15/10/16

O Orçamento e a Bolha Mediática

O orçamento geral do estado para 2017 foi finalmente apresentado. A Antena Um transmitiu o acontecimento em directo. Qual acontecimento? O exacto momento em que Mário Centeno caminhava para o púlpito para apresentar as linhas gerais do orçamento, ao mesmo tempo que a estação de rádio pública acompanhava, também  em directo, esse outro grande acontecimento que se estava então a desenrolar: o encontro entre o Benfica e o 1º de Dezembro. O "relato" da chegada de Centeno ao púlpito prosseguiu não tendo nós percebido se o ministro das finanças chegou a marcar algum golo ou se terá mesmo feito um hat-trick.
Que ficámos nós então a saber, que ainda não nos tinha sido inculcado pelos "orgãos de comunicação social" que, desde que foi revelado ao mundo o "imposto Mortágua", têm, utilizando a técnica da rega gota-a-gota, alimentado a ignorância de todos aqueles que estão no perímetro de vigilância  da "Bolha Mediática"? Nada. Qualquer coisa que queiramos saber sobre o orçamento e as suas consequências obrigará a escolher um guia de análise, ainda não produzidos, ou a  optar por recorrer a um dos especialistas já contratados pela Bolha.
Então será que o Orçamento é igual ao outro, a todos os outros? Não é? É melhor do quer todos os outros do periodo da Troika+Passos+Portas? É um orçamento de esquerda que merece o apoio de Jerónimo e Catarina, ou é um Orçamento do PS e do seu Governo, que Catarina e Jerónimo apoiam porque são várias as vitórias que os trabalhadores, os desempregados, os funcionários públicos, os pensionistas das pensões mais baixas e outros, obtêm?
Será um orçamento suficientemente de esquerda para não poder ter sido elaborado pela tríade que incluía a Troika. Será um orçamento suficientemente de esquerda para nunca poder ser um orçamento elaborado pelo PS sozinho, com a sua falhada - mas ainda hipotética-futura - maioria absoluta. É, no entanto, um orçamento feito a pensar no papão de Bruxelas e confrontado com a gula a que esse papão nos submete, esmifrando-nos mais de 8 mil milhões de euros/ano de recursos para pagar juros de uma dívida impagável. É um Orçamento feito por um Governo que se submete às regras da austeridade dominantes na Europa, porque não tem força politica  para derrotar a ala direita do PPE que domina a politica europeia e cujo poder, como [não]se viu na cimeira de Bratislava, é mais sólido e será mais duradouro do que conjunturais maiorias estimuladas pelos países do sul[Portugal e Grécia] poderiam fazer crer. Admite-se aqui como existente a vontade de derrotar essa politica. É um orçamento que não muda  a vida das pessoas.  Das que estão mal, das que vivem com dificuldades, das que estão sem trabalho. Mas também das que estão bem para lá de todo o mérito que possam ter tido, das que vivem da precarização dos outros, dos que vivem à sombra da contratação pública e da sua falta de transparência, dos que fizeram dos offshores o seu banco de confiança, dos que, detentores de situações de monopólio, cobram por eles  rendas faraónicas, para lá de todos os méritos empresariais, que são dificeis de detectar nos quase-monopólios, e exibem, em troca, a consciência social do seu afortunado projecto empresarial. Não mudar a vida das pessoas é muito mau para um Orçamento. Muito mais se ele quiser ser um Orçamento de esquerda. Mostra que o essencial da politica está no nível da estabilização da desigualdade e das suas raízes estruturais - a aposta de quase todos os trunfos na miragem do crescimento, permanecendo imutáveis os factores que o impedem, é uma confissão dessa realidade -  e que o seu tratamento se faz pela via do assistencialismo, mais generoso, mas ainda e só assistencialismo. Faltam decisões. Falta ambição. É natural que se negoceie muito, exaustivamente. A bolha mediática agradece e entretanto o Benfica lá conseguiu marcar um golo. Vamos já discutir isso.

4 comentários:

António Geraldo Dias disse...

A informação faz parte da guerra económica que depois da Grécia ganhou um novo significado que o complexo financeiro-mediático tenta apagar mitigando as suas consequências no plano político e estratégico reduzindo-as ao económico numa óptica neo-mercantilista dissipando golpes cirúrgicos dirigidas a países-alvo onde a luta de classes deve ser reprimida-o austeritarismo é um meio e como todo o poder simbólico isso deve ser negado para que a agenda possa ser aplicada até ao fim embora do ponto de vista económico não tenha qualquer razão de ser deve ser prosseguida com a ajuda dos partidos sociais democratas se necessário for - embora estes estejam desqualificados para o fazer...penso que você tem razão quando diz
"que o essencial da politica está no nível da estabilização da desigualdade e das suas raízes estruturais".

José Guinote disse...

Julgo que estamos nesse patamar de onde não sairemos enquanto não alterarmos significativamente o conteúdo das politicas. Não estou certo que isso passe, ou seja mais facilitado, "recompondo a composição da esquerda", por paradoxal que pareça. Quando falo em recomposição da composição da esquerda faço-o olhando para o tempo que passa. Parece-me mais próxima uma nova maioria do PS. do que uma subida de importância politica dos protagonistas à sua esquerda. Nesta febre mediática que assola a Bolha, onde estamos enfiados, há um efeito de controlo sobre os factores divergentes, visando eliminar todas as politicas que questionem o modo vigente de distribuir desigualmente os recursos.


José Guinote disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
José Guinote disse...

Deixo apenas um comentário suplementar. A proposta de aumento das pensões, "dispensando" as mais baixas do aumento de 10 euros, por questões de justiça - disse ele, o ministro Centeno- só pode ser para permitir ao BE e ao PCP uma "correção" na especialidade. Não me parece que esta proposta possa ser assim aprovada, depois de tudo o que BE e PCP disseram na fase da discussão prévia.