Em duas codiciosas investidas estético-penais sucessivas — uma primeira, oblíqua; a segunda, mais directa — um conhecido auto-caricaturista involuntário reincidente e académico das Belas-Artes por vocação defende o lugar da República Popular da China como sucessora da União Soviética à cabeça de qualquer coisa como a vanguarda da "construção do socialismo" e da "resistência anti-imperialista" internacionais.
Com efeito, acusando "a canalhada do costume" de transformar a China na "sua nova União Soviética", o esteta do "acontecimento contra a democracia", aponta às gigantescas turbas formadas na disciplina de aço da sua fantasia, e valendo-se dos profusos argumentos estatísticos de uma ressurrecta mas nem por isso menos visionária aritmética política, a nova e prometedora via para a terra prometida, antecipada como verdadeira “sociedade de abundância” (ou quiçá de "despesa", à la Bataille). É certo que, ao contabilizar de tal sorte, nos fica a suspeita de recorrer inconscientemente à lógica de Krutchev — competir com o Ocidente capitalista e superá-lo —, o que não deixará de parecer chocante a alguns dos seus fiéis leitores, indefectíveis entusiastas de Estaline. Mas é que, em primeiro lugar, qualquer Jdanov está sujeito a estes deslizes, sendo também possível, em segundo lugar, que a recuperação do método do revisionista infame seja afinal um simples golpe táctico, ainda mais genial por confundir o inimigo.
Mas o post do candidato a comissário da reeducação artística prisional do Homem Novo encontra ecos à altura na respectiva caixa de comentários, onde nos é também revelada uma nova concepção da que deverá ser, sob a direcção da República Popular da China, a atitude revolucionária do proletariado internacional. Esta deverá abandonar greves gerais, protestos contra a precarização e outras práticas, tributárias de uma representação ideológica da luta de classes incompatível com a construção da "sociedade harmoniosa", pois, tal como a define o sempre colossal Abílio Rosa, deverá doravante nortear-se sobretudo pelo exemplo dos elementos da diáspora chinesa, que “são imigrantes exemplares, trabalhadores, pacíficos e que respeitam as leis dos países acolhedores”.
É verdade que o autor do post e o seu comentador recém-citado se esquecem desconcertantamente de um argumento maior e que tinham à mão de semear (esperemos que os camaradas da RPC saibam ser compassivos): a solidariedade internacionalista da China Popular com o combate ao défice do Bloco Central da região portuguesa, manifestada no seu propósito de comprar a dívida aos dirigentes portugueses em troca simplesmente de uma igual solidariedade internacionalista quando a agenda da UE tiver alguma coisa a ver com os interesses da RPC.
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