18/05/15

Le Corbusier: O arquitecto enquanto fascista - I

A edição de um livro que associa o arquitecto franco-suiço Le Corbusier ao fascismo, provocou uma moderada agitação nos meios de comunicação internacional e nacional. Le Corbusier, pela sua importância e influência na arquitectura e no urbanismo do século passado, é uma personagem que suscita uma vasta veneração e polémica quanto baste. O livro que determina esta "agitação" recente questiona as razões dessa adoração -particularmente na França que o elevou à dimensão de herói nacional -  a partir da constatação, historicamente demonstrada, de que o arquitecto e urbanista foi um convicto adepto do fascismo e das suas ideias  e um apoiante empenhado do regime de Vichy e da ocupação nazi da França.
O conhecimento da sua relação com o fascismo não é um dado novo. Outros autores, sobretudo os que se preocuparam com a dimensão urbanística da sua obra, questionaram ou referiram essa sua dimensão . François Choay, Petter Hall - que nutria um profundo desprezo pela personagem - e mais recentemente Anthony Flint escreveram sobre o "Grande Arquitecto" e todos eles não ignoraram essa sua filiação política. Peter Hall  no seu  livro " Cities of Tomorrow" parodia um trecho da oração de Marco António, no Julius Ceasar de Shakespeare [ (...)o mal que os homens fazem vive depois deles. O bem é, com frequência, enterrado com seus ossos(...) ] para escrever: " O mal que Le Corbusier fez vive depois dele; o bem talvez esteja enterrado com seus livros, lidos raramente, pela simples razão de serem, na maioria, praticamente ilegíveis." Mas Peter Hall refere objectivamente a relação de Le Corbusier com o fascismo. Diz ele: "(...) Na Segunda-Guerra Mundial, com a instauração do governo-fantoche de Pétain em Vichy, julgou que a sua vez tinha finalmente chegado. Convidado para encabeçar uma comissão de estudos sobre habitação e planeamento, produziu um esquema para uma elite de urbanistas que dirigiria enormes escritórios de arquitectos e engenheiros, capazes de se sobreporem a qualquer interferência.(...)"
Sobre as simpatias do arquitecto franco-suiço  pelo fascismo muito já foi dito ao longo de décadas. Esse facto não anula ou minimiza a importância da sua obra teórica e práctica mas não deve ser ignorado quando se trata de discutir as suas consequências.  Le Corbusier como alguns outros arquitectos famosos do século passado ou eram convictamente fascistas - o que parece ser o caso - ou não se importaram de alinhar com o fascismo/nazismo - ou outra forma despótica de poder -  desde que isso pudesse significar maior sucesso e a possibilidade de deixarem a sua marca, como aconteceu com Mies van der Rohe´s e as suas fracassadas tentativas de cair nas graças de Hitler. Deyan Sudjic no seu livro " The Edifice Complex. How the Rich and Powerful Shape the World" dedica um capítulo ( The Long March to the Leader' s Desk) à relação entre Hitler a arquitectura e os arquitectos. A opção de Hitler por Albert Speer em detrimento de Mies - existiu uma escolha -  deveu-se, segundo o autor, ao facto de Speer se ter "devoted himself entirely to realizing the architectural ambitions of his master, while Miles, though he would bend and compromise on political issues, was unyielding about architecture."  Como se sabe todos escaparam às suas responsabilidades políticas como aconteceu, escandalosamente, com Speer, que foi também Ministro do Armamento do Reich,  arquitecto oficial do nazismo  e servo fiel de Hitler, desde o dia em que encenou o comício de Nuremberga de 1943, com as famosas "Catedrais de Luz",  até ao último dia de vida  do líder supremo dos nazis, cercado no seu bunker.
Esta relação entre fascismo e arquitectura foi analisada magistralmente por Walter Benjamim(*) - ele que pagou com a vida a ascensão do nazismo - denunciando a estetização da política no âmbito da ascensão do fascismo. Neil Leach no seu " A Anestética da Arquitectura" - editado entre nós pela Antigona - dá conta da forma como Benjamim analisou essa relação: "(...) O problema da modernidade reside[ para Benjamim] na tentativa de conciliar a ascensão da massa do proletariado com o sistema de propriedade vigente. Uma das vias para a resolução deste conflito consiste em recorrer ao fascismo, enquanto meio político que "tenta organizar a massa do proletariado recentemente criada sem interferir no sistema de propriedade que essa massa pretende eliminar". O fascismo goza assim de particular poder de atracção no ínicio da modernidade, tendo, para Benjamin, como "resultado lógico a introdução da estética na esfera política". As consequências são assustadoras: "Todos os esforços para introduzir a estética na política culminam num só ponto: a guerra. A guerra, e só a guerra, é capaz de criar um objectivo para os movimentos de massas em larga escala e respeitar simultaneamente as relações de propriedade tradicionais"(...)"
O que falta discutir e esclarecer é a verdadeira dimensão da obra urbanística de Le Corbusier. Sem fazermos essa discussão não será possível compreender a influência que ele teve sobre o nosso tempo. Para isso não irá contribuir a exposição que inaugurou no Pompidou, de que o Público fez eco, que ignora as suas simpatias políticas mas sobretudo a dimensão urbanística do seu trabalho, nomeadamente a Carta de Atenas e a invenção do zonamento, essa técnica urbanística que segrega as funções urbanas. Na exposição pretende-se humanizar a sua figura,  o que releva de um programa político-cultural, naturalmente. Le Corbusier não foi, contrariamente ao que se escreveu, um pioneiro do planeamento urbanístico ( aqui) muito menos o "criador do planeamento urbano".
Foi um arquitecto percursor do movimento moderno e do urbanismo do movimento moderno. Um urbanismo que deixa de se inscrever numa visão global da sociedade e que é despolitizado e transformado numa técnica para especialistas, uma tarefa práctica. Le Corbusier tem uma importante obra arquitectónica construída e uma pequena obra urbanística construída  A sua produção teórica e os Planos não concretizados influenciaram  sucessivas gerações. É dele a autoria da famosa Carta de Atenas. Antes dele há uma longa história do urbanismo e do planeamento urbanístico e depois dele também. A menos que queiramos incorporar as ideias despóticas da personagem que pretendeu fazer tábua rasa de todo o  conhecimento anterior, adquirido ao longo de séculos de evolução, e que propunha os seus Planos para serem construídos sobre territórios resultantes da prévia demolição de todo o existente. "PRECISAMOS CONSTRUIR EM TERRENO LIMPO", escreveu ele em 1929, assim mesmo com maísculas. " (...) As necessidades de tráfego também exigem demolição total (...) Portanto os actuais centros precisam vir abaixo(...)".

(*) - ´Walter Benjamin escreveu um ensaio sobre " A Obra de Arte na Era da sua Reprodutibilidade Técnica" em que aborda as relações entre a arte e a política. Este texto está disponivel num livro de Benjamin,  editado pela Relógio D´Água em 2012, cujo título é "Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política" com Introdução de T.W.Adorno e que compila mais oito ensaios.

2 comentários:

Anónimo disse...

Quem é o Le Corboisier? É parente do famoso arquitecto Le Corbusier?

Anónimo disse...

O meu comentário sobre Le Corboisier, uma mistura de arquitecto com conhaque não foi publicado, apesar de não pertencer a nenhuma das 4 categorias que impedem a publicação. Deviam acrescentar outra.