14/12/10

Um país de capachos

As mensagens diplomáticas reveladas pela Wikileaks não revelam apenas embaraçosas coscuvilhices, escândalos grandes e pequenos. Também constroem um detalhado retrato do Portugal que hoje temos. Confirmando, ao fim e ao cabo, aquilo que já sabíamos mas que esperávamos ser ainda coisa privada, só nossa.
Um primeiro-ministro que dobra a coluna ante qualquer pedido do amigo americano, garantido aos compatriotas o oposto. Um ministro dos Negócios Estrangeiros que convém acarinhar, como se fosse um poodle amistoso e bem treinado. Um Presidente que amua quando não recebe a benesse de um encontro com o seu colega americano.
Depois, as reacções: andam por aí jornalistas e antigos directores de jornais (os tais que Cavaco tem por "suaves") que apenas descortinam nestas revelações uma violação indigna e indecente dos sacrossantos segredinhos de Estado. E até um troca-tintas do calibre de Paulo Portas descobre agora que não quer ser "cúmplice de um crime", recusando-se a sequer comentar o assunto.
Casos acidentais? Desenganem-se. É rara a ocasião em que os nossos poderosos, quando confrontados com os fortes deste mundo, não revelam a espinha dúctil dos timoratos. Vejam, por exemplo, o "grande salto em frente" do triste Teixeira dos Santos; todo ufano porque a China nos vai emprestar dinheiro (imagino que às taxas usurárias com que hoje em dia os mercados nos agraciam): "A China mostrou-nos claramente que acredita em Portugal, acredita no nosso esforço de consolidação das finanças públicas, acredita na nossa capacidade de recuperar o crescimento económico e acredita na solidez do nosso sistema financeiro". O pobre pede esmola, faz umas cabriolas para agradecer e ainda vai para casa gabar-se da intimidade que tem com o rico que lhe atirou a moedita.

1 comentários:

Niet disse...

Castoriadis fala e insiste contra os mitos e aporias da significação- e estas coisas são muito dificéis de esquematizar: de Frege a Carnap, de Peirce a Wittgenstein... sublinhando que " a emergência da interrogação significa uma ruptura com os universos míticos e implica uma pesquiza aberta da significação- que o mito tinha por função fechar na sua realização.(...)O que nos surge pela razão, devemos, primeiro, compreender onde se constitui e, onde, potencialmente, se dirige; portanto,elucidar primeiro as suas origens e a sua função. Mas isso não chega, jamais se consegue acabar com uma ideia dizendo simplesmente: ela vem de lá, e hoje ela serve para isto. " Origem " e " função " não esgotam a significação ". A revolução faz-se também com a linguagem( é a história espontânea de Maio 68) ,mas há factores incontornáveis e que dependem do contexto de lutas de classe. Neste momento com a insofismável supremacia conjuntural da lógica de Estado-déspota e anti-social mais implacável e armada, só pode, no meu modesto ponto de vista,uma estratégia" aberta" e " transparente " como a do Wikileaks vir a causar péssimos resultados para a emancipação popular. Niet