21/10/13

Um comentário a propósito das manifestações do passado sábado

Não foi preciso estar presente para perceber que as manifestações do passado sábado foram uma miséria, até porque a miséria já se vinha revelando desde há alguns dias atrás. E essa miséria é extensível, também, à bem mais elogiada manifestação do Porto – a não ser que nesta altura do campeonato ainda se meça o sucesso das manifestações pelo número de participantes.

Para aqueles que insistem em defender incondicionalmente a CGTP (ou insistem defender incondicionalmente seja que força política for), como se tudo isto não passasse duma disputa entre claques de futebol, devo dizer que não há no reconhecimento desta miséria qualquer sentimento congratulatório só porque a CGTP (e uma parte da esquerda institucional) mostraram novamente a sua enorme hipocrisia. Muito pelo contrário. Até porque esta miséria, para além da humilhação que representou, tem contornos de tragédia. Expõe-nos com violência a uma miséria maior, bem mais visceral, que se dissemina, que se institucionaliza, que parece legitimar-se, pouco a pouco, como um fatalidade incontornável para cada vez mais pessoas. Não está apenas em causa a miséria duma forma de fazer política, nem a impotência com que nos confrontamos em momentos como os de sábado, ainda que a dimensão da tragédia seja maior pela desproporcionalidade crescente entre a violência do que enfrentamos e a resposta (tímida, “moderada”) que lhe é dada. Está em causa muito mais do que isso. Está em causa tudo.

Mas a urgência em inverter o rumo das coisas é tão grande que não se pode deixar de reconhecer que forças como a CGTP têm (ou podiam ter) um papel muito importante a desempenhar, quer nos revejamos quer não nas suas formas de acção e de fazer política. A ausência de um caminho alternativo imediato, expressivo e radicalmente anti-capitalista, coloca-nos perante este facto. Basta ver o entusiasmo que gerou, nos mais diferentes sectores, a convocação da manifestação para a Ponte 25 de Abril e, especialmente, a intransigência revelada, até dada altura, perante o (mais do que esperado) despotismo governamental. Depois duma tentativa fracassada de protesto na Ponte por 226 “radicais desordeiros”, a “simbólica” convocação de uma manifestação para o mesmo sítio, por uma força política com legitimidade institucional, parecia anunciar não só um novo passo na luta política mas, também, uma aparente abertura para criar a ponte capaz de aproximar formas de descontentamento desencontradas. Falso alarme. E o que é mais grave é que esse recuo, por todas estas razões, não resultou somente em mais um episódio da farsa ou no "simples" regresso à situação anterior, mas, pior, contribuiu para aumentar o enorme sentimento de desesperança e frustração que há muito se instalava – um contributo que devia ser da exclusiva competência do governo e não uma tarefa partilhada com aqueles que se dizem “aliados”.

Afinal, não é certamente por acaso que se ouve dizer despudoradamente, desde há algum tempo, que a CGTP desempenha uma função de pacificação social muito importante. É dito pela direita e é repetido, sem qualquer vergonha, por alguma esquerda. E se a CGTP e, para o mesmo efeito, o PCP fazem questão de o demonstrar orgulhosamente pelos seus próprios meios, ostentando tal “função” como um troféu, a insignificância e debilidade do Bloco de Esquerda fazem o resto. Perante isto, há alguma verdade quando se diz ao enorme número de descontentes "desalinhados" que deviam agir e fazer acontecer em vez de criticar ou ficar à espera que os outros façam. Mas essa é uma verdade que na conjuntura em que vivemos se revela tão cínica que só me faz sentir asco – especialmente pela leveza com que nos demonstra que há gente mais depressa disposta a conformar-se e arrastar-nos com a sua miséria do que a lutar por vencê-la.

2 comentários:

Asdrubal Anacleto disse...

Como alguém, com alguma exposição mediática, e quase sozinho, afirmou: "Perante um grupo de radicais,o governo,o que é que a CGTP faz?,tem uma posição moderada".

Para quem participou (mais assistiu) dentro da CGTP na discussão da questão,ou não-discussão,uma vez que esta ocorre em exclusivo dentro do aparelho central,e esta limita-se depois a transmitir a tese,sem dar hipotese de alguém ter possibilidade de participar desta,a posição da denominada Intersindical é perfeitamente espectável. Mesmo, quando afirmam que a decisão do Governo em proibir a marcha era ilegal e aceitando essa ilegalidade.

1º Porque os seus objectivos passam em exclusivo por acções legalistas.
2º Porque rejeitam qualquer cenário onde possa existir possibilidade de confronto físico, ou hipotese de violência.
3º Porque,e principal,aplicado ao contexto da marcha sobre a Ponte 25 de Abril,haveria uma grande possibilidade de a coisa poder fugir fora de control da CGTP,dado o entusiasmo que estava gerar.E não tem a ver com focos de violência,mas sim com uma possibilidade de sucesso efectivo que poderia desviar o controlo da "luta" da esfera da CGTP e levar a focos descentralizados de mobilização fora do control da Central Sindical.

A CGTP (leia-se o aparelho central) iria recuar quer o Governo lança-se ou não a proibição.Forçaram até ao limite esperando pelo decreto-lei que lhes desse o pretexto de emendar a asneira (dentro da perspectiva da CGTP) que tinham lançado.O resto foi teatro necessário,areia para os olhos,como se costuma dizer.

Para quem espera alguma coisa da CGTP, não se iluda.Pode-se e deve-se apelar para que mude, mas deve orientar esse discurso para as bases e para isso é preciso contacto com estas. Até porque sejamos realistas não existe outra organização com capacidade de mobilização no país.

Mas isto não deixa de lado perceber que é necessário começar a pensar em construir uma estrutura que lance sementes para um sindicalismo alternativo, e no caso português um sindicalismo brutalmente alternativo. Internacionalista (coisa que a CGTP não é),Não corporativista (a CGTP promove distanciação entre as categorias profissionais),e principalmente, Não-burocratico (dando autonomia a base, tendo as direcções como meros executores), entre outras coisas.

Agora, os "desalinhados" só tem de optar: Ou podem entrar na CGTP (entenda-se no trabalho sindical),ou podem tentar construir uma estrutura alternativa, podem tentar conciliar as duas coisas, ou podem só criticar e manter-se até "desalinhados" consigo próprios na inércia que criticam nos outros e continuam a cultivar em si mesmos.

Anónimo disse...

«Afinal, não é certamente por acaso que se ouve dizer despudoradamente, desde há algum tempo, que a CGTP desempenha uma função de pacificação social muito importante. É dito pela direita e é repetido, sem qualquer vergonha, por alguma esquerda»

Não entendi, isto não é verdade?