02/11/10

Trabalho e opressão

No seguimento da discussão a que o Miguel Serras Pereira alude, do meu ponto de vista, a dicotomia que importa é entre o trabalho executado livremente e aquele que resulta dum acto de opressão. É-me politicamente indiferente se o trabalho realizado por decisão livre é agradável para quem o executa ou não. Ou seja, não vejo qualquer problema em que cada um lave a sua própria retrete, mesmo que o deteste fazer, se ninguém o obrigar a tal. O problema aparece quando (parte do) o produto do trabalho é usufruído por outrém distinto de quem o produziu. Será que essa apropriação foi feita de comum e livre acordo entre produtor e apropriador (termo mais genérico que consumidor), ou um dos intervenientes está a explorar, oprimir o outro? Esta questão não tem resposta simples, a não ser nos casos em que o apropriador obriga directamente (escravidão) o trabalhador a entregar-lhe o produto do seu trabalho. A exploração indirecta é, genericamente, muito mais difícil de identificar, e pode-se dar nos dois sentidos (por exemplo, o consumidor impõe um preço injusto ao produtor). Tem lugar, para um interveniente ou observador, quando os termos da apropriação são considerados injustos, critérío inerentemente subjectivo que, frequentemente, resulta em diferentes avaliações desses termos por parte de intervenientes e observadores.

Como se poderia então diminuir a exploração indirecta, se não há critérios objectivos que permitam sequer, e antes de mais, determinar a sua existência? A exploração indirecta existe quando um dos intervenientes numa relação entre produtor e apropriador determina ser necessário aceitar os termos que lhe são propostos, mesmo que considere tais termos injustos. Portanto, em princípio, haverá tanto menos exploração indirecta quanto menor forem as necessidades de todos os possíveis intervenientes em relações do tipo produtor - apropriador. Quanto menor fôr a necessidade de produzir ou de apropriar, menor será a necessidade de entrar em relações do tipo produtor - apropriador que se considere injustas. Daqui decorrem duas políticas concretas, efectivamente capazes de diminuir a exploração, a opressão nas relações do tipo produtor - apropriador: (1) assegurar que cada pessoa tem as suas necessidades minímas de sobrevivência satisfeitas, no que se inclui assesso garantido a cuidados de saúde, educação, alimentação, habitação, etc, o que em várias das sociedades actuais se tenta fazer por meio do chamado Estado Social, e em particular através da implementação dum rendimento universal/mínimo garantido; (2) educar para a autonomia e a frugalidade, o que é incompatível com a promoção da dependência e alienação nas actuais sociedades centradas no consumo, donde um primeiro passo importante seria a proibição de todo o tipo de publicidade.

Para terminar, gostaria apenas de chamar a atenção para o facto de que o que escrevi é independente do nível de regulação e agentes reguladores das relações do tipo produtor - apropriador. É válido quer num sistema em que a regulação está ausente, ie. não há intervenção directa exterior na relação produtor - apropriador, quer num sistema em que é um agente regulador (por exemplo, o Estado), que determina os termos da apropriação.

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