19/06/10

Blogo-conversando (2)

Comentando este post, o comentador “Fernando” não esteve para modas e lavrou exigência de clarificação:
“Existe uma questão a ser clarificada: qual a posição política dessa "esquerda do PS"? Quais os seus ideais políticos? Porque se temos esse eleitorado com o farol da social-democracia e a sua meia-dúzia de pilares incompatíveis no quadro actual da União Europeia, voltamos ao ponto de partida: porque votam então no PS?”

Tentei desenrascar-me de tamanho aperto e saiu-me assim:
“A análise das motivações de voto do eleitorado, muito menos caso a caso, ultrapassa-me, não lhe chego e nunca chegarei lá. Seja no PS ou onde for. Porque, segundo o princípio "um homem, um voto", não é o processo de decisão mas esta mesma que conta. E, no final, as individualidades votantes perdem-se e contam-se os resultados globais, o que cada partido amealhou. Mais que certo é que as motivações dos votos até num mesmo partido nunca são homogéneas. E, sendo assim, batatas para a genealogia dos votos.

Os vários partidos de esquerda (a "verdadeira" - o BE e o PCP, mais a "falsa", o PS), após os actos eleitorais unem-se sempre, mas sempre, frugal e instantaneamente, no balanço dos resultados, a contabilizar para a ESQUERDA, os votos somados PS-BE-PCP. E a DIREITA concorda e soma para si os votos recolhidos pelo PSD e pelo PP, pedindo meças de comparação ao somatório PS-BE-PCP. Todos, sem nojos nem condicionalismos.

Deixemos a Direita e os seus critérios e interesses. Pela Esquerda, a batota começa, para todos, no dia seguinte ao dia eleitoral (bem perto da meia-noite eleitoral): o PS assume-se como "esquerda responsável" e sacode a "esquerda de protesto"; a "esquerda da esquerda" começa de imediato a debitar a música do "PS com política de direita". E os sectarismos preenchem depois, em condições normais, uma legislatura, baralhando as contabilidades iniciais entre esquerda e direita.

No meu ponto de vista, há aqui demasiadas e demasiadamente manipulações e conveniências (nas quais, o eleitorado é o menos responsável). Correndo o risco de se chegar à conclusão que afinal o "eleitorado de direita" é maioritário em Portugal, e a verdade deve encarar-se mesmo que sob a forma de contrariedade, devia apurar-se uma quota, cientificamente apurada, que permitisse concluir-se qual a percentagem de votos no PS são de "esquerda" e os que são de "direita" para se acabar com as manipulações e enganos. E aceito que, nesta sondagem científica, se siga a sugestão do perspicaz Fernando, obrigando ao eleitor que meta a cruz no PS a que meta uma cruz segunda à pergunta "julga o farol da social-democracia e a sua meia-dúzia de pilares compatíveis ou incompatíveis no quadro actual da União Europeia?". Obviamente que, por coerência, o voto na CDU devia desdobrar-se em votos no PCP e no PEV (o maior "mistério" da esquerda ainda é saber-se quanto vale o PEV e a legitimidade eleitoral em que assenta o seu direito a ter dois deputados na AR). Etc.”


Cheira-me que a conversa não vai ficar por aqui. Oxalá. Porque aqui, neste deslindar, está o que julgo essencial para, em vez dos jogos florais da demagogia interpretativa, se passe à acção política que sirva a esquerda, passando pelo crivo inovador de se separar a “verdadeira” da “falsa”. Mas para, depois, Fazer e Mudar.

17 comentários:

Joana Lopes disse...

João, o post em que o Pedro Viana te responde hoje facilitou-me a vida. Julgo que discordas da tese segunda a qual «escaqueirar o PS é que é» e vir a formar o tal partido da «grande esquerda», subjacente certamente (para muitos nos quais me incluo, ou incluí), nos já velhos tempos das sessões na Reitoria e no Trindade. Ou estarei enganada? Por pensar que não é que acabei por não entender este teu post.

João Tunes disse...

