09/08/17

O caso do engenheiro despedido da Google e os despedimentos sem "justa causa"

A respeito do engenheiro que foi despedido da Google por criticar as políticas da empresa sobre desigualdade de género - em primeiro lugar, diria que não é, de forma alguma, um caso comparável ao de Brendan Eich (que foi pressionado a se demitir da presidência da Mozilla Foundation quando se soube que, há uns anos atrás, tinha doada dinheiro a uma campanha contra a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo); aqui trata-se de alguém que foi despedido por ter expressado opiniões diretamente relacionadas com a empresa em que trabalhava, não por ter opiniões políticas com pouca ou nenhuma relação direta com o seu trabalho.

Agora, a respeito do despedimento de James Damore, alguém acha estranho que, no contexto de uma sociedade (os EUA) em que nem a lei nem a cultura (o clássico "you are fired!") exigem o conceito de "justa causa" para despedimento, alguém seja despedido por escrever um texto (depois amplamente distribuído entre os trabalhadores da empresa) intitulado “Google’s Ideological Echo Chamber” e dizendo coisas como "Google’s political bias has equated the freedom from offense with psychological safety, but shaming into silence is the antithesis of psychological safety (...) This silencing has created an ideological echo chamber where some ideas are too sacred to be honestly discussed (...) The lack of discussion fosters the most extreme and authoritarian elements of this ideology", e no geral criticando as politicas e cultura internas da empresa? Isto é, não me parece que seja muito comum as empresas (seja qual for a sua orientação) gostarem de ver funcionários a escrever na internet críticas às suas políticas.

A ironia disto é ver pessoas como o José Manuel Fernandes, a respeito deste caso e outros similares, escrever coisas a dizer que a liberdade está em perigo (num mail que o Observador manda aos seus leitores - não sei se além disso é possível aceder ao texto dele via algum link), quando ele e a área política a que ele hoje em dia está associado defende entusiasticamente a liberalização dos despedimentos, o que abre caminho a que as empresas possam despedir que ofenda os preconceitos ideológicos dos patrões e administradores (e, depois, claro, não se calam com "a tirania do politicamente correto" quando o homem morde o cão e patrões "progressistas" despedem empregados "conservadores").

Também é interessante, no caso dos EUA, ver os conservadores, que têm uma grande tradição de defender que as empresas (e não apenas as pessoas) possam ter "ideologias" e "valores" (exemplos - defender que empresas - e não apenas os seus donos a título individual - possam doar a campanhas políticas; que empresas possam ser isentas, de acordo com as convições dos seus donos, de terem que fornecer aos seus empregados seguros de saúde que cubram despesas com contraceção; que as empresas possam obrigar os seus empregados a assistir a discursos políticos, etc.) agora ficarem chocados ao verem empresas a despedirem trabalhadores que se desviam da linha ideológica da empresa.

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