Uma outra maneira de acentuar a importância do que está em jogo no caso Wikileaks, que confirma e reforça a perspectiva que aqui deixei ontem ("Espionagem democrática"), é considerar que a mobilização histérica das oligarquias governantes em defesa da legitimidade das suas políticas de segredo equivale de facto à reivindicação de um estatuto acima da lei, não ligado pelas suas próprias leis, para o poder que exercem sobre os cidadãos comuns. É o que prova a sua ritual insistência na ilegalidade criminosa da divulgação de documentos e o seu imperial silêncio sobre as ilegalidades e atentados aos princípios constitucionais dos seus regimes por elas cometidas que os mesmos documentos comprovam.
Com efeito, se as leis vigentes e essa lei das leis que é a Constituição vinculassem os governantes dos EUA, estes ter-seiam visto obrigados ao inspirador exercício de pôrem a prémio as suas próprias augustas cabeças, caso não preferissem resignar e reconhecer a urgência da transformação de uma forma de organização do poder que lhes permite a violação das leis que eles próprios fixam e da lei fundamental que as valida e autoriza. É o que o seguinte excerto da entrevista concedida ontem a El País por Julian Assange deixa bem claro:
P. Hablando con la revista Time dijo que Clinton debería dimitir si se puede comprobar que fue responsable de ordenar a diplomáticos estadounidenses que espiaran en Naciones Unidas. Si así fuera, ¿no debería ser Barack Obama el que dimitiera?
R. Toda la cadena de mando que supo de esta orden y que las aprobó debe dimitir si Estado Unidos quiere ser visto como una nación creíble que obedece las leyes. La orden es tan seria que podría haber llegado al presidente para su aprobación.
P. Y si así fuera, ¿debería dimitir? (…)
R. Obama debe decir qué sabía de esa orden ilegal y cuándo supo de ella. Si se niega a contestar o hay evidencia de que aprobó esas acciones, debería dimitir.
É bem a relação de forças actual, que lhes permite, ao mesmo tempo que declaram governar em nome da lei, governarem acima da lei que as oligarquias, cujas políticas de segredo Wikileaks denuncia, sentem posta em causa ou ameaçada. Vai sendo tempo de contribuirmos com o nosso esforço para consolidarmos os fundamentos do seu receio.
05/12/10
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
2 comentários:
Pois o que eles temem é pelas suas próprias cabeças. Sentem que anda qualquer coisa no ar. todos os seus instintos os avisam que o que quer que seja não é nada de bom para eles, mas não sabem que coisa é essa.
Nem eles, nem ninguém. E eu temo, pela minha parte, que o que aí vem não seja nada de bom nem para eles, nem, a curto prazo, para o comum das pessoas.
Nem mais, caro José Luiz Sarmento. Ou assistimos a um rápido desenvolvimento das acções e de (lúcida) vontade democrática, ou corremos o sério risco de conhecer uma aceleração da erosão e deterioração dos direitos sociais e liberdades políticas secularmente conquistados na Europa e nalguns países de outras regiões, cedendo o passo perante novas ditaduras e regimes autoritários, instaurados como medidas de emergência, que, pouco importando a cor de que se pintem, poderão iniciar um período de regressão política e civilizacional devastador.
É isto que devemos meter na cabeça e procurar fazer ver. Não tenho dotes proféticos, mas que a situação é de alto risco e ameaça parece-me difícil de contestar.
Cordial abraço democrático
msp
Enviar um comentário