08/06/10

Representar não é comemorar

Não compreendo o banzé para com a história dos meninos que em Aveiro vão simular um acto memorialista acerca do velho Estado Novo, vestindo fardas da Mocidade Portuguesa e reproduzindo os rituais da vetusta agremiação que faliu por falta de adesões, até na sua época, numa iniciativa com cobertura pedagógica dirigida pelo respectivo Agrupamento Escolar. Se os professores de Aveiro não forem skin-heads nem maluquinhos da tola, o efeito inevitavelmente grotesco da representação pode fazer mais e melhor pela interiorização do antifascismo que umas largas centenas de anciãos a desfilarem pelas ruas a gritarem “fascismo nunca mais!” com punhos levantados a terminarem em cravos rubros. E se juntassem um desfile paralelo com outros meninos fardados da Organização dos Pioneiros do PCP, imitando aqui as criancinhas da então RDA, que existiu durante vários anos depois do 25 de Abril, não só ninguém morria por isso como então a cartada pedagógica tinha foros de propaganda cívica, útil e completa.

É um cálculo estupidamente contraditório atribuir-se ao que se odeia um sentido sacro de intocável. E se os meninos de Aveiro sentirem o mesmo que eu senti quando me vestiram aquela mesma farda de “piolho verde” no meu tempo de menino, então obrigatória, com um efeito insanável de vergonha e má figura que ainda hoje me marca a memória, decerto sairá dali um grupo catita de democratas e antifascistas de não quebrar nem torcer.

Vá lá, não sejam dogmáticos no nojo. E o teatro também é vida, mas outra. Como esta.

(publicado também aqui)

2 comentários:

Miguel Serras Pereira disse...

Carísimo João,
tudo depende da reconstituição, claro. E conviria que não se fizesse passar a MP por uma organização de inspiração republicana. Ignoro tudo acerca do conteúdo do cortejo, e espero, como tu dizes, que os docentes animadores da festa não sejam fãs do Mário Machado. Mas o argumento de que se vai gastar dinheiro com caracterizações fascistas que já vi por aí é particularmente pateta. Também não se poderia gastar dinheiro das escolas numa dramatização da história da Anne Frank porque teriam de aparecer figurantes nazis; uma encenação escolar de Gil Vicente seria um incitamento ao culto satânico enderaçdo a menores, e deixo os outros exemplos ao critério teu e ao dos leitores.
Olha, para fim de conversa, deixo aqui a URL da versão Gato Fedorento do hino dos lusitos, infantes e vanguardistas, que é uma ilustração a propósito (http://www.atomic-noodle.com/video/Es-TQa03Ij8/Hino-Mocidade-Portuguesa-Gato-Fedorento.html).

Abraço grande

miguel sp

João Tunes disse...

Caro Miguel (SP),

Obrigado pelo link, ele ajuda e por isso já o acrescentei no post.

Quanto ao resto, estamos entendidos.

Abraço.