Joana,

O facto de pensar que há mais que um PS dentro do PS (como, aliás, nos restantes partidos), com a particularidade de uma parte despontar quando na oposição e a outra quando no governo, não me leva a desejar a sua fracção. E não julgo que essas condições estejam criadas e muito menos que "dos cacos" possa resultar a conglomeração de um novo partido de esquerda. Desejo uma "convergência de esquerda", hoje (com a deslocação do centro para a direita da operacionalidade política) muito mais que no tempo "do Trindade". Mas esses passos têm de ser dados por todos. Com o BE e o PCP cristalizados e sectarizados na ideia que o problema principal está no PS e no seu governo, deixando a banda da direita passar, não ajudam (para já). Entretanto, o PS está fragilizado e em perda. E foi por essa consciência interna que apoia Manuel Alegre. Daí que me pareça prioritário "lançar pontes" para demtro do PS e não mostrar-lhe dentes de canibal.

Fui mais claro?

Miguel Serras Pereira disse...

Caro e sempre poderoso camarada João Tunes,

acabei por ir discutir este assunto para a caixa de comentários do post que o Pedro publicou respondendo-te, porque pensei facilitar assim a discussão que lançaste.
Trago para aqui parte do que lá digo sobre a atitude perante o PS, e que creio se aproxima do que sustentas, embora não coincidamos por completo: "Se acho como tu improvável que o PS mude de programa e se auto-transforme democraticamente, entendo que, sem renunciarmos a esse juízo nem o escondermos, não podemos limitar-nos a ele quando interpelamos a área socialista. Aos que, nessa área, não desistiram de pensar na construção de um poder democrático participado pelos cidadãos na base de uma igual liberdade de intervenção e proposta para todos, temos de pedir e podemos exigir que ajam em consequência dentro ou fora do PS, insistindo em que é manifesto que a direcção do partido tudo tem feito no sentido de reforçar a situação existente e de combater qualquer perspectiva de democratização económica e política (e uma coisa porque outra). É uma questão ao mesmo tempo de ética democrática e de eficácia na comunicação e na reunião das condições do debate".
Dito isto, julgo que o PS, como outros partidos congéneres europeus, é praticamente irreformável - ou só através de uma recomposição tão profunda - com cisões e novas adesões, etc. - que equivalerá a uma ruptura e transformação de identidade. E, seja como for, não me parece que ajude seja ao que for darmos tréguas a este governo ou a políticas semelhantes e aos seus porta-vozes.
Entendo também que é preferível que um campo da "radicalidade democrática" (como tu ldisseste uma vez) exista, se consolide e aja em termos capazes de marcar a agenda política e de promover uma acção que trave, tanto ao nível instucional como no funcionamento da economia, a ofensiva da oligarquia neo-liberal, a termos um governo PS que se limite a facilitar as reformas estruturais anti-democráticas ambicionadas pelos oligarcas do capital e seus gestores e políticos profissionais intercambiáveis.
Quanto ao BE e ao PCP e à recusa da aposta no caos pelo caos, creio que o nosso acordo é substancial, mas gostaria de acrescentar que, se a desagregação do regime existente sem que se alterem as relações de força presentes pode ser catastrófica, devemos ao mesmo tempo contrariar a estabilização, normalização, consolidação da situação actual, porque esta está intrinsecamente votada a combater as liberdades, direitos e garantias de que hoje ainda gozamos graças a combates seculares.
Fico à espera de te ouvir com a impaciência que sabes.

Abraço grande

miguel sp

João Tunes disse...

Lamento desiludir-te, caro Miguel (SP).

Não deixando de defender o que defendo, subscrevo o essencial do que dizes. Só não arrisco ir tão longe quanto o dogmatismo catastratófico na atribuição do "irreformável". É que, para um reformista como eu, "nada nasce e nada morre, tudo se reforma".

Dois abraços, um para ti e outro para o Lavoisier.

Joana Lopes disse...

João,
Nuca digeri essa de te considerares reformista porque sempre considerei, e considero, que é contra (a tua) natura. :-)

Miguel Serras Pereira disse...

João Tunes, muito caro camarada e amigo

Desta tu resposta, o que não compreendo é o "lamento desiludir-te".
Como sabes, estamos de acordo no essencial. E até, mais do que pareces avaliar, quanto à recusa do catastrofismo ou da aposta nos efeitos automaticamente libertadores da "crise".
O que me parece é que uma transformação interna do PS ou do PCP que os tornasse agentes colectivos da vontade política da construção de "um poder democrático participado pelos cidadãos na base de uma igual liberdade de intervenção e proposta para todos", equivaleria a uma verdadeira mudança de natureza, diferente num caso e noutro, tanto no que se refere à concepção e conjugação da acção como no plano do funcionamento orgânico - e, mais uma vez, uma coisa porque outra.
Quanto ao problema da "reforma ou revolução", talvez o discutamos um destes dias. O que só valerá a pena se conseguirmos fazer dessa discussão ponto de partida para questões menos escolásticas.

