09/02/17

Breve nota sobre uma crónica de Paulo Tunhas

Paulo Tunhas acaba de publicar, no Observador, uma magnífica crónica, que, a partir de uma reflexão sobre Darwin e o darwinismo, sugere uma concepção da sociedade e da história cujo alcance filosófico e crítico primeiro permite, ou exige, uma reabertura radical e permanente das questões da justiça e dos modos da acção que, mantendo a questão da justiça em aberto, procure "a mais valiosa maneira de vivermos em comum".  Eis as últimas linhas da crónica de Paulo Tunhas:

"A sociedade é uma criação humana que adopta múltiplas formas e em que o horror, a beleza e o sublime convivem. Pretender ver nela unicamente uma expressão da natureza não é apenas, mesmo que inconscientemente, abrir caminho à justificação da crueldade. É um erro do entendimento. Por isso mesmo a discussão sobre a justiça e sobre qual a mais valiosa maneira de vivermos em comum é uma discussão que faz todo o sentido, de Platão e Aristóteles aos nossos dias. E é algo de radicalmente distinto da explicação da natureza".

Limito-me a transcrever estas linhas porque, de momento, são a maneira mais simples e directa que tenho de exprimir o aplauso que merecem os termos em que reafirmam os direitos — irrenunciáveis, a partir do momento em que são reivindicados pela primeira vez —de uma interrogação interminável e lúcida sobre o bom, o belo e o justo. Ora bem, dito isto, e por isso mesmo, confesso que me é impossível não sucumbir a uma perplexidade insondável ao ver como Paulo Tunhas pode, em certas ocasiões, ler-se com tão pouco "juízo e cuidado", que vai ao ponto de esquecer toda a phronésis e desculpar, quando não legitimar, ainda que tacticamente e a título provisório,  soluções e programas políticos construídos sobre a negação da universalização e da reiteração permanente da "discussão sobre a justiça e sobre qual a mais valiosa maneira de vivermos em comum" enquanto, em todos os sentidos, "discussão que faz todo o sentido".

8 comentários:

Niet disse...

" Platäo é um radical e o seu projecto näo tem nada a ver com essa " utopia reaccionária " que mencionava Mannheim. Ele näo quer restaurar o passado,pois sabia que esse passado continha- e isso, é muito importante- os germens da sua destruicäo. E isso, constitui a licäo na " A República ", na passagem que exemplifica a sucessao dos regimes. Comeca-se por um regime que é aproximadamente bom, mas esse regime corrompe-se, segue-se a oligarquia, a seguir a democracia, depois a tirania, e os ciclos repetem-se( fim do V.século e IV). O esforco de Platäo - nisso é radical ao mesmo tempo que outra coisa que reaccionario- é de tentar encontrar e de fixar um regime que páre a história, Que páre a passagem do tempo, que acabe imperativamente com a auto-corrupcäo imanente aos regimes humanos. É esse o regime da " A República " e também o regime das " Leis ", com algumas concessoes para o tornar mais maleável, portanto, para lhe permitir que sobreviva melhor e para que se adapte sem mudar no fluxo do movimento histórico ". C, Castoriadis. " Sur le Politique de Platon ". Edts.Du Seuil.1999

Niet disse...

O desvio " psicológico da tese(s) sobre Democracia e Justica de Paulo Tunhas requer
muita atencao, ao contrário do que quer fazer crer MSP.Parece manobra arriscada de
branqueamento ideológico em prol dos fantasmas da filosofia neoliberal. Evita todas
as referências às unversais análises sobre o assunto de Arendt, Lévinas,Marx,Lefort e Castoriadis. Niet

Niet disse...

A sua atitude é inqualificável: agora censura e corta.Ainda por cima tenho amigos em Paris com Teses de Estado sobre a Democracia e a Justica, cujos argumentos guardei para melhor oportunidade.Ou julga V. que me arrisco a opinar sem ter a avaliacao profunda da raiz dos problemas? E mantenho: Tunhas tenta operacao ideológica de branqueamento, sabe-se lá com que intuitos... e V. vai na cantilena...Niet

Niet disse...

