09/02/11

Tinque & Tanque


A propósito disto, ocorre-me dizer que mais vale uma intervenção de Esquerda num colóquio organizado pela Direita do que uma intervenção de Direita numa candidatura presidencial de Esquerda. Neste caso em concreto, qualquer coisa deste género seria suficiente para que Carrapatoso e Ramos não se ficassem a rir:
"Em todo o caso, aquilo que é hoje reconhecido por virtualmente toda a ciência política é que o primado do social sobre o económico exercido, parcialmente que fosse, através da esfera política - não só nos regimes representativos como também, no seu modo distorcido e excludente, nas ditaduras modernas de sinal reaccionário, populista ou revolucionário - se inverteu a pontos de o retorno à primazia do mercado esvaziar, tendencialmente, o valor intrínseco da competição partidária e, por conseguinte, da representação política. É nisto que convergem todas as variedades de neoliberalismo, desde o monetarismo puro e duro até algumas das mais inteligentes e elegantes propostas do já esquecido anarco-capitalismo, como as de Nozick por exemplo. [...] 
Todos estes processos tendem a convergir, entre os "incluídos" da globalização, no chamado efeito da classe média, que por seu turno se alimenta dos valores do êxito pessoal e dos consumos privados. Inversamente, entre os "excluídos", a aplicação sistemática e permanente da receita neoliberal do ajustamento estrutural chega a conduzir, como no caso da Argentina, a crises económicas e financeiras de carácter virtualmente inédito, com a total destruição do tecido social e a alienação de toda a população relativamente ao sistema político-partidário no seu conjunto. Da democracia sobra, apenas, embora não seja pouco, a liberdade de protesto, sendo o desespero das pessoas tanto maior quanto o seu horizonte de expectativas se apresenta destituído de toda e qualquer alternativa.[...]
Quanto ao exercício da cidadania política, bastará dizer, para encurtar a exposição, que aquilo que caracteriza a era da globalização, deste ponto de vista, é o fosso crescente entre a cidadania formal e  a cidadania efectiva. Drasticamente reduzida a motivação para a participação política e social, tanto por motivos endógenos como exógenos aos sistemas políticos nacionais, a questão que hoje se coloca, quando a democracia se tornou absolutamente hegemónica enquanto ideologia, é a dos graves défices que se observam, quase universalmente, no exercício real dos direitos de intervenção política, para além de uma participação eleitoral cada vez mais ritualizada e desprovida de conteúdos substantivos."
Manuel Villaverde Cabral, "Globalização, poder e cidadania", Ideias à Esquerda, nº1 (2003), pp.40-48

7 comentários:

Miguel Madeira disse...

Só um aparte sem grande importância e completamente lateral à ideia base do(s) texto(s) - Nozick não era anarco-capitalista (até é dos pensadores mais atacados pelos anarco-capitalistas)

Miguel Serras Pereira disse...

Na mouche, imparável camarada Ricardo.

Abraço

miguel (sp)

Dallas disse...

Se encararmos a política como o espaço entre as duas opções que apresentas, não há dúvida que a resposta é sim. Resta saber o que é que ele vai dizer.

Ricardo Noronha disse...

Dallas, acho que esse espaço foi mais sugerido pelo Bruno do que por mim. Ou seja, se fosse uma iniciativa do Bloco de Esquerda ou do PCP ele não teria feito o reparo. É óbvio que a política não se resume a isto, mesmo que a diferença entre os partidos referidos seja incontornável, mas eu também não fiz nenhuma pergunta.
Limito-me a constatar que, ainda não há muito tempo, Villaverde Cabral era perfeitamente capaz de sustentar uma análise que certamente não será subscrita por Passos Coelho e que o Bruno talvez não tivesse grandes problemas em partilhar. Ou, pelo menos, a considerar de Esquerda.
Miguel, acabei de parar.

Miguel Serras Pereira disse...

Tens mais sorte do que eu, Ricardo. Se pudesse parar um momento, tentava desencantar entre os meus papéis ou de descobrir a referência de publicação do texto de uma conferência que o MVC apresentou em Abrantes, nos finais dos anos 90, e que é uma crítica esplêndida da tese da "indiferença da acção política" (chamemos-lhe assim) que decorre da perspectiva sistémica do Luhmann. Mas terá de ficar para outra vez.

Dallas disse...

No outro dia li (parcialmente) uma entrevista com a personagem. O seu estilo não é novo: uma espécie de postura política blasée, que tanto dá uma no cravo, como outra na ferradura; que nuns anos apoia ao bloco, noutros o cavaco; que está acima disto tudo, mas não deixa de participar numas coisas. Não é nada de especial, nem de interessante. Nem tampouco maléfico.

Suponho que MVC deve ser um excelente avô dos seus netos.

Ricardo Noronha disse...

Se queres que te diga Dallas, "uma espécie de postura política blasée, que tanto dá uma no cravo, como outra na ferradura" parece-me ser o retrato fotográfico do Bruno quando escreve no 5Dias. Mas a gente continua a gostar dele na mesma, certo?