17/01/11

Os limites de Marx ou uma pista de Cunhal

O Manuel Gusmão exige, no fim do seu post, que os críticos do patriotismo comunista (o meu contributo para a crítica do dito patriotismo está aqui) admitam o pensamento de Marx como critério de verdade. É uma exigência que não me interessa cumprir; há mais marxismo além de Marx e há mais comunismo além do marxismo, já para não dizer que há mais anticapitalismo além do marxismo e do comunismo. Além de que o Manuel tenta fazer passar por óbvio o que não o é, procurando resolver com um argumento doutrinário (quem entende e quem não entende o “Manifesto Comunista”) um debate que é muito mais complicado. Basta conhecermos o modo como foi interpretada a frase “os operários não têm pátria” nos diferentes contextos históricos em que foi lida para sabermos que, também aqui, há mais do que um Marx. Se alguns leram a frase como necessidade de construir um comunismo apátrida, outros leram aí um apelo para que se lutasse de modo a que o proletariado recuperasse a pátria que lhe havia sido retirada. Ou seja, a partir de Marx tanto dá para ser comunista e patriota como para ser comunista não-patriota. Legitimar doutrinariamente o patriotismo comunista a partir de Marx é uma operação que resulta altamente periclitante, como, aliás, sabia Álvaro Cunhal, que nos anos 60 era muito claro quanto à necessidade de somar Lenine a Marx para que se traçasse uma linha política comunista e patriótica: «Na época do imperialismo, à fórmula de Marx e Engels [“Proletários de todos os países, uni‑vos!”], Lenine deu nova expressão: “Proletá­rios de todos os países e povos oprimidos, uni‑vos!”. Hoje, que a luta anti‑imperialista se estende a todo o mundo e se desmorona o sistema colonial, a consigna de Lenine tem particular actualidade. A unidade da classe operária internacional e da sua maior criação e fortaleza, o campo socialista, com o movimento nacional‑libertador dará ímpeto invencí­vel às forças revolucionárias».

15 comentários:

Song The Sangue disse...

tem mais interpretações que a bíblia

e mais profetas também

e cada profeta é mais cioso da sua posteridade que maomé

Ana Cristina Leonardo disse...

Zé Neves, tu vais-me desculpar, mas abrir o Vias a uma segunda-feira de manhã e dar de caras com o cunhal para começo de conversa, não foi decididamente a melhor maneira de começar a semana...
-:)

Zé Neves disse...

Olá Ana,
Isso quer dizer que com o Lenine e com o Marx tudo bem?
:)

António Geraldo Dias disse...

Marxismos,nacionalismos,a relação identitária é hoje mais fragmentada as linhas de demarcação genuína mais contestadas,o cultural e o político entre origem e destino:o migratório mais virulento -novas formas de agressão mais ínfimas e mais totalitárias mas também novas possibilidades inimaginadas que podem contribuir para um sentido mais espontâneo de comunidade, a neutralidade do estado em relação ao passado menos vigiado e mais vivo.Os limites de Marx não são os do marxismo e deste não digo nem faço como os nacionalistas em relação ao passado, quanto mais longe melhor e puro.

Niet disse...

Caríssimo: O Negri não estabelece uma multiplicidade menos determinista e mais interactiva em relação à problemática antitese formal entre o internacionalismo e o patriotismo na senda que Cunhal - por causa de Dimitrov ou Bordiga...-propunha nos anos 50? Salut! Niet

Zé Neves disse...

caro niet, não saberei responder exactamente, também porque não sei se compreendi exactamente a questão. não tarda escrevo um post em torno do tema Negri/nação e aí voltamos a conversar.
abç

Carlos Vidal disse...

O Negri de 10ª divisão promete um post sobre o Negri. A coisa promete.
CVidal, o próprio do próprio.

