02/02/11

Jorge Sampaio faz-se parvo para nos fazer mais parvos do que se faz, mas é tão parvo, o excelentíssimo "ex" por excelência, que, na sua parvoíce excelentíssima, nem se dá conta de que — apesar de muitos de nós o termos escolhido duas vezes para PR — nem todos somos tão parvos como ele nos quer fazer e fazer crer que somos

Esta crónica de Manuel António Pina explica bem porquê.

Tenho andado a matutar nas afirmações do ex-presidente Jorge Sampaio à saída do Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa onde foi defender o seu amigo José Penedos, arguido de crimes de corrupção e participação económica em negócio no chamado processo "Face Oculta".

Conta quem lá esteve que Sampaio garantiu ao tribunal que o amigo está acima de qualquer suspeita; o que é uma maneira de dizer, pois Sampaio foi justamente defendê-lo de muitas e graves suspeitas... Mas até aqui tudo bem, é o seu papel como testemunha de defesa e ele cumpriu-o zelosamente, prescindindo até da faculdade de testemunhar por escrito porque "os papéis são silenciosos" (e não falam aos jornalistas à saída dos tribunais).

Mas Sampaio foi mais longe, fez questão de revelar que, na Presidência, recebeu prendas "que não cabiam em três salas". Mais: que "nunca compr[ou] uma caneta ou um relógio" (mostrou até a caneta que trazia, que lhe terá sido oferecida não sabe por quem). E que, apesar disso, "nunca se senti[u] minorado na [sua] honestidade".

Quererá Sampaio dizer que receber prendas é sempre coisa inteiramente inocente? Que ninguém recebe prendas para cobrar favores? Que, pelo facto de ele próprio ter recebido prendas, três salas delas, sem dar nada em troca toda a gente (no caso todos os seus amigos) fazem o mesmo? E, já agora, acha Sampaio que quem o ouve à porta de um tribunal ou lá dentro é estúpido?

7 comentários:

Niet disse...

Oh.Miguel S.Pereira: Com que então "o menino" esquece-se, em flagrante, de evitar relacionar a argumentação de efectiva misericórdia de J. Sampaio para com J. Penedos com a incontornável " artilharia " jurídica " de que ele, o ex-PR, e ex-colega de Galvões Teles(2),Veras Jardins, as gerações Wengorovius, Castro Caldas, etc,etc,instalada nos principescos cartórios da Duque de Palmela e da Columbano não pode deixar,jamais, de defender e honrar! Tiro muito longe do alvo, meu caro! O excelente M.A. Pina vive no Porto,apesar de ter um irmão que foi companheiro da geração de 62 e esteve exilado em França,por isso, é-lhe dificil a perspectiva mais certeira. Salut! Niet

Ana Cristina Leonardo disse...

Jorge Sampaio foi o nosso presidente "tecnicamente judeu"(!!!!!) (cito) e de lágrima fácil. Fica-lhe bem defender os amigos, mas já lhe fica menos bem fazer de nós parvos. Não nos podemos esquecer, contudo, que este é um país onde a corrupção se resume a uma caixa de robalos. Daí que esteja tudo certo.

Manuel Vilarinho Pires disse...

Caro Miguel,
Tenho que lhe tirar o chapéu.
Os últimos meses foram passados a tentar formar a convicção que o facto de um político ter amigos pouco recomendáveis indicia, ou mesmo prova, que ele é também pouco recomendável, a propósito do Cavaco Silva, claro.
Quando tomei conhecimento deste testemunho do Jorge Sampaio a defender um amigo pouco recomendável, coloquei um "post" no Facebook a suscitar essa reflexão, reforçada pela minha convicção de ele próprio não ser um político desonesto, e não obtive nem um comentário das pessoas que antes se tinham afirmado mais incomodadas com as amizades pouco recomendáveis do Cavaco Silva.
Este Manuel Pina, que passou os últimos meses a dar intensamente conta desse incómodo, demorou 9 dias a acusar o incómodo pelo testemunho abonatório do Jorge Sampaio, mas acabou por revelá-lo. Antes tarde, que nunca.
O que vai levantar uma questão curiosa: é que o Manuel Pina tem uma horda de admiradores que parece muito coincidente com a horda de admiradores do Jorge Sampaio. Que provavelmente vai ter alguma relutância em reconhecer nesta crónica a lucidez que habitualmente lhe reconhece.
Não foi o seu caso. Tiro-lhe o chapéu por isso!

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Manuel Vilarinho Pires,

obrigado pela atenção. Mas permita-me um reparo: ser admirador do Manuel António Pina não é um traço de fanatismo ou superstição, mas de discernimento e lucidez. Daí que não entenda bem que razões o levam a falar de uma horda - termo pejorativo, que sugere uma massa acéfala ou, como diria o O'Neill, um "rebanho pelo medo perseguido" - quando se refere ao conjunto dos que o admiram. Não digo que todos os admiradores de MAP sejam, eles próprios, admiráveis. A questão é maia complexa, bem sei, e sempre houve tipos nojentos que admiraram ensadores, artistas, etc. mais ou menos exemplares. É possível que haja, por isso, admiradores menos recomendáveis no conjunto referido, mas isso pouco ou nada tem a ver com o objecto da sua (deles) admiração, e está longe de ser um fenómeno explicável pelo que o MAP escreve. Daí que seja um pouco desconcertante descobrir-me, aos seus olhos de comentador, como membro de uma horda.

