficial integram na sua organização e concepções uma divisão hierárquica e classista do trabalho político, reproduzindo, através da distinção estrutural e permanente, entre representantes e representados — e, na realidade, entre governantes e governados —, que funciona como um dispositivo de exclusão e negação da "democracia participativa" enquanto exercício do poder político pelo conjunto dos cidadãos, em pé de igualdade. E a verdade é que a participação democrática do comum dos cidadãos nas decisões comuns, que a todos vinculam e definem as condições colectivas da vida na cidade, não pode deixar de combater os partidos enquanto instâncias políticas profissionais especializadas na função de governar, cujo monopólio reivindicam.
Se a democracia implica a legitimidade de organizações de cidadãos que intervêm e propõem iniciativas, implica também — como escrevi há tempos, a propósito da palavra de ordem "Democracia Já" — [n]ão, por certo, a proibição dos partidos ou formas de expressão organizadas por grupos de cidadãos interessados em dar a conhecer as suas opiniões e propostas aos demais, mas, sem dúvida, a transformação radical das formas de organização existentes ou a criação de novas formas de associação política que nos permitam operar a substituição do voto em partidos comandados por políticos profissionais pela eleição de delegados, com partido ou sem ele, que mandatemos, possamos regularmente revogar segundo procedimentos simples e claramente definidos, e sejam responsáveis perante os eleitores, e não perante partidos cuja "representatividade" é inversamente proporcional à participação e à assunção das responsabilidades governantes pelo comum dos cidadãos. Trata-se, em suma e para simplificar, de substituir o voto que esgota e exclui até à convocação de novas eleições gerais a participação governante pelo voto que reforça e traduz essa participação permanente, que é uma das condições da cidadania - ou seja, dessa efectiva participação sem a qual, de acordo com o Nuno, o exercício do poder democrático é inverosímil.
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7 comentários:
Os irritados
«Irritam-me manifestações que se vêem na obrigação de garantir que são “apartidárias”. Não consigo ver nenhuma qualidade superior no facto de uma pessoa não ter partido.» Nuno Ramos de Almeida
«Não consigo ver nenhuma qualidade superior no facto de uma pessoa ter partido.» Eu
E irritam-me pessoas que defendem que a democracia liberal e partidária é o fim da história, principalmente aqueles que se acham muito de esquerda e cultos.
Cremos, ao contrário do anónimo, das 10.11 horas, que é possível ultrapassar a politica politiqueira da vida partidária tradicional escrava da divisão fundamental do capitalismo dada pela divisão frontal entre dirigentes e dirigidos. Como frisa Castoriadis, desmistificar e ultrapassar tal divisão " é o ponto de vista que devemos assumir para nos situarmos em relação aos movimentos de que estamos a falar: representam formas novas, autónomas, de organização colectiva? Instaura-se neles um outro tipo de relação entre as pessoas e a sua organização colectiva, fazendo com que as pessoas efectivamente a controlem? É este o critério essencial. Não condenamos o Partido comunista, ou qualquer organização burocrática, pelo facto de ser uma instituição; mas por ser uma instituição burocrática, uma vez que essa instituição, na sua forma, na sua estrutura, na sua organização, na sua ideologia, é necessariamene heterónoma, alienada e alienante, opressiva para os seus membros e para os outros ". O autor da Instituição Imaginária da Sociedade " avança também com esta subtil diferenciação no que se refere ao papel dos movimentos sociais e políticos que, no interior da sociedade de classes, tentam lutar pela Autonomia- que se inscreve pela tentativa de implantação da Autogestão, da Auto-Organização, o auto-governo colectivos em todos os domínios da vida pública. E avisa e exemplifica de forma magistral todo o processo de transformação social e político posto em marcha com mais ou menos sucessos em Maio 68 ou na revolta dos liceais franceses de 1995, por exemplo. " Na medida em que não são simples movimentos de explosão e de expressão, mas também movimentos de criação, de instituição social, traduzem e encarnam a aspiração das pessoas à Autonomia. Por aí, anunciam e preparam a única transformação radical da sociedade que pode haver: o advento de uma sociedade Autónoma, que assume pela primeira vez o seu auto-governo, que estabelece ela própria as suas leis. A lógica unificadora destes movimentos, e a sua ligação com o projecto de transformação radical da sociedade, encontra-se nisto mesmo, no facto de encarnarem já, ainda que de modo parcial, fragmentário, balbuciante, estas significações políticas centrais: autogestão, auto-organização, auto-governo, auto-instituição ". Niet
O Anónimo das 12.34h está totalmente enganado, deve estar a falar do Nuno Ramos de Almeida e não do anónimo das 10.11 h.
É pena a dificuldade que as pessoas têm em ler, mesmo quando a escrita é clara...
Niet,
como sabes, acho que por vezes abusas das citações. Mas as que aqui fazes vêm plenamente a propósito - nem precisavas de ter "maiusculado" as palavras "autonomia" e "autónoma".
Quanto ao meu post, a ideia é distinguir entre "partido" como corrente de animação, opinião e proposta, e "partido" como aparelho de representação e exercício de um poder "separado", que reproduz a divisão política do trabalho e a divisão do trabalho político sob as suas formas hierárquicas, ou classistas e para-estatais… Suponho que terás dado por isso e tenhas querido reforçar a mesma ideia sob outra forma, alargando-lhe a substância e o alcance. Se assim foi, acertaste em cheio.
Salut et liberté - e ventos prósperos
msp
Anónimo das 14 e 20,
concordo. A citação de CC que o Niet propõe parece-me certeira, mas não refuta a ideia de "a democracia liberal e partidária" NÃO é necessariamente o fim da história. Pelo contrário, sublinha a necessidade de pensarmos a democracia para além dos moldes da representação (tanto "liberal" como "vanguardista", acrescente-se por escrúpulo de consciência). E é essa, também, a sua ideia, tal como a do primeiro Anónimo - se os leio bem…
Saudações democráticas
msp
Caro MS.Pereira: Como deves saber, puxo das citações quando o tempo aperta e penso a urgência ética de sublinhar teses fundamentais. Debord, salvo erro no Panegírico, sublinha bem esse dispositivo que, ainda para mais, foge a celebrações intimistas e subjectivas muito arreliadoras...e auto-desarmantes. O anónimo das 10,11 horas podia, com franqueza, rarificar menos a molécula intelectiva e citar Lukàcs ou Weber...Também optou pelo " estilo " militante ...em campanha, o que é de sublinhar. E me reconforta. E tu, meu caro, bem sabes que vamos ter pela frente um livro de confissões do C. Vidal, anunciado pela Bertrand. Por isso ,toca de afiar todos os instrumentos. Como diz o MS. Ramos, vai ser de assobios e apitos, olé! Liberté et égalité! À vous, sans peur ni remords! Niet
«O anónimo das 10,11 horas podia, com franqueza, rarificar menos a molécula intelectiva e citar Lukàcs ou Weber...Também optou pelo " estilo " militante ...em campanha, o que é de sublinhar.»
Tentei traduzir este parágrafo e não descobri ainda qual é a língua em que foi escrito. Vou ler algo sobre alquimia & hermetismo.
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