Espero ansiosamente o dia em que jornalistas e entrevistadores perguntarão a José Sócrates, Vitalino Canas, Augusto Santos Silva e outros entusiastas do «socialismo democrático» (o Jugular também serve, para começar), o que pensam dos seus camaradas tunisinos e egípcios que estiveram no poder durante tantas décadas. Aliás, e uma vez que ninguém tem pejo em falar da «China comunista», penso que começaria a fazer sentido falar do colapso eminente do «Egipto socialista democrático».
O que pensará Soares do assunto? O que pensa Juventude Socialista do assunto, quando não está ocupada com a questão candente dos estágios na administração local ? O que pensa o «jovem» secretário-geral, Duarte Cordeiro, na frescura dos seus 32 anos de idade? O que queria Basílio Horta dizer quando afirmou o seguinte: "São países com grande potencialidade e onde nós temos grande capacidade competitiva. Por outro lado, são países onde os negócios são tanto mais fáceis quanto mais fáceis forem as relações políticas. E a relação política entre Portugal e os países do Magrebe tem sido muito positiva".
O que pensarão eles de todos esses regimes onde se torturava e executava para que o clã presidencial pudesse viver à altura das suas ambições, onde a CIA despejava os prisioneiros que já não podia manter em Guantánamo?
Quem condena, quem sempre condenou, quem se distancia, quem compreende, quem gagueja, quem "desdramatiza" e quem nunca quis saber? Eis o que poderia ser um bom pedaço de jornalismo. Isso e saber o que segredou Ben Ali aos ouvidos de Sócrates, ainda não há um ano.
9 comentários:
É a vergonhosa "real politik" do Magrebe à China.
A quem interessa essa coisa dos "direitos Humanos "
Pois é, caro José Manuel Faria. Mas, embora compreenda e aprove o seu protesto, é preciso ver que aquilo que assusta o Magrebe e a China, sem dúvida, mas também a UE e os EUA, é o espectro da democracia, o seu potencial revolucionário instituinte. É a reivindicação, anti-oligárquica e anti-classista, de plena cidadania activa, de participação igualitéria. São as mulheres e homens que saem ara a rua e tomam a seu cargo, tornam responsabilidade sua, a conquista de direitos e liberdades. Há em embrião aqui uma figura alternativa de forma de governo, de exercício do poder, de relação com as instituições. Uma figura alternativa que, na medida em que se afirma e desenvolva e faça o seu caminho, torna obsoletos e parasitários os privilégios e superioridade hierárquica de todo o tipo de governo - da economia à política - que não seja exercido pelos governados, conduzido pelas suas deliberações e decisões responsáveis e entre iguais. Subjacente à vergonhosa dupla moral das classes governantes, está o velho medo da revolução sempre latente na iniciativa democrática da gente comum.
Cordias saudações solidárias
msp
MSP: mas tudo isso morre nas eleições de Setembro.
MPLA também integra a Internacional Socialista, em vermelhos.net
Anónimo das 22 e 41
na realidade, se o processo não criar qualquer coisa mais do que as eleições de Setembro, não conseguir instaurar formas de participação alternativa à representação (centrada na escolha de governantes que tem por condição prévia a renúncia ao autogoverno), que, pelo menos, não deixem a segunda monopolizar a actividade política e neutralizá-la entre a gente comum, você terá razão. Mas, até ao lavar dos cestos, é vindima. E, apesar de tudo, nunca se sabe. Que mais não seja porque as coisas não se limitarão ao Egipto nem à região; exercerão efeitos imprevisíveis, porque dependerão das respostas e iniciativas dos próximos tempos, também aqui, na UE, e no resto do mundo; exasperarão a crise e/ou introduzirão nelas novos termos e perspectivas potenciais; oferecerão verosimilmente nvas ocasiões e incitamentos à vontade democrática; deixarão, em todo o caso, a memória de experiência feita de que é possível mudar, de que não tem de ser sempre assim; minará um pouco ou muito, mas sempre mais do que nada, as relações de poder da dominação. Isto, bem entendido, se não for possível mais e melhor. Por enquanto.
msp
Para já, temos este artigo de um tal de Paulo Pisco que é deputado do PS:
http://www.ionline.pt/conteudo/102351-as-revolucoes-e-o-islamismo
Digam lá se não é esclarecedor:
"É também por isso que uma fuga ou uma saída de cena de Mubarak semelhante à de Ben Ali poderia ter péssimas consequências, por dificultar a preparação de uma transição que procurasse evitar o ressurgimento no futuro de um governo de pendor mais radical, com tudo o que isso representa de aumento das tensões políticas e militares a nível regional."
MSP: é com alguma pena que o vejo escrever pouco sobre este assunto. Penso que hoje é um dia decisivo para o Mundo, em que pode nascer uma época em que a revolução se faz sem o partido revolucionário. Nesse caso, será a intuição popular suficiente para reivindicar a auto-organização do trabalho em geral e político em particular, ou isso é uma miragem que vai acabar em eleições para um parlamento e, no fundo, ficar tudo como está?
Como está não fica. Uma borboleta bateu as asas algures.
Caro Fernando,
a revolta na Tunísia e no Egipto é admirável pelos motivos que resumi num comentário acima, a propósito da intervenção do JMF. Só podemos desejar que, além de derrubar os ditadores, logre criar órgãos e conquistar direitos de intervenção directa nas decisões políticas e de direcção da economia que persistam para além das eventuais eleições para uma assembleia constituinte daqui a alguns meses. Claro que se esses órgãos puderem ter força e lucidez para tanto, como o Fernando desejaria, talvez as eleições constituintes pudessem emancipar-se da lógica parlamentar e representativa que perpetua a distinção estrutural e permanente entre governantes e governados. Mas devemos reconhecer que, até ao momento, ainda não emergiu no terreno da luta um projecto claramente articulado e colectivamente investido no sentido dessa transformação revolucionária, porque radicalmente democrática. Vamos ver.
Dito isto, essa transformação revolucionária, que creio que você tem em vista, se seria um excelente programa para o Egipto, não o seria menos aqui, onde, de resto, se assim podemos falar, as condições objectivas parecem mais favoráveis. É justo e saudável que nos solidarizemos com as revoltas de Tunes e do Cairo, que nos regozijemos com elas, mas acho que estará de acordo comigo para recomendar que não devemos procurar satisfazer nelas por procuração a nossa própria vontade radical de democracia. Aliás, a melhor solidariedade que podemos manifestar aos insurrectos do Magrebe é a de lutarmos pela democratização dos regimes que aqui nos governam, começando por travar, contra-atacando, a ofensiva oligárquica e socialmente regressiva que por estas bandas se faz cada vez mais sentir também.
Cordiais saudações democráticas
msp
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