Com as cordiais saudações republicanas que sabe

msp

Manuel Vilarinho Pires disse...

Caro Miguel,

Apesar de discordar da sua opinião sobre as opiniões do Manuel Pina, não pretendi usar o termo "horda" com o significado pejorativo com que o interpretou, associando-o a fanatismo ou acefalia, mas simplesmente a colectivo.

Até lhes ia chamar análises, mas de facto não as considero análises, mas sim opiniões, e, nas análises, criticam-se e aceitam-se, ou não, como correctos os pressupostos e as linhas de reciocínio, enquanto com as opiniões concorda-se ou discorda-se sem exigências de objectividade.

Aliás, nem com esta opinião concordo porque, a partir de uma base correcta (fica bem a Sampaio testemunhar abonatoriamente por um amigo, mas fica-lhe mal garantir que o amigo está acima de qualquer suspeita, até porque lhe é impossível saber se de facto está), faz um erro de raciocínio (Sampaio, ao dar o seu exemplo pessoal, não terá necessariamente tentado provar que receber prendas é sempre inocente, mas antes que receber prendas pode ser inocente e portanto não prova, necessariamente, culpa), e chega a uma conclusão inválida (Sampaio tomou-nos por estúpidos, como se todos acreditássemos que ele provou a inocência do amigo do modo que o Manuel Pina assumiu que ele tentou provar).


Posto isto, não remeto os admiradores das suas opiniões a fanáticos nem acéfalos, mas a pessoas que tendem a tomar como boas, e a concordar com, opiniões que são semelhantes às suas sem as fazer passar pelo crivo da crítica, nomeadamente no domínio da objectividade.

E que, concordando ou discordando das opiniões em função, não de uma análise crítica e objectiva delas, mas do preconceito que têm relativamente ao opinador, ou seja, de uma preferência, vão ter dificuldade em lidar com uma opinião de um comentador com quem concordam sempre, negativa relativamente a um político com quem também concordam sempre.
Não é uma manifestação de louvor pela posição intelectual deles, mas também não tem o carácter pejorativo que lhe atribuiu.

Mas a si, caro Miguel, porque penso que tem preferências parecidas com as que atribuo ao(s) colectivo(s) de admiradores do Manuel Pina e do Jorge Sampaio, mas mesmo assim ter trazido este assunto à discussão, exclui-o desse colectivo e tirei-lhe o chapéu.
Apesar de termos opiniões tão (e talvez tão inconciliavelmente) diferentes, e de eu apreciar a ironia e mesmo o cinismo, o meu comentário foi mesmo um elogio, que aceitará apenas se quiser, como é óbvio.

Um abraço republicano...

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Manuel V. P.

se há imposição colectiva que a democracia tem como condição necessária, é a de que cada um seja capaz de, ouvindo os outros, pensar pela sua própria cabeça e interrogar criticamente as suas próprias convicções. Às justificações e legitimações através das invocação do mito, da crença venerável ou da doutrina autorizada, a democracia opõe a exigência do dar conta e razão, o debate do cidadão com os outros e consigo próprio.
Neste sentido, acho que a maneira do MAP é exemplar. Repare que ele podia fazer sua a divisa de Borges: "escrevo com a seriedade com que uma criança brinca" e que as suas crónicas instauram uma espécie de dúvida irónica permanente em relação às ideias feitas. A imagem que se desprende dos seus escritos não é, na ordem de considerações em que estamos, a de uma horda ou massa, mas a de uma assembleia ou convívio entre iguais. Basta ver, de resto, como ele não poupa a cena política instituída em todas as suas vertentes. É natural que os seus alvos mais frequentes sejam os que estão na mó de cima do momento, mas a verdade é que, além do PS e do PSD, o MAP não critica menos implacavelmente o PCP ou o BE ou o fanatismo dos esquerdistas autoritários. É, sem dúvida, a minha opinião, mas não independente de um exame dos factos - ou dos textos, na circunstância.

Seu interlocutor cordial

msp

Manuel Vilarinho Pires disse...

Caro Miguel,

A democracia funciona de facto melhor se cada um tomar, ou não, por bom o que ouve ou lê em função de uma análise objectiva, e não por se enquadrar melhor ou pior nas suas preferências anteriores.
Mas, sejamos realitas, não é obrigatório que assim seja, e cada um tem a liberdade de acreditar ou não em função dos seus preconceitos, sejam eles religiosos, políticos ou até clubísticos. Em função da sua fé.
Eu, como nunca recebi a graça da fé, desde sempre fiquei confinado a analisar o que oiço ou leio com a objectividade, a lucidez e o bom senso que me sejam possíveis, sempre mais para perceber o que lá está do que para confirmar as minhas concepções anteriores.
E é por isso que não partilho da sua opinião sobre as crónicas do Manuel Pina, onde detecto frequentemente falácias, como a que lhe dei conta no comentário anterior, e que estou certo que também vê (ler que "quem recebe prendas é sempre inocente" onde se dizia que "há quem receba prendas e seja inocente, de modo que quem recebe prendas não é sempre culpado").
Não coloco em causa a legitimidade dele para ter as opiniões que tem, com a objectividade que têm, nem para as manifestar no forum que lhe é proporcionado. Mas penso que as ideias feitas merecem ser demolidas através de análises sólidas e não meramente arranhadas por falácias que não têm capacidade de as desmontar.
Em minha opinião, claro.

Os melhores cumprimentos.