09/06/10

O meio Algarve segundo Cavaco

Um Presidente da República deve ser unificador e abrangente. No todo nacional e em cada parte regional. Só um algarvio da costa mas muito sectário diria o que Cavaco disse:

“O Algarve e o mar têm cumprido um destino comum. O caminho para uma identidade algarvia será sempre definido como a busca de um encontro e de um abrigo num abraço permanente com o mar"

Ora esta é a realidade de meio Algarve, o mais meridional, o que foi da pesca e das conservas e hoje é, sobretudo, o Algarve do comércio, dos serviços, da habitação de estrangeiros reformados, do caos urbanístico e paisagístico e do turismo. Mas há a outra metade algarvia, a interior, a dos “montanheiros”, virada para a serra e para a terra, para o medronho, a alfarroba, o sobro e a caça, aquela que é um prolongamento mitigado do Alentejo, uma sua espécie brava que só as montanhas tentam separar. Perto geograficamente mas longe, económica, social e culturalmente, do Mar. E que é a parte mais pobre e mais esquecida do Algarve. Sem deixar de ser Algarve. O complexo atávico de homem de Boliqueime que habita em Cavaco, levou-o através de um discurso pomposo de Estado a varrer meio Algarve para debaixo do tapete. Assim, Cavaco já só é provinciano por metade. Tirem-no dali.

(publicado também aqui)

11 comentários:

Anónimo disse...

Nós bem queremos, mas o homem não sai...

Ricardo Alves disse...

Há pessoas da serra algarvia que dizem que «vão ao Algarve» quando vão... a Portimão.

André Carapinha disse...

Concordo no geral com o post, mas não me parece que a serra algarvia seja "um prolongamento do Alentejo". Há diferenças culturais relevantes, e a grande cadeia montanhosa que separa o Alentejo do Algarve não proporcionou historicamente tanto contacto assim entre as populações.

Tenho um bom amigo, professor universitário, historiador e agricultor, feroz regionalista e grande especialista do Algarve, que iria aos arames com essa do "prolongamento do Alentejo". ;)

D"SUL disse...

Que os algarvios me perdoem o sarcasmo, mas neste caso acho que este teve uma camadinha a mais de ......

aviador disse...

Cavaco está-se nas tintas para o barrocal.
Ele quer é votos dos tabalhadores da industria hoteleira e dinheiro para a reeleição por parte dos industriais do turismo.

João Tunes disse...

André Carapinha,

Não falsifique o que eu escrevi e não me arranje problemas escusados com o seu bom amigo universitário que entre tantas valências até pode incluir a de ser mestre de karaté.

Eu não me importo de repetir para quem não sabe ler ou gosta de tresler. E faço-o com gosto:

Eu escrevi sobre o barrocal: "um prolongamento mitigado do Alentejo, uma sua espécie brava que só as montanhas tentam separar". E que eu saiba ainda não há muro ou arame farpado a separar uma continuação geográfica, pese o acidente montanhoso que não é intransponível.

Reduzir isto a "um prolongamento do Alentejo" (sic) só por uma eventual vontade sua e pérfida de que o seu amigo exercite os músculos a dar-me porrada. Mas ele que venha.

Miguel Madeira disse...

Na minha opinião, a única parte do Algarve que pode ser considerado um prolongamento (mitigado ou não) do Alentejo é a Costa Vicentina (pelo menos, acho a paisagem e a geografia humana muito parecida com a do Alentejo).

Aliás, nalguns aspectos o litoral algarvio até é mais parecido com o Alentejo do que a serra (p.ex., o povoamento é mais concentrado em aldeias - tal como no Alentejo - no litoral do que na serra).

Por outro lado, não sei se Sabóia, Ourique, etc., não poderão ser considerados, esses sim, prolongamentos do Algarve

Miguel Madeira disse...

O comentário do Ricardo fez-me lembrar daquelas pessoas do Bairro dos Pescadores que dizem que "vão a Portimão" quando vão à Rua das Lojas.

Ricardo Noronha disse...

Grandes posts João. Um abraço.

André Carapinha disse...

João: descansado que não vou denunciá-lo ao meu amigo, o que aliás só o prejudicará a si, já que ele certamente o desafiaria, não para um duelo de karaté, mas para uma boa conversa sobre o assunto, à mesa, num belíssimo fim de tarde, num daqueles (poucos) recantos maravilhosos que o Algarve (ainda) tem naquela que é a sua zona mais bela, precisamente a que se situa entre o lado do mar e o lado da serra.

Um "prolongamento mitigado" não deixa de ser um "prolongamento" (a primeira frase subalterna da segunda) ... Mas enfim, não me interessa entrar em formalismos, que não são o mais importante.

Conhecendo muito bem a serra algarvia (acredito que também conheça), "um prolongamento mitigado do Alentejo, uma sua espécie brava que só as montanhas tentam separar" nem por isso me convence, e o Miguel Madeira já o disse em parte no seu comentário: tirando a costa vicentina onde existe continuidade geográfica e cultural, dificilmente encontro "fronteira" dentro deste país onde seja tão evidente uma descontinuidade geográfica, cultural ou humana como a do Algarve com o Alentejo. Basta passar o Rio Vascão, que faz grande parte da divisão dos distritos, e a mudança é imediata.

Entretanto, também a ligação dos algarvios da serra com os do mar é maior do que por vezes se pensa (retiro daqui a verdadeiramente isolada e agreste Serra de Monchique): para além muitas romarias tradicionais em que os serranos desciam às praias, temos grandes migrações de gente das serras para as cidades do litoral, desde o inicio das industrias conserveiras; também, e antes da invasão urbana, era habitual serranos trabalharem nas plantações mais litorais.

Estamos aqui todos a discutir para aprender uns com os outros, espero, e não acho que merecesse ser alcunhado de falsificador de ideias alheias, ou de não saber ler. Um pouco menos de truculência, especialmente numa questão destas, não lhe ficava mal.

João Tunes disse...

Miguel Madeira e André Carapinha,

Pelas precisões, úteis sem dúvida, perdeu-se o objectivo principal do post, ou seja, questionar se a ligação ao Mar feita por Cavaco é não reducionista relativamente ao Algarve.

Mas quando se diz que Ourique é mais um prolongamento do Algarve não se está tb a dizer que parte do interior algarvio pode considerar-se um prolongamento de Ourique?

E se a continuidade é notória na costa alentejana e a algarvia atlântica, quais as diferenças marcantes do outro lado, a que segue o Guadiana e de Mértola para baixo?

Da mesma forma que o planalto alentejano nortenho (distrito de Portalegre) tem traços muitíssimo comuns com a paisagem beirã. É que, de facto, o Alentejo não é só planície.