10/02/11

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Ou muito me engano ou estamos neste preciso momento a assistir aos primeiros sinais de emergência do que no futuro serão dois valiosos contributos para o melhor conhecimento dos mistérios da alma portuguesa. No blogue 5 dias, destaque para a seguinte reflexão de índole marcadamente filosófica: “Por vezes, ainda com mais descaro, o tuga diz-se “discípulo de….”, Karajan (?!), por exemplo. Isto é o retrato da nossa vileza apagada e mediocridade, digamos, pouco potentezinha”. No blogue Jugular, por sua vez, são as mais fidedignas fontes históricas que se reerguem da tumba em nossa salvação: “Sabemos que somos assim, mas foi Fernão Mendes Pinto a dizê-lo, a retratar-nos. Aquela vontade de acabar com tudo e de desistir a meio do caminho. O non-sense…”. Haja esperança, pois então, um dia saberemos quem somos.

16 comentários:

Carlos Vidal disse...

A minha frase está descontextualizada. Quanto à do Jugular, não sei, não o frequento muito. Chamo-lhe a "Cloaca" (em homenagem ao Wim Delvoye, como já postei). De resto, não podemos ser eternamente "bolseiros", ou "estudantes de/com", não é verdade, pá??
E se o homem que cito me ensina a pegar na batuta, isso não me faz discípulo dele.
Quanto ao resto, tu próprio disseste algures que as questões artísticas não eram o teu "forte". Então, porque te metes nisto??
CV

Carlos Vidal disse...

Enganei-me um pouco no comentário anterior:
claro que o "nisto" de que falo acima é mais vasto que as questões artísticas.
Emendado.

Ricardo Noronha disse...

O mais engraçado, Carlos, é que mesmo sem lá ires acabas por raciocinar de maneira semelhante, como se houvesse algo de "especificamente tuga" na prática do apadrinhamento académico e na ostentação de colaborações com figuras de autoridade e prestígio (e como se também tu, aliás, não o fizesses). Vileza apagada, mediocridade pouco potentezinha, vontade de acabar com tudo e de desistir a meio do caminho (mas terá Irene Pimentel alguma vez lido a Peregrinação?): é a mesma narrativa sobre a decadência e os defeitos "dos portugueses" que caracteriza os patriotas, sejam eles mais ou menos de Esquerda. E que faz com que a arte de Paula Rêgo seja hoje absolutamente consensual e nada incómoda - mesmo quando nos atira a casa o aborto clandestino - porque ela é uma "artista nacional".

Miguel Serras Pereira disse...

Mas, Zé, reconhecerás que quem comenta com o desassombro do CV só pode ser um "portuguesinho valente" - como dizia a Mary da Relíquia do seu Raposão -, por muito que se entregue à arte do "retrato da nossa vileza apagada e mediocridade, digamos, pouco potentezinha".
Por outro lado, a convergência do seu diagnóstico, a partir da sociologia histórica da cultura, com o da Irene Pimentel, a partir da sociologia histórica da política, não deixa de ser estimulante e talvez forneça pontos de partida fecundos para uma redescoberta - de resto, já em curso - da "questão nacional".

Abrçs

miguel (sp)

Carlos Vidal disse...

Eh pá, não me provoquem gratuitamente. Não li nem vou ler o escrito da sra. dra. Pimentel. Até porque ela ganhou um prémio na farinha Amparo, imerecido, algo que desprestigia o prémio e ofende o nome de José Mattoso (o primeiro laureado).
De resto, quanto à Paula Rego, já disse que nem tudo me interessa, e certamente não por igual - mas não será com vocês que eu vou falar destas questões.
Ou até poderia abrir uma excepção de diálogo ao grande Ricky, ao lado de uma bica (sobre a Paula e outras coisas - porque ele é um tipo preocupado).
Mas não insistam: hoje não vou à cloaca do Jugular.
Dito e feito (a fazer).

Miguel Serras Pereira disse...

