02/06/10

À la claire fontaine *



                                                                  Il y a longtemps que je t'aime
                                                                         jamais je ne t'oublierai


Na água da fonte clara
nunca te esquecerei
não esquecerei a noite desdobrada
onde contigo embarquei
nas ondas do fumo calmo
com a cor do nevoeiro
subindo do tabaco que fumávamos
na coberta do veleiro
cujas velas são asas
se na tua cama me deitas
ou mudamos de viagem
aos tropeções em terra de ninguém
antes de tornarmos de rastos
ao abrigo nas trincheiras
da frente de aragão onde tombámos
na espanha de trinta e seis
para por fim alcançarmos
o ancoradouro dos salgueiros
em frente da casa fechada
e cuja promessa incendeia
os meus passos no encalço
da capa negra e vermelha
que ias fazendo dançar
e que despiste entre espelhos
para me concederes o vagar
da consagração dos teus seios
antes da senda entre as nádegas
que capitulando singrei
até ao rio do naufrágio
estranha memória estrangeira
onde perco a rua alma a alma
de cada um dos teus beijos
suspenso do vão de uma vaga
para que ardas primeiro
e me tenhas a suplicar-te
tu sobre mim de joelhos
que forces a luz transtornada
das estrelas do meu desejo
agora que volto atrás
ou dito de outra maneira
ao fim de manhã que apesar
das conciliações mais rasteiras
prometia para a tarde
em vez de só aguaceiros
a fonte de água clara
que me tornou marinheiro
de ti em ti arrancado
às valas da morte nas veias
para consumar a verdade
das lágrimas em armas que amei
um pouco por toda a parte
como nesta bruxelas vê bem
onde iludindo por artes
escondidas aos esbirros de el-rei
todos os horários mais farpados
das ruas da sua lei
fizeste navio ao largo
toda a vida só meia
que não queiras sequer tu sonhar
eu seria a vida inteira
não fora tomares-me de assalto
nesta esquina onde parei
como se te dissesse oxalá
se aqui me fazes vir venhas
ou leves a bordo no mar
do que de ti nem tu tens


* Inédito de uma série chamada "Música Francesa", em que cada poema tem o título de uma canção. As canções visitadas recorrem não só ao repertório "popular" e "tradicional", mas também a composições "ligeiras" que estiveram em voga, sobretudo nos anos 60, e a outras não tão em voga desse mesmo período, ou do imediatamente anterior, e dos tempos que depois foram.

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