Matinal abraço fraternal

miguel sp

João Tunes disse...

Ora bem, Miguel (SP).

A vontade de mudar, incluindo a de que os partidos mudem, é natural. Mas é das poucas vontades que não depende da vontade. Porque há ou não há as circunstâncias.

Enquanto não mudam há que contar com o que se tem. Se possível, criando dinâmicas que forcem as vontades internas de mudarem. Sem ultimatos nem pressões e muito menos chantagens, do género "estou contigo, estarás comigo, se te desfizeres e das cinzas nascer uma outra coisa". Não se podem precipitar crises a seco.

Recado-cumprimento para a Joana:

Eu considero-me reformista. E face aos revolucionarismos e revolucionários que leio na ementa, cada vez mais.

Abraço para os dois.

Miguel Serras Pereira disse...

OK, João. Eu não diria nada de muito diferente. Mas aproveito a deixa da camarada Joana para dizer aqui o seguinte: o facto de um tipo me dizer que é revolucionário não me esclarece minimamente sobre as suas intenções e posições, e muito menos me diz se está mais ou menos próximo do que outro que se diz reformista daquilo que realmente me interessa politicamente. Por vezes, até acontece que um tipo que se diz revolucionário entende por isso que é necessária uma vanguarda organizada que imponha à sociedade e à história a ordem mais racional ou científica que o estado presente do desenvolvimento das forças produtivas requer, através da ditadura de um partido, sem se prender com formalidades democráticas nem maiorias/minorias, ou com a opinião eventualmente contrária dos governados, tidos por presas de representações ilusórias ou falsas sempre que se afastam das previsões e disposições baseadas na teoria de que os seus representantes, os membros da vanguarda, são depositários por excelência e definição.
Do mesmo modo, um tipo que se diz reformista escolhe fazê-lo com frequência para exprimir um tanto pedagogicamente ideias como ser improvável que, tendo em conta a extensão e profundidade das transformações necessárias, se possa mudar tudo de uma vez, ou como ser necessário não esperar pela tomada do poder de Estado para começar a mudar, ou como defender que não há verdade política libertadora que, como dizia Rosa, não se transforme num erro monstruoso, se for decretada pelo poder de Estado contra a vontade expressa dos interessados.
Teremos de voltar a discutir isto, como te disse há pouco, mas, para já, a propósito dos dois exemplos que apresentei- os quais não cobrem todos os usos possíveis dos dois termos, mas que me parecem razoavelmente realistas -, eu diria que é o reformista que defenderá mais radicalmente o projecto de autonomia ou a hipótese da autonomia democrática, entendidos como transformação instituinte da ordem estabelecida pelos actuais aparelhos de direcção dos órgãos de governo estatais e económicos.
E daqui depreenderia, se não o soubesse já antes, que todos os que estejam apostados nessa forma de aprofundamento da democracia, que implica a participação activa e responsável dos cidadãoss na definição das leis por que governem, poderão contar com o teu "reformismo" intransigente, e nunca se precaverão de mais, em contrapartida, perante as proclamções "revolucionárias" do estilo das que o meu exemplo sugere.

Reabraço democrático radical

miguel sp

Joana Lopes disse...

Venho aqui para dizer que só tu, Miguel, para escreveres coisas destas às 13:50 de hoje - quando Portugal avançava para um 7 a 0... :-)))

Miguel Serras Pereira disse...

Joana,
vamos lá - o meu computador é portátil… Resolvi aproveitar o intervalo, li o que o João disse, aproveitei a tua "deixa", teclei um bocado, volteo ao relvado e, pouco depois do quarto golo, após uma semi-releitura do comentário, publiquei-o.

Abrç

miguel sp

João Tunes disse...

"Teremos de voltar a discutir isto", calma aí, Miguel (SP). Depende da mesa e das virtualhas expostas e acessíveis. A "seco", declaro, desde já, que não estou disponível...

Anónimo disse...

