08/11/10

"Mais dispostos a trocar democracia por dinheiro"

Rui Tavares, na sua crónica de hoje (08-11-2010), no Público (sem link. mas em breve disponível no blogue do Rui):

Nos anos seguintes [a Tiananmen], a China mudou muito. Ficou mais rica e poderosa; os ingénuos do capitalismo acreditaram que com o dinheiro viria a democracia, que "a China ficaria mais parecida connosco". Afinal, foi o contrário que aconteceu. Nós é que estamos agora mais parecidos com a China, mais dispostos a trocar democracia por dinheiro - por exemplo, dispostos a deslocar uma manifestação, em Lisboa, para que os dirigentes chineses possam viver no seu mundo de deferência e fantasia.

12 comentários:

Anónimo disse...

Perdoem-me a indelicadeza mas já li muitas frases estúpidas deste Rui Tavares. Basta!! Então os ingénuos (pois, são muito ingénuos!) do capitalismo pretendiam a democratização da China (e consequente subida dos custos de produção), como se tal coisa fizesse parte integral do etos capitalista. Ena.

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Miguel Serras Pereira disse...

Anónimo,
creio que você não percebeu nada - ou percebeu ao contrário - a posição do Rui Tavares. O que ele diz - se não me engano - é que uma ingenuidade acreditar que o capitalismo traz necessariamente consigo as liberdades e direitos que, nas partes do undo em que existem, foram conquistadas e devem ser defendidas e alargadas contra ele (capitalismo).
O ethos do capitalismo, segundo se depreende de uma leitura atenta, é justamente o que o Rui denuncia: trocar democracia ou seja lá o que for por dinheiro - acumulação de capital, de posições de comando nas relações de poder desiguais que são as "relações sociais de produção" capitalistas.
Leia lá outra vez e veja se não tenho razão.

Saudações democráticas

msp

Anónimo disse...

Miguel

Acho que todos nós podemos ser estúpidos lá de vez em quando. Este argumento do RT é imbecil.

Porra. O PC como etos político é uma grande merda.

Ou será prudishness?

Anónimo disse...

Caro Miguel,

O meu comentário referia-se a esta frase:

"os ingénuos do capitalismo acreditaram que com o dinheiro viria a democracia, que "a China ficaria mais parecida connosco".

Ponto 1: nunca li tal coisa no Financial Times, Economist etc.

Estes "ingénuos" são uma ficção.

Qualquer pessoa modestamente bem informada acerca da China sabe que isto é um absurdo.

O RT que apresente aqui exemplos destes ingénuos do capitalismo que acreditam ou acreditaram que, NA CHINA, o capitalismo fomentaria a democratização.

PS: nem mesmo os mais devotos neo-liberais argumentaram que o laissez faire dos mercados "livres" promoveria a Democratização da China. Poderá fomentar a pluralização-fragmentação das elites Chineses. Mas isto não é sinónimo de democratização.

Bem sei que os neo-libs como Hayek e Friedman consideram os mercados livres como condição sine qua non da democracia liberal. Mas, a bem da verdade, nunca li ou ouvi um dos seus descendentes ideologicos a defender a tese de que os mercados livres na china estão a promover a democracia. De facto, eles nem consideram a China um mercado livre.

Compreendeu?


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Anónimo disse...

O prémio da superficialidade analítica da semana vai para o Juan e para o Rui Tavares. :)

A ciência política não é literatura, Caro Miguel.

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Miguel Serras Pereira disse...

