28/04/15

SINTONIA OU TALVEZ NÃO


 O encontro entre Costa e Piketty foi salientado como uma reunião entre pessoas que partilham não só uma opinião comum sobre os malefícios da austeridade como uma opinião comum sobre o que fazer para retirar a Europa do buraco em que se encontra.
Será assim?  Será que Costa é capaz de subscrever  a seguinte declaração de Piketty:  “ A dívida de Portugal vai ser reestruturada. É tão simples como isso.”  Afinal o PS defende ou não a restruturação da dívida pública portuguesa?  Ou defende “caminhos alternativos”,  para acabar com a austeridade, que não passam pela reestruturação da dívida?  Piketty parece achar que esses caminhos alternativos são uma inutilidade.
Piketty critica abertamente Hollande cujas políticas acusa de serem pró-austeritárias e defende o direito de países como a Grécia a reclamarem a renegociação da sua dívida. Recorre ao exemplo histórico da Alemanha, como qualquer economista “esquerdista” cá do burgo.
E o PS? O que separa afinal Costa de Hollande?
Há ainda a magna questão da desigualdade tão cara a Piketty e tão pouco valorizada no discurso dos socialistas portugueses.
Como Costa ofereceu a Piketty o documento com o cenário macro-económico socialista, o documento Centeno, ficamos a aguardar os comentários do economista francês.
Talvez nessa altura se perceba melhor o que os une e o que os separa.

4 comentários:

Niet disse...

Piketty foi a Lisboa quando começa a ser muito contestado em França. Fréderic Lordon não hesita em apelidar as suas soluções de recursos de uma social-democracia mole, como o imposto progressivo, etc. Por certo que está a par da evolução do debate. A conjuntura politica portuguesa precisa de outras alternativas e mais determinação...Niet

António Geraldo Dias disse...

Inteiramente de acordo consigo:"O que vai acontecer é que as dívidas públicas da Grécia, Portugal e Itália vão ter de ser reestruturadas. É tão simples quanto isso. As pessoas agora dizem que não, mas é sempre assim na história da dívida pública: as pessoas dizem que não a uma reestruturação de dívida, mas depois ela acontece."Mas gostava de recolocar a questão num âmbito mais vasto a partir de um texto da "Irish Left Review:In the election the people would have a real choice between the Movement or the establishment parties. The Movement for A New Republic would say to the people ‘we are standing for election to become a government of the people that will not involve any of the establishment parties’.[From Protest to Politics: How Can We Get a New Republic?]

José Guinote disse...

Meu caro Niet julgo que há um consenso sobre o trabalho de Piketty. Sendo poucos os que criticam quer a dimensão da recolha/pesquisa efectuada quer a preocupação com a desigualdade, são muitos mais os que o acusam de não propor uma solução eficaz para permitir uma sociedade mais justa. Conheço as críticas de Harvey e as de Zizek e vou passar a conhecer as de Fréderic London. Essa contestação que refere em torno das soluções propostas julgo que remonta à data da publicação do livro. O que eu queria salientar eram duas coisas. Por um lado Piketty diz, alto e bom som, que a restruturação das dívidas dos países sob resgate é inevitável e vai mesmo acontecer. O PS nunca disse isso, antes pelo contrário. Em segundo lugar Piketty defendeu que a desigualdade estrutural impede a recuperação económica. Isso contraria a tese do PS, e de Costa, de que a aposta no crescimento vai permitir depois redistribuir melhor o rendimento e atenuar a desigualdade. Na práctica este é o paradigma neoliberal, mais coisa menos coisa. A questão é que não vai haver crescimento que se veja com este nível de desigualdade. Provavelmente, ao contrário, a desigualdade vai crescer. Quem nos dera a nós, um dos mais desiguais países da Europa, que Costa fizesse suas as posições de Piketty. Sobre esta matéria da desigualdade, que me é cara, o meu pequeno livro de referência é o “The Cost of Inequality – Why Economic Equality is Essential for Recovery” do Stwart Lansley.

Niet disse...

Justamente, caro José Guinote, Frédéric Lordon publica na edição de Maio do Monde Diplomatique uma análise critica ao livro de Piketty,depois de um memorável frente-a-frente no programa da France 2, " Ce soir(... ou jamais), de 17 de Abril pp. De referenciar ainda um texto no Monde Diplo. do ano transacto, assinado por Russel Jacoby, da UCLA; Merece muita atenção também o texto de Geoffroy de Lagasnerie, no Libé, muito caustico e dois " estudos " de Gérard Duménil e Dominique Levy, autores do grande panfleto " A grande bifurcação, para acabar com o neoliberalismo, na revista " Economie et Politique ", saido nas edições La Découverte, onde Frédéric Boccara também assinou um texto muito critico. Lagasnerie, por exemplo, tem a coragem de sublinhar as tendências anti-marxistas e conservadoras de Piketty, colando-o à influência
dos " historiadores " Rosanvallon e de Furet( que faleceu nos anos 80). No vivo do assunto, o J. Guinote tem toda a clarividência e razão em apontar o limitadissimo e incongruente " pikettismo " dos cenários macroeconómicos do candidato Costa. O que não deixa de nos inquietar, claro. Salut! Niet