Caro MS Pereira: Lamento profundamente as contradições esfarrapadas em que incorres nos comments de ontem, 16, 49 horas, e nos de hoje, 13,50. A autonomia- tese-programa tão cara a Pannekoek e a Castoriadis, a Bordiga como a Victor Serge- não tem,literalmente, nada a ver com Reformismo, essa maleita bernsteiniano-kautskista que tenta disfarçar o combate contra a Luta de Classes!. Como parece que não sou benvindo a comentar nos postes do sr. João Tunes, espero que publiques- como o anuncias - um texto autónomo para podermos analisar livre,frontal e éticamente estas questões. Como ontem,aliàs, o Pedro Viana estimulou e acarinhou. A questão portuguesa prende-se com a ausência de ideias e de propostas exequíveis para conceber uma alternativa credível. A classe política vive de sindicatos de Opinião, como sabemos. Com fortes ligações internacionais, como no caso do PS , do PCP e do BE.
PS: Sr. João Tunes, peço desculpa de lhe ocupar o " espaço ". Niet

Miguel Serras Pereira disse...

Niet,
imputação de contradiçoes esfarrapadas, prescrições de leituras, multiplicação de citações, intimações como as que fazes é que têm muito pouco a ver com "analisar livre, frontal e eticamente" as questões do reformismo, da revolução e da democracia.
Os termos "reformismo" e "revolução" estão carregados de equívocos. Já disse e repito que se "revolução" significa alguma coisa que valha a pena é a transformação radical e radicalmente democrática da dominação classista e oligárquica pela acção deliberada da grande maioria das mulheres e dos homens de hoje, instituindo qualquer coisa como a "cidadania governante" como regime político da autonomia individual e colectiva. Saber quais, na manifestação desta vontade democrática e na extensão da sua acção, o tipo e os modos de ruptura e mudança é uma questão sem resposta a priori - ou, sim, com uma resposta que não nos diz nada a não ser negativamente, mas isso em termos decisivos, "separadores das águas": os modos de acção em que a vontade de autonomia se exprima e amadureça, desenvolva e persevere, não podem, como diria o Zé Neves, "suspender a democracia".
Mas isto estás tu farto de me ouvir dizer e não me parece por isso aceitável a tua atitude de me pedir contas. Quanto a textos "autónomos", os meus comentários não o são nem mais nem menos do que os meus posts. Rejeito as tuas insinuações, as tuas intrigas, os teus conselhos contra as "más companhias": o João Tunes é meu amigo e camarada de luta no essencial e a sua "ética da discussão" é também a minha e, tanto quanto posso ver, a que informa os debates e confrontos das questões polémicas entre os membros de todo este blogue. Este não pretende ser um futuro comissariado de geniais pensadores iluminados nem tem lugar para as intrigas de corredor dos candidatos a líderes ou cabeças pensantes portadoras da "verdadeira consciência de classe". Já devias ter dado por isso, e resta-me assim perguntar-te se não terás enganado na porta a que bateste.
Boa reflexão e boa noite

msp

Anónimo disse...

MS. Pereira: Quem tem razões- e muitas- de crítica e de faltas graves à ética do diálogo e do mínimo de solidariedade sou eu. Nem vale a pena mencioná-las. É só consultar a caixa de comentários...Por diplomacia e hombridade, nem quero tentar perceber o teor das tuas insinuações, que não têm validade e razoabilidade nenhuma. Contra ventos e marés,eu tentei esforçadamente pressionar-te a construir o Blogue, não te bati à porta e exclui- a priori -participar na " aventura ".Esta é a verdade pura e nua! Quanto às citações-o G. Steiner bem lembrou uma vez, que tudo era citação- nota-se com facilidade se quem lê percebe ou só quer torcer a sintaxe de uma retórica oca e inoperante. Bom vento ! Niet

Miguel Serras Pereira disse...

Niet,

podes sempre queixar-te ao Carlos Vidal ou ao Xatoo. Mas dá-te mesmo gozo exibir a tua radical incompreensão da temática do "epílogo" - ou do "epilogal" - em Stiener?

msp

Francisco Maria disse...

A sua presença permanente, em tudo o que é escrito neste blog é um espectáculo lamentável, sr. msp!

Anónimo disse...

Caro MS. Pereira: Como deves saber, a teoria do uso da citação é muito volumosa...Assume os contornos, daquilo que nos diz a Rosa Luxemburgo em relação à violência: " A revolução violenta é uma arma de dois gumes e difícil a manejar..." Não existe fora-de-texto, meu caro. Vou tentar localizar a posição- muito clara e simples- do Philippe Sollers num dos sus últimos volumes de ensaios da Gallimard; e confesso que o G. Steiner nunca me seduziu muito. Talvez seja pecha minha, mas são coisas que acontecem... Niet