03/06/12

Contra a estupidez dos governantes e a superstição dos governados

Não posso dizer que me reveja nas opções políticas de fundo de Joschka Fischer ou dos Verdes alemães. No entanto, isso não me impede de reconhecer o facto de ele formular uma evidência que seria urgente traduzir em acção quando agora escreve (cito o seu artigo a partir da versão castelhana publicada em El País):


No nos engañemos: si se desintegra el euro, lo mismo ocurrirá a la Unión Europea (la mayor economía del mundo), lo que desencadenará una crisis económica mundial que la mayoría de las personas vivas actualmente nunca han padecido. Europa está al borde del abismo y sin duda caerá en él, a no ser que Alemania —y Francia— cambien de rumbo. [Porque] Una cosa es segura: la desintegración del euro y de la UE entrañaría la salida de Europa del escenario mundial. La política actual de Alemania es tanto más absurda en vista de las graves consecuencias políticas y económicas que afrontaría.

Dizer que a doutrina Merkel que actualmente governa a UE é "absurda" é uma maneira elegante de dizer que ultrapassa em estupidez — do próprio ponto de vista dos interesses de realpolitik e/ou de "política de potência" da região — tudo o que o parece concebível. Mas, como Carlo Cipolla sugeriu em tempos, pecando a sua demonstração apenas por defeito ou excesso de bonomia,  a estupidez tem um lugar de destaque na história do mundo.  E os seus efeitos catastróficos estão à vista,  pedindo meças aos maiores desastres trágicos, e distinguindo-se deles pelo simples facto de relevarem, não da tragédia, devido justamente a estupidez das suas causas, mas da farsa sinistra e necrófila. E aqui o símile adequado seria aquele que Joschka Fischer evoca no início do artigo, quando fala de um corpo de bombeiros dirigido por Angela Merkel, fazendo com que "a Europa continue a tentar apagar o fodo com gasolina —a austeridade (…)—, o que, em apenas três anos, conseguiu que a crise financeira da zona euro tenha acabado por tornar-se uma crise que ameaça a própria existência europeia".

Mas, se é justificado que sintamos um assombro semelhante ao experimentado por Kant perante a imensidão do céu estrelado e o sentimento moral dos humanos, quando consideramos a desmesura da estupidez dos governantes da UE, o enigma maior e mais ameaçador em termos de racionalidade democrática é o do crédito substancialmente mais do que nulo que continua a ser atribuído pelos governados dos quais fazemos parte a esses mesmos governantes e ao regime que consagra o seu estatuto e o dos interesses que defendem, excluindo-nos de todas as decisões mais importantes que nos dizem respeito, e nas quais se jogam as condições colectivas fundamentais da nossa existência. Por isso, combater a estupidez que excede e agrava até ao absurdo o peso de todas as condições objectivas que se queiram, aceitar a urgência da luta de morte contra a estupidez que governa a Europa e a superstição que a consagra e credencia nesse papel, é um imperativo cívico primeiro para todos os que não se resignem ao eclipse prolongado que ameaça esse traço historicamente distintivo do imaginário europeu que é a ideia de democracia.

4 comentários:

JOSÉ LUIZ FERREIRA disse...

"Contra a estupidez, os próprios deuses lutam em vão." Concordo consigo em que a estupidez tem feito mais mal, ao longo da história humana, que o próprio mal. Mas não me surpreende que ela vença tantas vezes; surpreende-me, pelo contrário, que a inteligência ainda consiga vencer de vez em quando. As políticas certas são demasiadas vezes contra-intuitivas, enquanto as erradas têm do seu lado o senso comum.

Anónimo disse...
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Anónimo disse...

Hello, caro MS Pereira: Não te escandalizes muito por ver o "enragé " Fischer a tecer loas a Cameron, o super-amigo de Obama... Mas como obrigar a eng-a Merkel a contornar a austeridade? Só por eleições onde o SPD consiga a maioria. Com a espiral do medo(s) que corre(m) a Europa, ninguém o sabe. Mas é possivel que haja uma Grande Coligação de novo, porque os liberais teutónicos estão pelas ruas da amargura. E que dizer do " nosso " Krugman que defende a saída da Grécia do Euro, e já ? Joszcha Fischer já não é dos Verdes alemães, coligação heterdodoxa e radical, que ele conduziu até ao patamar do segundo maior partido da Germânia. É obra! Bakounine gostava de repetir, citando Maquiavel, que o " crime é a condição da existência própria do Estado ". Liberté et égalité! Niet

Anónimo disse...

Talvez tenha interesse em sinalizar a argumentação de Paul Krugman sobre a saída da Grécia do Euro, tese que anunciou a contre-coeur numa entrevista recente ao Der Spiegel. Ele defende técnica e politicamente a adopção pelo BCE do modelo da FED yankee, e critica o deixar andar da chancelerina Merkel. Mas aponta, in fine: " Les dirigeants grecs se sont mal comportés, et qu´ainsi la question politique pour une exposition illimitée à la Grèce était très difficile à soutenir. La position est beaucoup plus facile à soutenir, pour l´Espagne puis le Portugal et l´Italie, qui n´ont rien fait de mal du point de vue officiel ". Salut! Niet