09/07/10

A força do vício unanimista

Manuel António Pina, no JN:

Parece que foi muito aplaudida nas Jornadas Parlamentares do PS a intervenção de Mário Soares criticando a inexistência de debate interno no PS e defendendo ser indispensável dar "vida interna" ao partido e insuflar-lhe "princípios éticos" e "ideologia", tudo coisas ("vida interna", "princípios éticos" e "ideologia") de que o PS andará, pelos vistos, carente. De acordo com o que veio nos jornais, no final, deputados e militantes socialistas aplaudiram o discurso de pé. Singular não é o facto de o discurso ter sido aplaudido de pé pela ilustre deputação presente, pois aplaudir de pé é um hábito que se enraizou no PS. Singular, para lá da alusão de Soares a coisas antiquadas como "princípios éticos" e "ideologia", é o modo como, no actual PS, até a crítica ao unanimismo suscita aplausos unânimes e a crítica ao acriticismo é aceite sem o mínimo sobressalto crítico. Não é difícil concluir que, se Soares tivesse dito exactamente o contrário do que disse (atirando-se, por exemplo, aos que clamam que há falta de debate interno e de princípios éticos no PS), teria sido do mesmo modo aplaudido de pé.

É conhecido este vício unanimista dos que não passam sem uma boa dose de aprovações por unanimidade e aclamação, o tempero das sensações pedidas de unidade e eficácia, no pensamento e na acção, cimentando o "nós". O problema é o significado efectivo dos rituais. Ceauscescu, momentos antes de cair, fora aclamado de pé durante largas dezenas de minutos. E foi derrubado a seguir e durante uma manifestação que se pretendia fosse em seu apoio e exaltação. O que não impede, morto Ceauscescu, que se (re)organizem os saudosos dos tempos em que Ele era aplaudido (de pé):

O novo Partido Comunista Romeno (PCR) realizou, sábado, 3, em Bucareste o seu congresso fundador que reuniu mais de 400 delegados e convidados.

(publicado também aqui)

2 comentários:

Zé Neves disse...

de acordo, joão. mas também não sei se o soares pretendia muito mais do que isso. isto é, se o soares quisesse mesmo pôr o dedo na ferida que será a falta de debate interno no PS, teria conseguido...
abç

João Tunes disse...

Zé, no caso de Soares (ou de Sócrates, ainda) duvido das tuas dúvidas (se apanhei a forma sms como comentaste). Porque nas missas partidárias há um compromisso ritual de celebração tipo "assim de vê a força..." e Soares é, no PS (e não só) um bonzo com um enorme poder paternal. Se Soares pusesse o dedo na ferida, poderiam a seguir, e no bar, desabafarem que "o velho tem cada coisa..." (como fizeram muitos socialistas que ainda hoje transportam na clandestinidade o voto em Alegre nas últimas presidenciais) mas ovacionavam sempre, e de pé. Mas de qualquer forma este é uma conversa meramente académico, pois a última coisa que Soares desejaria era mesmo um debate interno no PS (o tipo tem boa memória e não esquece que a única vez que isso aconteceu no PS ia perdendo o lugar para o Manuel Serra e só Alegre o salvou do afogamento certo).

Saudações desportivas.