A parolice universitária do trumpista/passista Tunhas é tao grande que ignora a grande polémica de Tom Wolfe contra Chomski e Darwin. V. Excia gostaria por certo que eu alinhasse na indizivel e desarmante retórica jeuitica que mascara tao-só ignorância e medo. Desafio-o a debater a sua nova e inqualificável manobreta de " salvar " um refinado vate portuense da nova direita conservadora, um Tunhas. Niet

joão viegas disse...

Ola Miguel,

Muito interessante. A tua reflexão inspira-me duas notas, que no fundo talvez sejam duas formas de dizer a mesma coisa :

1/ A referência a Darwin no texto de P. Tunhas é muito interessante, porque ele sublinha que Darwin - até ele ! - foi muitas vezes interpretado de forma dogmatica ao revés daquilo que transparece das suas intenções quando o lemos com mais atenção. Mas, como é obvio, Darwin pode também ser lido de maneira rigorosa, e então vemos que ele defende apenas uma forma radical de associar a razão à aprendizagem daquilo que funciona e daquilo que se realiza na pratica, e que isso é tudo menos o triunfo da força bruta. Esta secunda interpretação é perfilhada por Dewey e assume um papel importante na construção das suas concepções pragmaticas.

2/ E' curioso o que dizes sobre as premissas aceites por Paulo Tunhas e sobre a distância entre elas e algumas das suas tomadas de posição. Curiosamente, quando leio autores que se identificam com "o outro lado da barricada", liberais-conservadores, sou quase sempre levado a constatar que, nos fundamentais, eles muitas vezes não estão nas minhas antipodas, apesar de sustentarem teses diametralmente opostas às minhas convicções. Curiosamente, julgo ser possivel defender que, se eles têm hoje uma audiência absolutamente impensavel ha 20 ou 30 anos atras, não é porque eles tenham conseguido impor uma mudança de percepção quanto aos principios. Eles apenas se aproveitam de um dado que nos deve preocupar : a esquerda deixou (ou deixou parcialmente) de proporcionar soluções viaveis à altura dos seus principios. Isto significa que a luta verdadeira, em meu entender, não é sobre principios, mas sobre soluções. Dewey diria : não é sobre os fins, mas sobre os meios. Portanto deveriamos ser mais "Darwinianos" no sentido de procurarmos mais sistematicamente compreender onde é que as soluções que propomos falham, e onde é que as alternativas propostas pelos nossos adversarios vão buscar o seu poder de sedução (e muitas vezes, é precisamente em principios que estamos dispostos a perfilhar).

Abraços

Miguel Serras Pereira disse...

Niet, vai pentear macacos — sem ofensa para estes últimos. A estupidez dos teus comentários, a paranóia ressentida das tuas invectivas, o desatino das tuas citações eclético-compulsivas, não me farão perder mais tempo. Só não censuro os teus comentários ao abrigo do estatuto editorial deste blogue porque isso, dispensando-me de os comentar, é sobre ti que derramam a sua peçonha. Conversa acabada

Miguel Serras Pereira disse...

Errata do comentário anterior: "derrama" e não "derramam"

Niet disse...

O sr. MSP deu-se ao luxo de demorar 10 dias para publicar os meus comentários possiveis. Claro, ao ouvir-se as bojardas do sr. Tunhas a recomendar a leitura de Platao e Aristóteles(sic) num blogue de centro-direita, percebe-se logo o que ele quer: empalar a leitura e limitar os seus efeitos, especialmente no caso das obras de Platao cujos textos ainda hoje causam as maiores das dificuldades e perplexidades como assinalam os seus mais exigentes comentadores mundiais. Só as versoes catolicistas muito discutiveis nao sao objecto de questionamento por falta de rigor.Eu descobri Platao com Chatelet ao vivo em Paris, Vitor Matos e Sá e mais tarde Allen Bloom, Castoriadis, Popper, and so on.Peco desculpa se fui menos correcto no tom dos meus apontamentos de circunstância. Niet