CV

o post sobre a Paula Rego seria até muito bem esgalhado, se não estivesse sobrecarregado de ferroadas polémicas despropositadas, que, se não anulam a homenagem, a diluem, pelo que me parecem perfeitamente escusadas.
Também apreciei a denúncia do supersticioso culto académico-curricular - na sua vertente substancial e abstraindo dos à-partes comparativos (se me posso exprimir assim), que só servem, no caso, para confundir as coisas.
Finalmente, quanto à provocações gratuitas, toda a abertura do post sobre a Paula Rego dificilmente merecerá outro nome. Quem vai à guerra…

msp

Carlos Vidal disse...

... está bem, dá e leva.

Mas vão daqui na mesma os meus cumprimentos, apesar de discordar substancialmente da análise que faz, caro MSP.

Zé Neves disse...

vidal,

o tiro é ao lado. apesar de atirares para muitos lados, ainda assim vai ao lado. o ricardo noronha nunca teve nenhuma ligação académica ao mvc. já eu, tive, sim. fui seu subvisionado de pós-doc (não sei se é subvisionado que se diz... ele foi meu supervisor, pronto). e um dos grandes elogios que há a fazer ao mvc é a sua falta de vontade produzir "discípulos". No meio das ciências sociais, não há praticamente ninguém que, tendo tido e tendo o poder dele, não tenha feito "escola", no sentido mais hierárquico do termo.

Miguel Serras Pereira disse...

Zé,

belo testemunho, este teu. E, ao que dizes do MVC, poderia ainda acrescentar-se que, apesar dos amargos de boca que a sua generosidade lhe tem causado, o tipo não desarma. Não só se abstém de produzir "discípulos", como tem a viva alegria e o alegre gosto de descobrir nos que o poderiam ser as características que os tornam irredutíveis a essa condição: independência de espírito e pensamento próprio, etc.
Assim - é a minha vez de testemunhar - foi ele quem me chamou a atenção para "um dos mais novos", um "rapaz", cujo trabalho o surpreendera - leitor do seu amigo Negri, mas não simples seguidor ou papagaio do mesmo, um tipo, enfim, que valia a pena conhecer e com quem valia a pena discutir. E por aí fora, o resto tu adivinhas. Tratava-se de um tal Zé Neves, se bem me lembro da conversa - se é que este nome te diz alguma coisa…

Abrç

miguel(sp)

Carlos Vidal disse...

Zé Neves, uma vez mais, mias uma argolada argumentativa.

Como é que o mvc poderia deixar "escola", "discípulos" se a sua obra não tem envergadura para tal: em termos nacionais, pouca; internacionalmente, nada.
Então o deixar discípulos aqui estaria fundado no poder pessoal, dentro e fora da academia.
Não chega para produzir discípulos.
Lamento.

Zé Neves disse...

vidal,

enganas-te se achas que é preciso obra para deixar discípulos. infelizmente, não é o caso.

em relação ao mvc, estou certo que poderias encontrar excelentes motivos de reflexão quer na sua obra historiográfica ("O operariado nas vésperas da república" ou "Portugal na alvorada...", além do artigo/livro "proletariado", entrada da Einaudi que ficou a seu cargo). mesmo nas coisas mais recentes, que não tenho acompanhado tão atentamente, valeria a pena ler com atenção o artigo recentemente publicado no livro de homenagem ao Hermínio Martins.

Carlos Vidal disse...

É um facto insofismável:~não é preciso obra para deixar discípulos. Mas, atrever-me-ia a dizer, é preciso ter método.
Como diz um teórico alemão, é preciso saber criar campos de demarcação (remarcação/demarcação).
Uma personalidade com pouca obra e errática dificilmente deixa discípulos.
Pode deixar notáveis protagonistas das suas áreas e "mundos", mas não discípulos.

Miguel Serras Pereira disse...

