10/01/18

Assédio : mensagem para os mais lentos de compreensão



Se eu avistar um jovem na rua, de corpo atlético e dimensões razoavelmente impressionantes, digamos 1 metro e 90, e achar que ele tem uma perna elegante e um rabo jeitoso, vou pensar duas vezes antes de o informar acerca disso, não vou ?

Ora bem, a diferença com uma mulher é ?

Pois.

16 comentários:

Miguel Serras Pereira disse...

Caro, por uma vez, o teu esprit de finesse parece não te ter assistido. A pergunta não é só se tu irias ou não informa-lo. Mas também, por exemplo, se seria assédio que o fizesse, digamos, une fille entre quatorze et quarante ans.
Abraço
miguel (sp)

Miguel Madeira disse...

Acho que devíamos restringir o uso do termo "assédio", que me parece estar a ser usado para designar, no mínimo, quatro coisas diferentes:

1 - Situações em que um superior hierárquico faz propostas e/ou avanços sexuais a um subordinado, havendo razões credíveis para se esperar que isso condicione a liberdade de escolha do subordinado (nesta parte das "razões credíveis", até admito uma espécie de inversão do ónus da prova, considerando que o que se tem que provar é que o subordinado não está sujeito a coação e não o oposto)

2 - Contacto sexual físico não-consentido abaixo da violação (ex: os agora muito falados apalpões no metro)

3 - Conversa de teor sexual não-solicitada

4 - Conversas de teor sexual ou contactos sexuais físicos com alguém abaixo de uma determinada idade, mas sem chegar a atos sexuais propriamente ditos (analogia com a violação no ponto 2)

Para mim, reservava o termo "assédio" para a situação 1 (note-se que pode haver situação que sejam simultaneamente 1 e uma das outras - p.ex., o caso do Kevin Spacey, atendendo à sua influência como ator penso que principal da série, seria 1+2+4); atenção que eu não estou dizendo que não veja mal nenhum nas outras (o 4 até é capaz de ser pior que o 1), estou apenas dizendo que não faz sentido usar a mesma palavra para situações tão diferentes.

E, para falar a verdade, o exemplo que o João Viegas dá (tipo 3) parece-me o mais problemático. Nomeadamente, um dos problemas que vejo no "tipo 3" de "assédio" é que, se for levada a sério, leva a uma situação circular: vamos considerar que A não deve fazer comentários de teor sexual a B se B não dar previmente a entender a A que não se importa que A lhe faça esses comentários; mas o próprio ato de B informar A que autoriza A a fazer-lhe comentários sexuais é ele próprio uma conversa de teor sexual (que A teria que previamente autorizar B a ter, e não se sai daqui...)

joão viegas disse...

Ola aos dois,

Vamos por partes, primeiro a resposta ao Miguel SP :

A primeira pergunta do post, não consiste em saber "se", mas antes em saber "porquê" e, mais concretamente, "porque não".

A pergunta decisiva é a segunda (do post). Da resposta a esta (segunda) pergunta, é facil chegar à resposta à tua duvida, e esta resposta é a seguinte : em geral, não sera assédio, mas não podemos excluir de maneira absoluta que o seja.

Abraço forte.

joão viegas disse...

Resposta ao Miguel Madeira,

De facto usei o termo assédio de forma genérica para definir agressões. No entanto é obvio que tem de haver uma definição rigorosa. Alias ela existe, e provavelmente não sera totalmente coincidente em direito português e em direito francês. Nota no entanto que, nos dois sistemas juridicos, exige-se uma definição clara, rigorosa e precisa, sob pena de não cumprir os requisitos aplicaveis à lei penal (em França, a lei sobre o assédio sexual foi invalidada ha uns anos por esta razão, ja foi mofificada).

Dito isto :

- Em França, o assédio moral não implica um abuso de poder hierarquico, pode mesmo ser caracterizado de um inferior para um superior. Em Portugal não sei, mas é bastante facil verificar.

- O contacto sexual indesejado é geralmente qualificavel como coacção sexual, portanto como uma infracção mais grave do que o assédio. Um dos paradoxos interessantes nesta matéria, completamente incompreensivel para leigos, consiste no facto da penalização do assédio ter vindo preencher um vazio para reprimir comportamentos que não eram considerados suficientemente graves para entrar na definição das outras agressões sexuais puniveis.