Zé Neves disse...

carlos vidal, sinceramente, assusta-me a tua falta de modos. não de modos no sentido da boa educação que te obrigaria a ser mais ou menos gentil, coisa a que não dou importância; mas a completa ausência de modos no sentido comunista e que te faz não dar conta do extraordinário elitismo que é divideres os que pensam em divisões.

o comunismo e a igualdade são coisas demasiado sérias para serem contrabandeadas assim que te apetece medir o tamanho da tua pila teórica comigo ou com outrem.

há uns tempos não era assim, de modo que ainda há esperança. lembro-me de quando me convidaste para ir dar uma aula à tua universidade sobre o dito Negri e não percebo se és assim tão desmazelado que achas que o melhor para eles é descerem à décima divisão da vida intelectual.

saudações democráticas
zé neves

Ana Cristina Leonardo disse...

Olá Zé, já refeita do susto matinal, esclareço que desses todos que citas só almoçaria com o marx.
-:)

Carlos Vidal disse...

Fiz essa sugestão há 2 anos.
E, já agora, o Miguel Serras Pereira, há uns 13 anos, escreveu sobre um livro meu.
E depois, José Neves??
CV
(Com tempo e paciência, talvez responda a essa do marxismo sem marxismo além do marxismo, do modernismo sem modernismo, do pós-pós-pós-ante-pós, do hegelianismo sem marxismo, do marxismo sem kantismo proto-maoismo, do José pós-José, etc. etc.)

Zé Neves disse...

carlos vidal, tudo bem. mas olha, eu teria em melhor conta a tua faculdade; não a colocaria na 10ª divisão. tens que ser mais rigoroso na qualidade das pessoas que convidas.

Niet disse...

Olá Z. Neves e todos em geral, claro: Por acaso, eu lembro-me bem do Badiou na Uni-de Paris VIII- Vincennes( atravessava-se o castelo-prisão de Sade...)e em Saint-Denis. Ele, Badiou, era a coisa mais pacata e invisível que se imaginar se pode conceber. Com os seus colegas " normaliens " e maoistas-estalinistas-metafísicos, como o F. Regnault e o J-A-Miller, entre outros, o " cenourinha " filho de dois " normaliens " matemáticos parecia que não fazia mal a uma mosca. A Marie-Claire Boons, sua deusa, era muito bonita e por lá andava também. Ele tinha sido discípulo de Althusser na " rue d´Úlm" onde eu ia " espreitar " os comunicados do Derrida afixados nas vitines dos claustros da sede normaliènne. Isto quer dizer, se bem me compreendem, que Badiou sempre foi um homem de medida(s), de silêncio e de grande amizade. Ao contrário, dos " gregos " m-l." altusserianos Kostas Mavakris e Nicos Poulantzas. Nas aulas deste último aparecia um antigo PCP, o Silva Marques, que intervinha de forma primária copiando os pivots da argumentação marxizante de Mandel...A malta corava porque o Silva Marques- sácarneirista fervoroso post 25 Abril -" perturbava " o discurso elaboradíssimo do Poulantzas, fazia-o perder tempo e paciência. A situação nas Uni´s lusas de hoje não foge a essa regra. Todos temos amigos e conhecidos que nos narram " estórias " maquiavélicas da coabitação ideológica e burocrática que paralizam/parasitam, é o termo, a indispensável e benéfica luta ideológica e a verdadeira polémica científica. Niet

Carlos Vidal disse...

Bom Zé Neves, vamos lá resumir as coisas uma vez que não percebes mesmo o fulcro.
A minha faculdade obviamente é de primeiríssima categoria.
O meu engano em te convidar é que foi de 10ª divisão. Posso cometer enganos destes pelo seguinte: convidei um negriano e, com o tempo, saiu-me um "negriano-cliché".
Não sei se me fiz entender.

Carlos Vidal disse...

Perdão, enganei-me:
deveria dizer
"um negriano-xéxé".
CV, o próprio.

Zé Neves disse...

carlos, assim é difícil, passas a vida em enganos; primeiro eu era um negriano, agora sou um negriano de 10ª categorias (dir-me-ás onde é que conheces 10 negrianos, para que eu os conheça); depois dizes que era xexé e não cliché. Vamos fazer assim: desopila daqui, que é para não ter que te enviar para o gulag.