Entre deixar discípulos e abrir caminho ou encorajar "notáveis protagonistas" nas "suas áreas e 'mundos'", a segunda alternativa é bem mais fecunda e libertadora.
Quem são os discípulos de Mário Dionísio ou Eduardo Lourenço?
Quanto ao método e à sua sacralização fetichista, às suas supostas garantias, muito haveria também a dizer. Mas, para responder a alguém que frequenta a prática e o pensamento das artes e da escrita como o CV, a maneira mais simples de responder é lembrar-lhe que o método está para a investigação e descoberta efectivas como as "poéticas" estão para o poema. Nos casos melhores, ou são reflexões sobre o que se fez, ou a reflexão sui generis que acompanha o seu fazer e se funde com ele - nada que tenha a ver com balizas ou sinais de trânsito obrigatórios, portanto. Bem pelo contrário.
"Navegavam sem o mapa que faziam", escreveu Sophia de uma vez por todas. É essa a aventura que vale a pena no pensamento como na poesia e na arte, e é ela que torna impossível definir propriamente a literatura ou o "método", fornecer, para além da região do trivial ou do auxiliar, o matema ou algoritmo dessa auto-interrogação do fazer social e histórico pelos seus agentes que é a mola real das "ciências sociais e humanas".

msp

Zé Neves disse...

vidal,

além do que o msp refere neste seu último comentário, e que julgo subscreveres, queria dizer que não é sequer justo dizer que o MVC não tem obra.

os seus contributos historiográficos dos anos 70, aos que haveria que juntar os de vários outros, desde logo o de Fernando Medeiros, fazem parte de um movimento geral (a nível internacional) de reconfiguração da imagem do operário. De Thompson aos operaistas italianos, esse caminho é muito diverso mas tem pontos em comum. Em parte ainda reflecte esse percurso o artigo de MVC para a Einaudi sobre proletariado (também publicado, em versão semelhante, em formato de livro).

Não conheço tão bem o que tem sido feito pelo MVC enquanto sociólogo e há aí uma certa inclinação para o estudo de peritagem (como sucede com grande parte da sociologia hoje) que não me atrai minimamente. Já enquanto cientista político, sendo que aqui a fronteira entre o historiador e o centista político não é clara (e ainda bem), vale muito a pena ler não só as coisas escritas no livro sobre cidadania política e equidade social, assim como um artigo recente, publicado no livro do ICS de homenagem a Hermínio Martins.

cumps

ps - já agora, e para apaziguar a cofrontação Barata Moura / Villaverde Cabral, convém lembrar que ambos fizeram parte da mesma equipa que dirigiu a UL. E não foi há muitos anos. Foi, até, depois do período pró-cavaquista do Villaverde Cabral, nos anos 80. O Barata-Moura era reitor e o Villaverde Cabral era vice-reitor. Curiosamente, diga-se, nessa altura quem era muito crítico do Barata-Moura (não da sua obra, seguramente, mas da sua direcção à frente da Universidade, eram vários camaradas da jcp; lembro-me bem de assegurar que do meu ponto de vista o camarada Barata-Moura não estava a caminho do PS...)

Miguel Serras Pereira disse...

Sim, Zé. Eu só não citei a envergadura curricular do MVC porque o CV tinha denunciado, no post sobre a Paula Rego, o culto e o fetichismo curriculares dominantes e porque pensei que esse aspecto não lhe interessava. E também por outra razão: o MVC não precisa de ser valorizado dizendo que passou por esta universidade ou aquela, que fez parte desta ou daquela agremiação, que foi publicado por esta ou aquela editora ou nesta ou naquela colecção. Quando muito, é ele, pelo trabalho feito, honra ou faz parte do curriculum das escolas, etc. por onde passou. O que quer dizer, para me servir de um exemplo simples, que o seu texto Proletariado - o Nome e a Coisa não é valorizado pelo facto de ter sido uma entrada na Einaudi - foi a enciclopédia que se garantiu e honrou publicando esse texto. E, mutatis mutandis, por aí fora.

Abrç


miguel(sp)

Zé Neves disse...

miguel,

de acordo. as referências bibliográficas eram mesmo para levar o Vidal a, caso lhe interesse, passar os olhos pelos referidos textos, que julgo serem os que maior interesse têm entre as coisas do mvc.

abç