08/06/10

Cuidado com as imitações (das utopias)

Para quem usa e até para quem abusa da liberdade e até da impunidade da blogosfera, muitas vezes para subestimar ou ridicularizar as “liberdadezinhas” que a democracia sem os punhos do poder musculado dos operários e dos camponeses no poder nos concedem, difícil é imaginar o que representa o acesso à internet controlado por ditaduras, obscuras ou iluminadas. Mas decerto não gostariam de ser internautas, bloggers intervenientes muito menos, no Irão, na Bielorússia, na China, em Cuba ou na Coreia do Norte. Ou se fartavam depressa pelos acessos interditos ou acordariam com uma palmada a servir de aperitivo para o castigo pelo abuso navegador. A menos que integrassem os serviços de segurança e vigilância locais, missão que requer bons estômagos e fracos escrúpulos, características só próprias de alguns, os paranóicos adeptos da razão violenta.

Yoani Sánchez, a blogger mais conhecida da diferença cubana, é um caso especial e julgo que único, uma espécie de Anne Frank dos tempos cibernéticos. Não é uma programática nem uma ideóloga, apenas regista o quotidiano cubano e narra os conflitos entre a sua lucidez e a sua sede de liberdade com a ordem totalitária que encarcera o seu povo. Num conflito tanto mais exasperante porque tem pela frente a opressão poderosa e absoluta dos que reprimem em nome de uma das mais belas utopias criadas pelos homens, a da fraternidade-igualdade. Como Yoani diz, com amargura mas sem cinismo:
“Vivo numa utopia que não é a minha. Por ela se sacrificaram os meus avós e os meus pais renunciaram aos melhores anos da sua vida. Carrego-a às costas sem poder aliviar-me do seu peso.”
“Alguns que não a conhecem tentam convencer-me de que devo preservá-la, mas não sabem quão alienante é carregar o peso de sonhos alheios e viver uma ilusão que me é estranha.”
“A quantos me impuseram – sem me consultar – esta falsa quimera, quero dizer, desde já, que não tenciono deixá-la em herança aos meus filhos.”


Impedida de sair de Cuba, sem acesso sequer a visualizar o seu blogue, isolada, vigiada de perto e controlados todos os seus passos, constantemente ameaçada, várias vezes maltratada fisicamente, caluniada por uns e outros (uns acusam-na de ser paga pela CIA e por Miami, outros espalham o boato de que é uma agente dos serviços policiais cubanos usada para “penetrar” a dissidência cubana), o espantoso é a resistência desta jovem e teimosa cubana. Que bloga e não pára de blogar. Fazendo uma ponte entre a realidade claustrofóbica do interior quotidiano de uma ditadura e o mundo. Permitindo a quem está por fora, espreitar para dentro do íntimo da ditadura, sentir-lhe o sufoco, a opressão e o cinismo colectivo necessário para um povo (sobre)viver entre a celebração dos donos do poder, a penúria e a repressão, sempre em nome da utopia mais bonita.

Merece leitura atenta e despreconceituada a recente edição portuguesa do livro com os seus textos publicados no “Generación Y” (*). Confirmando que “há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não”. Mesmo na ditadura “mais triste” (que cobre, paradoxalmente, um dos povos mais alegres).

(*) – “Cuba Livre”, Yoani Sánchez, Edições Casa das Letras.

(publicado também aqui)

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