18/09/14

Um referendo que distrai do essencial



Hoje, vota-se num referendo que tem como pergunta “Should Scotland be an independent country?”. Concretamente, pretende-se que quem tem o direito a nele votar escolha entre duas entidades de carácter Estatal para a administração do território, bem como de tudo e todos que nele se inserem, com as fronteiras da região conhecida como Escócia. Estas duas entidades diferem acima de tudo na extensão dos territórios que terão sob administração após a implementação da decisão tomada através do referendo. Em particular, o Capitalismo será o sistema de produção que sustentará, e será protegido, por qualquer um desses Estados. Ou seja, este referendo não é mais do que uma distracção relativamente ao caminho que será necessário percorrer para que aqueles que habitam a Escócia se aproximem duma efectiva auto-determinação, ou auto-governo. Neste momento, entre a perspectiva de reforço da ideia de Estado Nacional, caso o sim ganhe, e uma prometida maior devolução de capacidade decisória do parlamento britânico para o parlamento escocês, caso o não ganhe, diria que o mal menor para quem habita a Escócia poderá estar no segundo caso. No entanto, para quem não habita a Escócia, o abalo que as estruturas capitalistas sofreriam com a vitória do sim abriria brechas que poderiam ser utilizadas para lhes subtrair poder. Análises mais específicas sobre as questões suscitadas por este referendo e consequências podem ser encontradas aqui e aqui, bem como aqui e aqui.

Em contraste, nas regiões de maioria étnica curda da Turquia e da Síria abdica-se (da reivindicação) da forma Estado como veículo de emancipação e auto-governo. Esta abdicação resulta não só dos parcos resultados obtidos após décadas de feroz repressão por parte dos Estados Turco e Sírio, mas também duma profunda mudança de opinião por parte de Abdullah Öcalan no que concerne ao rumo a seguir. Este tem utilizado a enorme influência que possui nos territórios em questão para convencer os seus habitantes da necessidade de concentrarem os seus esforços na constituição de estruturas paralelas ao poder de Estado, assentes numa forte descentralização territorial e na implementação dum processo de decisão radicalmente democrático. Este “confederalismo democrático” foi inspirado nas reflexões de Murray Bookchin, nomeadamente na sua filosofia conhecida por Ecologia Social e na sua proposta de auto-governo designada por Municipalismo Libertário (ou Comunalismo). São também óbvias as similitudes com o Zapatismo. Aqui e aqui é descrito como as ideias de Murray Bookchin têm vindo a influenciar Abdullah Öcalan, e o resultado prático da implementação dessas ideias no terreno, que já aqui tinha assinalado.

O progressivo enfraquecimento dos actuais Estados, a que já começamos a assistir, e cujas causas discutirei num futuro post, permitirá cada vez maior margem de manobra a este tipo de experiências de auto-governo. Serão o único meio capaz de evitar a barbárie total, a que já hoje assistimos em vários territórios espalhados pelo planeta, os mais mediáticos dos quais localizam-se nos Estados em decomposição da Síria e Iraque.

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