Caros Anónimos,

1. durante muito tempo, foi ponto assente para a ideologia dominante, deste lado da "guerra fria", que os mercados livres e o doce comércio traziam consigo a democracia.
2. A traço grosso, é com o triunfo do "neoliberalismo" e da desregulamentação (ou regulação pelos aparelhos de direcção económica do poder político formal dos Estados) que a tese começa a ser contestada mais generalizadamente, e a partir de perspectivas diferentes (Para Hayek, aquilo a que ele chama a democracia é só uma condição preferível, não um must daquilo a que chama a liberdade: posição à luz da qual justificaria, por exemplo, a ditadura de Pinochet).
3. A literatura não é ciência política, nem vice-versa. De acordo. Mas, sobretudo, a política não é ciência nem há política científica. Pelo menos, numa perspectiva democrática, não podemos conceber o contrário: somos nós, precisamente, quem devemos deliberar e decidir da lei - de uma lei que não é prescrita nem dedutível de uma ordem ou estado de coisas anterior. Que não é necessária. Nem uma pescada que o é já antes de o ser.
4. Penso que os dois Anónimos fazem uma leitura distorcida tanto do RT como do JG - pelo que, na medida em que as coisas que dizem são acertadas, não infirmam as posições dos seus alvos, ao mesmo tempo que, na medida em que pretendem infirmá-los, desacertam.

Saudações libertárias

msp

Anónimo disse...

Caro Miguel,

"1.durante muito tempo, foi ponto assente para a ideologia dominante, deste lado da "guerra fria", que os mercados livres e o doce comércio traziam consigo a democracia."

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Ideologia dominante é coisa muito ambigua. Nunca li tal coisa acerca da China. Nunca li um neo-lib, hayekiano ou friedmaniano a defender a tese de que a introdução de mercados livres promoveria a democratização da China. nunca. Foi/é uma ideologia dominante que não se manifesta/ou nos media dominantes. Deveras bizarro.

Como sabe, só os neo-libs poderiam ter defendido esta tese: ora, como é sabido, eles são libertários, ou seja, consideram a existência de um estado minimalista (not China) condição sine qua non dos mercados livres. Logo, a China não é mercado livre. Sequitur: a tese do Rui é absurda e assenta numa fição. (da esquerda, neste caso. uma percpção errado dos argumentos do campo oposto)

Repare: os mercados livres, aos olhos dos neo-libs, só podem maximizar a liberdade (sempre negativa. enunca falam de democratização...aliás, gostam muito da liberdade mas raramente abordam a democracia, tanto Hayek como Friedman) sem as interferências do estado intervencionista.

PS: A "ideologia dominante" é um conceito muito vago. Se foi dominante, escapou-me por completo. Nunca ouvi um chicago boy a dizer que os mercados livres promovem a democratização da China. Eles nem sequer acreditam que existe um mercado livre na China.

Havia neo-libs que defendiam que os mercados livres poderiam ser introduzidos com uma boa dose de autoritarismo(chile, Chicago boys) e que isto promoveria o crescimento económico e o bem estar geral bla bla. Mas nunca falaram em democratização. A democratização não lhes interessa. Nunca interessou.

Melhores cumprimentos
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Miguel Serras Pereira disse...

Caro Anónimo,

sim, mas a "liberdade negativa" faz para eles figura de "democracia", e quanto à democracia, pelo menos o Hayek é explícito: é um meio, geralmente eficaz, mas só um meio subordinado.
Receio que estejamos a extraviar-nos nesta discussão: eu nunca disse que os neoliberais de que V. fala estivessem interessados na "democratização" tal como julgo que V. a entende. Mas há casos significativos:pense no de c Vargas Llosa, que não é economista, mas que associa a defesa daquilo a que chama "democracia" - Estado de direito, liberalismo político - ao mercado livre… Ou pense nas posições como as que hoje o meu leal camarada Luís Rainha cita em http://viasfacto.blogspot.com/2010/11/velhas-supersticoes-novas-homilias.html

Saudações cordias

msp

Anónimo disse...

Caro Miguel,

A citação do ensaio mencionado pelo Rainha não valida o seu argumento, como já o disse (lá, no post do Rainha)

Lamento, mas só um economista imbecil e perfeitamente tresloucado é que poderia afirmar tal coisa.(que os mercados livres podem causar a democratização)

Já viu como é que o conceito de "ideologia dominante" de pouco serve à nossa discussão!?

Lamento, mas a sua tese era muito especifica:na "ideologia dominante" os mercados livres são vistos como causa da democratização.

O que está a dizer agora é autrement: que há intelectuais, pensadores, analistas etc que dizem que os mercados livres são parte integrante de um sistema liberal-democrático (aqui os mercados aparecem como elemento constitutivo e não como CAUSA)....

