A propósito dos 100 anos do PCP, surgem muitas discussão deste género, com uns a dizerem que o PCP foi quem mais lutou pela democracia e outras dizerem que queriam era pôr outra ditadura no lugar. Um problema que vejo nesta discussão é que há um vasto continuo de posições intermédias entre "derrubar o fascismo para implementar a ditadura do proletariado" e "derrubar o fascismo para implementar a democracia burguesa". Aliás, grande parte das divisões internas no PCP durante e ditadura (e no movimento comunista internacional nos anos 20/30) tinham a ver exatamente com que posição assumir nesse continuo.
Explicando melhor:
a) "O plano é derrubar o fascismo e implementar a ditadura do proletariado"
b) "O plano é derrubar o fascismo e implementar a ditadura do proletariado, mas se quando chegar a altura só for possível a democracia burguesa, mesmo assim já se ganhou qualquer coisa"
c) "Para já temos que derrubar o fascismo; depois na altura logo se vê se há condições para avançar para a ditadura do proletariado ou se devemos ficar pela democracia burguesa"
d) "O plano é derrubar o fascismo e implementar a democracia burguesa, porque para já não há condições para ir mais longe do que isso; depois, se as condições mudarem, poderemos mudar o plano"
e) "O que foi combinado em Yalta é para respeitar - nada de revoluções socialistas na Europa ocidental; o plano é implementar regimes de orientação socialista em Angola e Moçambique e mal isso esteja assegurado, aceitar a democracia burguesa em Portugal"
f) "O plano é derrubar o fascismo e implementar a democracia burguesa"
Isto é, as opções não são só a) e f), e há uma vasta área cinzenta entre lutar pela "ditadura do proletariado" e lutar pela "democracia burguesa".
O que causa esta área cinzenta é que a ordem de preferências dos comunistas ortodoxos (e mesmo de quase todos os heterodoxos, já agora) é "ditadura do proletariado" > "democracia burguesa" > "fascismo"/autoritarismo conservador, ou seja, preferem mesmo a "democracia burguesa" ao "fascismo", e por isso na prática não há uma distinção rígida entre lutar pela "ditadura do proletariado" e lutar pela "democracia burguesa".
Diga-se que aí há um contraste entre os comunistas e alguns extremistas de direita - enquanto os comunistas (os ortodoxos e quase todos os heterodoxos) vêm a "democracia burguesa" como a segunda melhor opção, entre a extrema-direita há alguns (se calhar não tão poucos como isso) que parecem achar que a democracia liberal é pior que os regimes comunistas (e sobretudo os regimes comunistas tal como realmente existiram, já sem o internacionalismo e o progressismo cultural - e talvez mesmo a influência dos intelectuais judeus - do tal "verdadeiro socialismo") - compare-se a luta do PCP contra o Estado Novo com a apoio de muitos nacionalistas russos à linha dura do PCUS no final dos anos 80, ou dos nacionalistas sérvios a Milosevic.
[Post publicado no Vento Sueste; podem comentar lá]
0 comentários:
Enviar um comentário