- O teu ponto 3 remete para a minha resposta ao Miguel SP. Repara que o problema não é bem, ou não é apenas, ou não é principalmente, o facto do comportamento, ou da conversa ser "não solicitada". E' um bocadito mais subtil, mas nesta subtileza esta realmente o âmago da questão.

- Quanto ao teu ponto 4, ha que distinguir : a expressão "conversa de teor sexual" é bastante vaga e pode designar coisas completamente inocuas. Presumo que tenha tido muitas conversas "de teor sexual" com as minhas filhas, praticamente a partir do momento em que elas souberam falar, e não vejo mal algum nisso. Contacto ja é bastante mais sério e julgo que estas a falar em verdadeiras agressões, que são crimes mais graves...

Abraço

Miguel Serras Pereira disse...

Caro João, o meu problema começa por ser que não sei muito bem o que é que tu entendes que é ou deve ser lícito ou ilícito em matéria de assédio. Parece-me evidente que uma tentativa de sedução ou de engate possa ser incómoda para quem a sofre, mas, caso assuma a forma de proposta, ou convite, ou pedido, e não de imposição ou chantagem, não me parece que deva ser criminalizada, ainda que de legitimidade ética ou estética duvidosa. Assim, penso, como a Catherine Deneuve e as outras, que é preciso distinguir uma manobra de engate, galantaria ou sedução desajeitada e de mau gosto de um "ataque sexual" (é a diferença entre pôr a mão no joelho, durante uma conversa, como que dizendo: "Eu queria muito, vês? Não queres, também?", e um apalpão no metro). O desejo nunca é correcto e proibir a sua expressão em termos de comunicação sem dominação só pode ser pior dos que os males menores que se propõe evitar.
Forte abraço
miguel(sp)

joão viegas disse...

Caro Miguel,

O meu post pretende precisamente responder à tua questão :

Porque é que eu não me comporto assim com um manganão de 1m90 ? Porque em relação a ele, tenho o cuidado de pensar que se calhar não vai apreciar a brincadeira e que me arriso a levar nas ventas...

Ora bem o que é que explica que eu faça este calculo em relação a ele, mas não em relação a uma mulher ?

Pois...

Não se trata de proibir a sedução desajeitada, nem o mau gosto ou coisa que o valha. Trata-se de impedir que os homens (bom, alguns deles) aproveitem uma relação de poder para impingir a mulheres aquilo que eles sabem perfeitamente, e que têm a obrigação de saber, que elas não estão dispostas a aceitar.

Sejamos mais claros ainda : "vous habitez chez vos parents ?" é uma tentativa desajeitada de seduzir, se conheceres quem tenha sido preso por isso, manda-me o contacto que eu defendo-os/as gratuitamente.

Muito diferente é dizer na rua "és boa como o milho, filha, e eu comia-te-toda". Isto, concordaras, não é propriamente uma forma de sedução desajeitada...

Abraço forte.

Miguel Serras Pereira disse...

Claro que não — "boa como o milho, comia-te toda" é, NO CONTEXTO EM QUE O REFERES, qualquer coisa da ordem do insulto. E o mesmo vale, de resto, na eventualidade de uma mulher o dizer a outra — ou dizer a um homem: "és bom como o milho, comia-te todo", ainda que ela e ele possuíssem condições atléticas comparáveis. De qualquer modo, boa parte dos equívocos vêm, no nosso caso, de tu utilizares "assédio" numa acepção jurídica estrita que não corresponde ao que a maior parte das pessoas se representam ao ouvir/ler a palavra. É caso para nos perguntarmos se as formulações jurídicas que abrem caminho a tais equívocos não deverão ser evitadas.
Forte abraço

joão viegas disse...

Obrigado Miguel,

Bom, a intenção do meu post era precisamente demonstrar que a coisa não é assim tão esquisita quanto parece. O teu comentario obriga-me a um esforço suplementar de clarificação.

O que é preciso compreender é que o assédio, abstraindo das dificuldades puramente técnicas levantadas pela sua definição legal, é um fenomeno que so é dificilmente perceptivel para quem não o quer ver. Para ficar em terreno neutro, peguemos na definição da convenção de Istambul do Conselho da Europa. O Assédio sexual é definido como "qualquer conduta indesejada verbal, não-verbal ou física, de carácter sexual, tendo como objectivo violar a dignidade de uma pessoa, em particular quando esta conduta cria um ambiente intimidante, hostil, degradante, humilhante" (fonte : site do BE). Repara que nesta definição, o que é decisivo é a segunda parte da frase, e não a primeira. Não basta que haja uma mensagem, um gesto ou um comportamento indesejado (ou "não solicitado"). E' necessario ainda que a pessoa que age tenha consciência de que este comportamento é indesejado e que, apesar disso, ela se julgue no direito de o impôr. Trata-se, na essência, de um comportamento "indigno", no sentido de ignorar a dignidade da pessoa a quem se dirige, considerando-a como mero objecto e sujeitando-a à satisfação de uma pulsão.