Mudamos de rumo.


O seu leal camarada errou no alvo e citou um documento que valida a minha tese, lamento informar-lhe. Acontece. Deve ter lido a coisa à pressa. Já me aconteceu muitas vezes.

Sugiro que deixemos de falar de "ideologia dominante" e falemos de pessoas em concreto.

O Carlos Llosa pertence ao grupo daqueles que tem a seu cargo formular a ideologia dominante??

Não me parece, caro Miguel. Nem o conhecia.

Melhores cumprimentos
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Anónimo disse...

Sugiro que deixemos de falar de "ideologia dominante" e falemos de pessoas em concreto.

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Pensadores, intelectuais, ideias, escolas etc que façam inequivocamente parte da ideologia dominante. Era isto que eu queria dizer.

É evidente que não desejo falar sobre personas.

Cumprimentos,
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Miguel Serras Pereira disse...

Caro Anónimo,
Vargas Llosa - e não Carlos Llosa.
Encantado, por outro lado, com a sugestão de abandono da "ideologia dominante". Mas, para os efeitos da nossa discussão, pouca diferença faz que os porta-vozes ou vozes doutrinárias do "neoliberalismo" e da "racionalização económica" como sinónimo de racionalidade ou de razão tout court digam que há relação de causa a efeito estrita entre economia de mercado (na qual, nomeadamente, a força de trabalho é idealmente tratada como mercadoria - de facto, é outra coisa e daí o reforço do braço armado do Estado para impor essa condição a que a força de trabalho é, por assim dizer, ontologicamente avessa -) e "democracia liberal" ou que a existência desse tipo de mercado é condição da democracia.
De resto, a ideia de uma afinidade electiva determinante em termos (quase-)necessários entre as duas coisas é tão forte ao nível da auto-justificação da ordem estabelecida que um liberal como Ernst Gellner teve, há vinte anos ou coisa parecida, de chamar a atenção para o facto de uma economia liberal, ao contrário do que muitos pretendiam, não ser garantia de Estado de direito liberal.
O que talvez esteja a suceder hoje é a uma outra "novidade": o abandono do álibi da liberdade política - apresentada como garantida, ou fortemente promovida, pela economia de mercado acima referida - enquanto justificação do primado da economia política dominante. Este abandono é acompanhado pela justificação puramente económica da razão económica e por uma desvalorização da dimensão política explícita (entronização do valor económico como único valor ou sentido, ou como forma necessária de quaisquer outros valores ou sentidos, reduzidos ao acessório).

Saudações republicanas

msp

Anónimo disse...

O Ernest Gellner era pessoa excepcional, dotado de grande perspicácia. Venero o homem. Sim, é evidente que uma economia liberal pode coexistir com o mais sórdido autoritarismo.

Todavia, uma democracia sem mercados livres (verdadeiramente) seria coisa impensável. Espero que não esteja a cultivar ilusões acerco do planeamento democrático dos meios de produção. Enfim, é tarde, não vale a pena irmos por aí senão a conversa não acabará nunca. (e nunca acabará, de facto)

" Afinidade electiva (substitui causalidade).... e Auto-justificação da Ordem Estabelecida (inclui Mercados na ordem)..."

Muito bom, Miguel. Finesse.

Agora sim. Assim é melhor. :)

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mudando de assunto, como quem diz:

Ensaio brilhante.

Em parte, aborda a questão das contra-imagens, contra-metáforas, etc na luta pela conquista da percepção e psyche publica.


http://www.jstor.org/pss/2010423

Uma boa noite para todos Vós.

Melhores cumprimentos (laicos ou não laicos, pouco importa)

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PS: quanto ao resto da sua resposta (a perversão ou redução do bom e velho conceito da liberdade como justificação dos mercados livres etc....devo dizer que desde que li a Dialectica do Adorno&Horkheimer que não tenho quaisquer ilusões acerca disto....)

Contudo, parece-me também, não obstante as suas considerações pertinentes, que nunca fomos tão livres....mas isto é outro assunto!

Boa noite.

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