03/11/10

Se nem com o Manuel António Pina aprendem a bem…

Antes ainda de lhe dever, como tantos outros, o ter-se tornado o poeta de primeira grandeza que hoje é,  já a minha dívida para com o Manuel António Pina enquanto autor de "literatura infantil" era imensa, tão grande pelo menos como a dos meus filhos, a quem oferecia ou lia as suas histórias.
O Manuel António Pina cronista aprendeu com o Manuel António Pina autor de "literatura infantil" a clareza e a capacidade de comunicação de inteligibilidade únicas que o distinguiram nesse género, transpondo-as para a desmistificação das razões de Estado correntes e das servidões voluntárias que as autorizam e fazem o seu prestígio e a nossa menoridade humilhante.
O que é,  assim, de facto assombroso (não menos  justificadamente do que o céu estrelado e a consciência moral aos olhos de Kant ), o que, mais do que raiar, excede em muito o simples escândalo da razão, é o silêncio com que, não só o PCP, directamente visado, mas também o BE (embora, sem dúvida, contrariando as mais prometedoras fracções dos seus militantes), acolhem este excerto de uma crónica já aqui trazida à colação pelo camarada João Tunes — sobretudo, num momento em que a RPC pondera, de acordo com o seu projecto imperialista de política de potência visando a conquista da vanguarda da precarização global,  assumir o papel de credora de países da região da UE, como a Grécia e Portugal, a fim de usar os seus governos como instrumentos ancilares da sua estratégia global.

Também o PCP, que classificou de "roubo" o aumento do IVA e as brutais reduções dos salários da Função Pública, pensões e prestações sociais, se pode queixar de ter falado de mais quando enalteceu o "contributo" da China para a resistência dos povos (supõe-se que do povo português também) "à tentativa do imperialismo de [...] instaurar uma nova ordem mundial exploradora". De facto, a China acaba de anunciar, pela voz da sua vice-ministra dos Negócios Estrangeiros, que, muito ao contrário do PCP, "[acredita] que as medidas tomadas pelo Governo português conduzirão à recuperação dos sectores económico e financeiro de Portugal".

É caso para dizer que, se nem com o Manuel António Pina aprendem a bem, talvez seja tempo de nós, os que nos assumimos como parte dos trabalhadores e cidadãos activos e democratas a que os dois partidos privilegiadamente se endereçam e que tanto gostam de invocar, os chamarmos à razão democrática — a bem ou não só.

4 comentários:

Jaime Valente disse...

Tanto contorcionismo verbal faz com que as ideias - mesmo torcidas - desapareçam.

Miguel Serras Pereira disse...

Pois é, prezado Jaime Valente, nem toda a gente tem as ideias tão direitas nem aescorreita agilidade verbal que você cultiva. Aqui fica, pois, à laia de mea culpa, esta amostra do seu magistério estilístico e argumentativo, pescada ao acaso no seu blogue, para edificação do viandante que por esta caixa passe:

"Sonho literal
- Gostei de te ver comer o gelado ontem! Estás definitivamente melhor. Quase, quase curada.
- Até sonhei com ele ontem à noite.
- Isso é sinal que querias comer outro. Queres que vá comprar um?
- Não é preciso. Eu sonhei que estava a comer o gelado, mas a meio do sonho o gelado transformou-se no teu caralho e até ao final do sonho foi o teu caralho que eu lambi e chupei.
- Eh, eh! Isso é melhor que a opinião de mil médicos: estás curada! Esse sonho é tão óbvio que não chega a ter segundo sentido. Para o interpretar não é preciso ser psicanalista.
- Yeh! É mais literal que uma equação matemática: preciso de foder!"

Cumprimentos

msp

Anónimo disse...

Esta resposta do MSP lembra-me uma da Maria Filomena Mónica, quando foi buscar, com o objectivo de ridicularizar, uns poemas com forte expressão erótica do Boaventura Sousa Santos. Mas o que é que isto tem a ver? Já se sabe que o MSP só faz meas culpas para desqualificar os oponentes, mas assim já mete nojo.

Miguel Serras Pereira disse...

Anónimo,

o aspecto erótico do trecho em apreço é bastante inócuo - eu quis somente ilustrar a concepção do comentador Jaime Valente do que devem ser o verbo escorreito - por oposição a contorcido - e a limpidez lógica - por oposição às "ideias torcidas".

Quanto à Maria Filomena Mónica - quem é essa senhora? E que disse ela do Mestre, já agora?

msp