Com esta definição, deixa de ser dificil perceber como é que a linha de separação pode ser clara entre o comportamento indevido e o comportamento inocente. Eu tenho todo o direito de desejar uma mulher, ou um homem, de querer ir para a cama com ela ou com ele e de tentar seduzi-la/o para alcançar o meu objectivo. O que não posso é esquecer-me de que se trata de uma pessoa, digna e respeitavel, e que tem todo o direito de não querer, caso em que terei de respeitar a vontade dela/dele. Isto é que esta em causa, apenas.

Os tribunais, como qualquer pessoa, fazem a diferença. Não é dificil, nem melindroso. Na esmagadora maioria dos casos o proprio agressor faz facilmente a diferenca e sabe muito bem quando esta a tentar seduzir uma pessoa (o que implica um minimo de respeito por ela) ou quando esta pura e simplemente a impingir-se. Acredita, na pratica, não ha mistério nenhum. E mais uma vez, se existe o receio de que alguém venha a ser condenado por engano, por exemplo porque foi mal interpretado quando estava apenas a tentar seduzir, ainda que de forma desastrada mas sem passar das marcas, dêm-me exemplos. Nada é impossivel, como é obvio, mas tratem de arranjar exemplos concretos e vão ver que o perigo não é assim tão grande...

O objectivo do meu post era precisamente fazer com que se tome consciência do que acabei de expor. Se eu sou capaz, instintivamente, de fazer a diferença entre a frase que posso dizer a um homem mais forte do que eu sem correr o risco de o magoar e de sujeitar-me a consequências, então devo também ser capaz de o fazer em relação a uma mulher. Ou não ?

Eis o pequeno-grande detalhe que a Catherine Deneuve e as outras signatarias negligenciaram. O que, como é obvio, não diminui em nada o respeito que lhe devemos, que é total.

Espero ter sido mais claro.

Abraço valente.

Um Jeito Manso disse...

Face a tanta sabedoria masculina, sinto-me até inibida ao indagar onde se encaixaria o fenómeno não tão raro quanto isso de jovens mulheres que aparecem no trabalho, de saias curtíssimas e decotes pronunciadíssimos e que, quando o facto é referido, dizerem, com naturalidade que têm que fazer pela vida. Uma, por exemplo, sempre que vai reunir-se com o chefe (homem), aparece com toilettes próximas do nudismo.

Intuo que se os respectivos chefes não tiverem alguma atitute próxima daquilo a que agora genericamente se chama assédio ficarão francamente desconsoladas.

Mas, enfim, isto sou eu a pensar.

joão viegas disse...

Cara "Um jeito manso",

Uma vez que v. me passa um atestado de incompetência para responder à sua pergunta, que tanto quanto percebo consiste em saber se o assédio não deveria ser desculpado pela intenção sincera de proporcionar às mulheres (ou seria apenas às mais galdérias ?) "aquilo que elas querem, que eu sei bem o que é !!!", vou deixar as ditas, ou seja as mulheres, responder directamente à sua duvida.

Não me levara com certeza a mal, se eu disser que aprecio o seu pseudonimo, sem qualquer ironia...

Saudações cordiais

Um Jeito Manso disse...

Não, Caro João Viegas, não lhe passei qualquer atestado e nem sequer o comentário era exclusivamente para si.

Nem estava a pensar na reacção dos homens face a situações como as que descrevi. Estava a pensar se não seria também assédio das mulheres sobre os homens a forma exposta como 'fazem pela vida'. E não, também não as vejo como galdérias, longe disso, são apenas focadas (ou focadas de uma forma um pouco estrita ou urgente, digamos assim) na prossecução das suas ambições.

E também não sei se Um Jeito Manso é um pseudónimo. É talvez apenas um sinal de preguiça. Dei este nome ao meu blog e não estive para arranjar um nome para mim (e, já que não queria aparecer com o meu nome do cartão de cidadão, ficou assim mesmo.)

Saudações femininas aí para esse clube masculino

joão viegas disse...

