14/12/10

Pacheco versus Pacheco

É desconcertante a forma como Pacheco Pereira publica no Abrupto afirmações e juízos perfeitamente contraditórios, à distância um scroll down e aparentemente sem se dar conta.
Num artigo do Público  indigna-se contra
...um genuíno igualitarismo contra as elites que "manipulam" o povo (e que leva a afirmar ingenuamente que deixaram de o poder fazer porque há Internet e qualquer cidadão enraivecido pode colocar as suas queixas para centenas de milhões de leitores, embora o faça na realidade apenas para os seus companheiros de caixa de comentários), explica também o ataque à mediação, ao conhecimento, ao saber, à especialização, a favor de um valor universal igualitário de todas as opiniões. Este igualitarismo que se legitima numa variante moderna da "psicologia das multidões" promove a mediocridade como norma e está a erodir todo o sistema de mediações sem as quais o tecido da cultura não consegue tapar as pulsões da barbárie.
Mas era ele mesmo que, a propósito da sua proposta de extinção do Ministério da Cultura, escrevia na Sábado contra os subsídios à criação, garantindo-nos que
muitas vezes, não é criação nenhuma mas um papaguear das modas do dia, defendidas por uma muito vocal elite, que naturalmente defende os seus interesses.
Será plausível considerar que tudo isto se escreve no pressuposto de que os leitores do jornal não compram a revista e vice-versa, mas pôr os dois textos tão perto um do outro coloca necessariamente a questão de saber qual é, ao fim e ao cabo, a opinião de Pacheco Pereira sobre as elites e as mediações. Ou bem que elas são indispensáveis para o tecido da cultura conseguir tapar as pulsões da barbárie (credo!) ou bem que elas naturalmente defendem os seus próprios interesses e a sua mediação se revela desprovida de qualquer «interesse público». Clamar contra o populismo às 6ªs e contra o elitismo aos Sábados é que  é capaz de dar demasiado nas vistas.

6 comentários:

Ana Cristina Leonardo disse...

Clamar contra o populismo às 6ªs e contra o elitismo aos Sábados é que é capaz de dar demasiado nas vistas.

Tu desculpa, Ricardo, mas não me parece um bom argumento. Eu própria sou capaz de defender uma coisa às sextas e outra aos sábados.

Ricardo Noronha disse...

E és capaz de o fazer todas as 6ªs e todos os sábados Ana?
O tema das elites intelectuais desfasadas do gosto das massas é recorrente em PP e motivou vastas diatribes aquando da ocupação do Tivoli.
Esta ênfase na importância mediação é que me parece não apenas recente como bastante instrumental. Gostaria de tentar perceber até onde vai. Mas suspeito que vai apenas até onde lhe convém.

Ana Cristina Leonardo disse...

Ricardo, não vejo que haja nos 2 textos contradição. O que o PP está a dizer, parece-me, é que as elites são indispensáveis mas o MC não cria elites; daí ser dispensável.
O que importaria perguntar-lhe é o que são elites. Uma pergunta difícil, acho eu, que, embora não me vendo do lado dos bárbaros, tb. não me considero iluminada (mas o mesmo já não se poderá dizer talvez do PP que, não sendo um troglodita, sofrerá eventualmente de um certo desprezo pelo resto da humanidade).
Chama-se a isso, do meu ponto de vista, deficit de compaixão. O que pode parecer uma expressão meio "beata" mas que eu reputo antes de radicalmente ética. E, neste particular, estou convencida disto seja sexta ou seja sábado.
-:)

Diogo disse...

Pacheco esquece que os Mass Media são propriedade de meia dúzia de grupos económicos que só dizem aquilo que lhes interessa, e que o vai para a Internet não fica só numa caixa de comentários mas pode correr o mundo todo.

Niet disse...

Tentar dar nas vistas e perceber a fundo o que quer que seja é impossível: é o que se diz à boca cheia nos Campus de Harvard e Yale... Daí os déficits, os tapa-buracos da ética ( Castoriadis) e a declinação inglória de lugares comuns nos jornais e na Imprensa em geral. Por isso, a supremacia dos livros e revistas especializadas direccionadas para fornecer às élites o que elas devem saber para...manter o poder!
Niet

Ricardo Noronha disse...

Cara Ana, não vejo esse «mas» que liga a indispensabilidade das elites ao juízo de Pacheco Pereira sobre o Ministério da Cultura. Vejo a necessidade da mediação a insinuar-se onde antes só se clamava pela liberdade de escolha do espectador/consumidor/cidadão.
Mas é verdade que a minha questão é retórica. A contradição não chega a sê-lo, uma vez que Pacheco Pereira deseja a mediação que mais lhe convém, feita pelas elites que servem o seu programa.
Nunca se tratou do respeito integral e absoluto pela inteligência dos espectadores, mas esse era um argumento forte, por exemplo, contra a existência da televisão pública - se as audiências revelavam a preferência pelos produtos/programas mais massificados, então esses produtos estavam certos e seria abusiva qualquer crítica à programação ou, o que é diferente, uma alternativa que funcionasse segundo outras lógicas, como poderia ser a programação de uma televisão pública.
Mas tudo isso era, para Pacheco Pereira, uma política do gosto administrada por elites intelectuais sob a máscara de preocupações democráticas e segundo principios iluministas.
E não é que agora, num tema tão crucial como é o do acesso a informações da maior relevância política (e portanto pública), nos vem presentear com lágrimas pela morte da mediação?
Mas nota, a minha compaixão vai toda para os diplomatas norte-americanos que viram assim as suas «comunicações» devassadas num mundo onde já não há princípios e etc...
;)