31/01/17

A vida dura de Jeremy Corbyn. O elefante na sala -I

Jeremy Corbyn tem tido uma vida  penosa desde que foi eleito líder do Labour. Às sucessivas tentativas de o substituir na liderança do partido tem logrado resistir, mas o Brexit e as suas consequências políticas internas parecem estar a arrastá-lo, e ao Labour,  para um enorme buraco sem fundo.

No entanto, o líder da oposição aos Tories acerta em muitas das análises que faz e tem um discurso que se revelou mobilizador, promovendo mesmo o reforço da militância em torno do Labour.

A participação de Jeremy Corbyn na Conferência dos partidos socialistas europeus que decorreu em Praga, entre os dias 1 e 3 de Dezembro, permite ilustrar a clareza  da sua leitura politica.  Nessa conferência Corbyn teve várias intervenções que mereceram bastante destaque e que, com excepção aqui do burgo mais à beira mar plantado, foram noticia e objecto de discussão. Não era para menos. A intervenção de Corbyn constituiu uma análise rigorosa das razões para o falhanço dos socialistas europeus e um conjunto de propostas de mudança da actuação politica dos socialistas que permita alterar as coisas. O homem que Bill Clinton  apelidou do "mais maluco na sala", quer realizar uma conferência em Londres para discutir uma nova orientação politica para o socialismo europeu e para criar as condições para um desenvolvimento equitativo.

A primeira razão para a crescente irrelevância socialista no contexto europeu - recorde-se que Rajoy ganha eleições atrás de eleições em Espanha, que o PSD só foi retirado do poder com o recurso à coligação das esquerdas, que Hollande chegou a um tal grau de impopularidade que o obrigou a desistir da recandidatura presidencial pretendendo ceder o lugar ao direitista Manuel Valls –as sondagens indicam que o candidato socialista não irá à segunda volta apesar da vitória de Benoît Hamon sobre Valls- que Matteo Renzi, um socialista da mesma ala direitista de Valls, foi derrotado depois de ter tentado,  por via referendária, diminuir drasticamente o carácter representativo da democracia italiana, que na Alemanha os socialistas não descolam do papel de ajudantes de campo da senhora Merkell e o recurso ao ex-presidente do PE Martin Schulz, não os retira desse papel - é o facto de serem vistos como defensores do mesmo modelo económico falhado, mais do que um veículo para a transformação da sociedade. O famoso pilar esquerdo que tem suportado o neoliberalismo e que Blair e outros construíram com tanto desvelo. 

Essa adesão efectiva ao neoliberalismo pode observar-se nas politicas concretas e na forma como a governação é “compatibilizada” com o modelo dominante de compressão das despesas públicas em sectores onde a acção do estado é fundamental – saúde, educação, habitação entre outros – favorecendo a acção do sector privado em nome de um crescimento milagroso. Milagroso porque, através da adopção de politicas fiscais cada vez mais liberais favorece a desigual acumulação da riqueza.



Os partidos socialistas - segundo Corbyn - são vistos como defensores do status quo e dessa forma os cidadãos viram-lhes as costas já que o status falhou, como eles sentem dolorosamente no seu dia a dia. Abandonar os princípios apenas porque alguém defendeu - e defendem ainda hoje, como se vê pela ala direita do PS português - que sem essa abdicação nunca chegarão ao poder, é - foi ao longo de anos - um erro crasso, um disparate. A famosa teoria da "importância do centro" que a última sondagem divulgada em Portugal veio recuperar do bau onde estava conservada com a adequada dose de bolas de naftalina.


Os seus confrades muitos deles fortemente comprometidos nestas politicas devem ter deplorado esta companhia. (Podem-se escutar alguns momentos da intervenção de Corbyn aqui ).
Ora um dos problemas com que Corbyn se depara neste preciso momento resulta da posição que resolveu adoptar face ao Brexit. Uma posição de não oposição com base num reclamado respeito pela decisão popular. 
Corbyn que liderou uma campanha pela manutenção na UE e pela sua reforma - Remain and Reform - aparece nesta altura tolhido pelas contradições que o Brexit testemunha e que atravessam a sociedade inglesa dividindo de forma brutal o eleitorado tradicional do Labour.  

4 comentários:

rui cs disse...


O que suscitou uma reeleição interna do líder do Labour Party foi o facto de uma grande parte dos deputados deste partido se encontrarem à direita - até porque tinham sido eleitos antes da mudança de liderança do Labour - de Corbyn. Ora, só se resolverá (se alguma vez se resolver) esse conflito numas próximas eleições legislativas, com a alteração dos deputados da bancada do Labour?

José Guinote disse...

Caro Rui CS nada a dizer a esse seu comentário sobre a reeleição do líder. Já aqui se escreveu bastante sobre o tema. O seu último parágrafo é uma afirmação ou uma interrogação?
Julgo que os problemas que afectam o Labour e a sua liderança são hoje muito mais fruto do posicionamento do partido face ao Brexit e da forma como (não) está a lidar com as suas consequências politicas. Mas isso, pela parte que me toca, irei analisar num próximo post.
Cumprimentos.

rui cs disse...


Sim, o meu comentário era realmente uma pergunta. Parece-me, foram essa as conclusões que tirei do que pude ler sobre o conflito entre grande parte da bancada do Labour e a direcção de Corbyn, que o conflito em torno do Brexit apesar de ser muito importante é apesar de tudo parte de uma questão maior: onde se situa actualmente o "trabalhismo" como parte da "social democracia" e do "socialismo" no sentido de representar o que poderíamos considerar a "classe social trabalhadora" numa perspectiva de que as diferenças entre esquerda e direita representam posições diferentes na "luta de classes". Uso esta linguagem para que se possa facilmente diferenciar este tipo de pensamento, que é também de outra forma o de um Bernie Sanders (nos termos específicos dos EUA), do que foi a evolução deste espaço político desde o fim dos anos 80 e a emergência da terceira-via e do projecto pós-Maastricht que comprometeu o centro esquerda até à direita liberal num mesmo processo de liberalização da economia, enfraquecendo as políticas públicas e a ideia de impostos progressivos sobre rendimentos, desistindo progressivamente na defesa do pleno emprego e na redução do tempo de trabalho semanal. Enfim, parece-me que isolar a questão do Brexit apenas nos temas caros às perspectivas conservadoras, xenófobas - contra a imigração e proteccionistas do ponto de vista económico, é um erro, e parece-me que este fundo ideológico de que falo está presente nas diferenças face ao Brexit, assim como face aos outros "exits" possíveis. Ou dizendo de outra forma, a posição face ao Brexit pode ser visto mais como um síntoma de algo mais vasto do que uma questão isolada e por si só divisória de águas. Cumprimentos

José Guinote disse...

Não há nenhuma contradição entre aquilo que refere e aquilo que aqui se tem valorizado relativamente a Corbyn e à sua posição face ao BREXIT. Nunca se deu aqui acolhimento às teses que conquistaram eco junto de parte da esquerda. Por isso mesmo, tendo acompanhado a campanha pelo Remain and Reform liderada por Corbyn, vi com muito pessimismo a evolução do lider trabalhista para uma posição "institucional" de apoio sem reservas -esta parte é a mais dificil de aceitar - ao avanço do processo.
Quanto às diferenças entre parte da bancada e a liderança são óbvias. Grande parte dos deputados são defensores do modelo económico e social que faz do Reino Unido um dos países mais desiguais do mundo.