17/05/11

O PCP, o BE e a "questão europeia"

Se um sobressalto de movimentos populares por parte dos trabalhadores e dos cidadãos europeus não conseguir impor rapidamente aos governos e instâncias de decisão política da UE que arrepiem caminho, o mais provável e virmos a ter a relativamente curto prazo este quadro que o Rui Tavares antecipa em meia-dúzia de parágrafos:

Em outubro do ano passado encontraram-se Merkel e Sarkozy na estância balnear francesa de Deauville — e enterraram a ideia que poderia ter estancado a crise da dívida, salvado o euro e dado a volta por cima à economia europeia. Uma ideia simples, mas poderosa: tomar a economia da zona euro como um todo e dotá-lo da capacidade de emitir dívida para este apetecível mercado de 400 milhões de pessoas com invejáveis indicadores — quando tomados no seu conjunto. Isto seria feito através dos chamados eurobonds — títulos da dívida europeia.

No encontro de Deauville, Merkel e Sarkozy prometeram fazer tudo para salvar o euro — menos, precisamente, aquilo que poderia salvar o euro. Os eurobonds, que eram então discutidos seriamente, foram liminarmente recusados.

Dois indivíduos decidiram por todos os outros.

Meses depois, ninguém lhes pede explicações. Não temos tempo para isso: estamos ocupados a ter de decidir entre cortar nos salários ou subir os impostos (e vamos fazer ambos), entre renegociar a dívida agora ou daqui a uns tempos, após o que sofreremos vigorosas pressões para sair do euro. Dilacerados entre o mau e péssimo, como acreditar que em tempos a escolha era entre o bom e o mau — e que foi escolhido o mau?

Ainda assim, é extraordinário que não haja em todo o continente europeu uma voz que diga: vocês escandalosamente arredaram da mesa uma ideia que tinha todas as razões para estar lá. E desde que o fizeram, dois países morderam o pó.

A crise alastrou como uma peste combatida apenas pelo fetiche da “austeridade” em termos absolutamente irrealistas. A queda da Irlanda e de Portugal, nestes termos, era apenas uma questão de tempo. Tal como será a renegociação grega, a pressão sobre a Espanha e a fragmentação da moeda única.


É provável que o PCP se prepare desde já, apostando na concretização deste cenário — que o Rui antecipa para sublinhar a urgência de o evitarmos — para celebrar como uma vitória estratégica da sua visão "patriótica e de esquerda" da restauração da "soberania nacional" a potencial catástrofe que ameaça as liberdades políticas e os direitos sociais dos povos da Europa. No que toca ao BE, a refragmentação política da UE, que a fragmentação do euro anunciaria, não poderá ser ensejo para outra celebração que não a da organização da sua própria festa fúnebre. O que talvez não fosse excessivamente grave se, em vez de abrir caminho a uma reorganização e recomposição da acção democrática instituinte, não correspondesse também a um indício mais da degradação, na paisagem ambiente, do terreno propício a uma alternativa suficientemente democrática — e radiacal quanto baste — para fazer recuar a extensão dos poderes discricionários da economia política dominante, alargando ao mesmo tempo as perspectivas da mundialização das liberdades e direitos democráticos à escala global.

6 comentários:

Anónimo disse...

Cenário A: arcamos com a dívida ou grande parte dela, ficamos no euro, não conseguimos ser competitivos, estamos tramados a longo prazo (business-as-usual)

Cenário B: somos forçados a sair do Euro (talvez quando a crise atingir a Espanha) ao mesmo tempo que todos os PIIGS e é o início do desmembramento europeu. Gigantesca recessão.

No cenário B antevejo uma radicalização da população em geral, pois a realidade cederá num curto espaço de tempo. Isso nunca acontecerá no cenário A, que é uma morte lenta que já estamos a sofrer (e já vemos pelas sondagens que as pessoas continuarão a votar nos partidos do costume).

Anónimo disse...

E aliás, não é por acaso que o FMI vai entrando em diferentes países após uma margem de tempo de segurança. No tempo mediático, meio ano é pouca coisa e não permitirá qualquer tipo de "solidariedade internacionalista" que facilmente apareceria se todos os PIIGS fossem apanhados ao mesmo tempo na obrigação de repor a liquidez da banca da europa central.

Anónimo disse...

A questão do futuro da U.E. coloca-se mesmo. Delors bem o diz numa intervenção perante a Fundação Terra Nova, que congrega elementos do Partido Socialisra francês.O excesso de divia pública e as fragilidades bancárias( privadas, acima de tudo), podem criar uma irrefragável recessão, que pode ser uma deflacção, altamente perigosa para todos os estados-membros. E que venha a confirmar a tese dos economistas anglo-saxões que dizem que o Euro só terá viabilidade numa Europa federal, Estados Unidos da Europa. A não perder, pois: Delors sobre a Dívida Soberana.www.sauvonsleurope.eu
Claro que, será desejável confrontar esta hipótese de Delors com os criticos da economia politica como Paul Jorion ou Daniel Cohen. Niet

Anónimo disse...

Olá, desculpem, se insisto: a argumentação do Delors pode ser muito importante. Ele frisa que o BCE operou mal com a crise de 2008,permitindo que a divida interna e externa de certos Estados crescesse exponencialmente; critica com classe a forma como a sra.Merkel desenvolveu um diktat imperativo de redução do déficit Orçamental muito constrangedor para os seus parceiros da U.Monetária; a integração econ´mica da UE processou-se de forma perigosamente(!) assimétrica -a nivel das taxas de inflação, de juros e da divida pública; e, sobretudo, a falta de coordenação económica e financeira na UEM permitiu o triunfo das visões truncadas das teses monetaristas! A não perder, pois.O texto procura-se no site: Delors sobre as Dívidas Soberanas. Niet

Miguel Serras Pereira disse...

Ora essa, Niet - pedes desculpa de quê? Os documentos que citas são mais do que pertinentes para a questão em apreço e oxalá chamem a atenção de mais alguns para ela. Tal foi também o meu propósito ao chamar a atenção para o texto do meu amigo Rui Tavares.

Bom vento, como tu costumas escrever - e salut!

msp

Anónimo disse...

Thanks, MS.Pereira. A não perder o bilhete do F. Leclerc de hoje no blogue do P. Jorion.Salut! Niet