Cara Um Jeito Manso,

Obrigado pela resposta. Não sei se isto responde à sua questão, mas quanto a mim é perfeitamente evidente que o crime de assédio sexual se aplica tanto a homens como a mulheres, ou seja que uma mulher que tenha actos ou comportamentos que entram na definição legal sujeita-se a uma sanção. Não me passaria pela cabeça que fosse de outra forma e julgo até que, embora muito raros (va-se la saber porquê...) é possivel encontrar condenações de mulheres por assédio sexual.

Quanto ao nome do seu blogue (e não pseudonimo), não havia ironia nem qualquer subentendido da minha parte. A expressão é um excelente achado e sempre nutri um fascinio particular pela palavra "jeito", uma das muito poucas palavras portuguesas verdadeiramente impossiveis de traduzir para outros idiomas.

Em arranjando um bocado de tempo vou ver o seu blogue com mais atenção, gostei da apresentação grafica. Apareça sempre. De facto, o Vias de Facto tem sido um clube quase exclusivamente masculino, mas julgo que isto é fruto do acaso e de nenhuma maneira uma escolha.

Saudações cordiais

Miguel Madeira disse...

Acerca dos tribunais que fazem a diferença: é preciso ter em atenção que a atual vaga de denúncias de casos de assédio não está, na sua maioria, a ser julgada em tribunais; está a ser essencialmente julgada na "sociedade civil", sendo as sentenças, não multas ou prisões, mas sim despedimentos/demissões/cancelamento de lançamentos de filmes/etc. (talvez ironicamente, suspeito que tal é facilitado por uma característica dos meios profissionais que agora estão mais em causa, como cinema e comunicação social - relações de trabalho bastante fluídas, em que as pessoas são frequentemente contratadas para projetos específicos - que se calhar também facilitou bastante as situações de assédio sexual em primeiro lugar).

joão viegas disse...

Ola Miguel Madeira,

Claro. Por muito que se queira uma mudança de cultura nesta matéria, nada justifica que se sacrifique a presunção de inocência. Convém ter isto bem presente.

Note-se que os movimentos "me-too" e "balance-ton-porc" reagem sobretudo contra as dificulades com que se deparam as vitimas quando se dirigem aos tribunais - dificulades reais, pelo menos tanto quanto sei. Os ditos movimentos visam libertar a palavra porque muitas vezes assim é que se obtêm provas. Se uma vitima julga estar isolada, o mais provavel é que se cale. Ja o caso muda de figura se ela souber que não esta so. Mas não penso que esses movimentos pugnem por uma justiça popular ou por sanções sociais à margem da lei.

Dito isto, é incontestavel que pode haver instrumentalização e desvios e que nada justifica que se ignore o principio da presunção de inocência. Não vi niguém pôr em causa este principio fundamental.

Abraço

Miguel Madeira disse...

Atenção que quando eu digo que o casos estão a ser julgados mais na sociedade civil do que nos tribunais, isso não é necessariamente uma crítica - é um ponto (sanções juridicas formais versus sanções informais) em que eu tenho muitos mixed feelings.

joão viegas disse...

Ola de novo,

Isto é outro debate, que tem a ver com a distinção entre moral e direito. Para ser rapido, existe um continuum entre sanções "sociais", como as que sancionam regras de etiqueta, regras de bom comportamento, e outras que tais, e sanções propriamente juridicas, que implicam a restrição de direitos, entre as quais existem as sanções penais, que implicam a restrição de direitos fundamentais.

No caso "me-too", ha uma vontade evidente e assumida de inverter a cultura e de implementar sanções sociais onde não existiam. De facto, a solução do problema passa provavelmente (também) por ai : considerar que tratar uma mulher (ou um homem) como um mero objecto "não se faz". Mas infelizmente a experiência mostra que isso não costuma chegar. Muitos agressores concordariam de certeza que "não se faz", mas no entanto fizeram...

O ponto é que não se permita que as sanções meramente sociais tenham uma incidência em direitos e liberdades (sem protecção dos direitos de defesa), o que é sempre uma questão melindrosa. Isto não é proprio do nosso tema, mas um problema mais geral. Por exemplo, os abusos da liberdade de expressão tendem a ser reprimidos entre nos por sanções juridicas, mas nos EUA a sanção decisiva é mais de indole social ou comercial (és livre de dizer o que queres, mas ninguém te publica), e não é certo que seja menos dissuasiva na pratica...

Bom, isto ja é outro tema de debate...

Abraço